Inês Sanches, a castelã de Lanhoso

CUNHA DE LEIRADELLA
Tributo


Romance Histórico 

 

Este é o juramento e contrato que faz a Rainha D. Urraca a sua irmã, a Infanta D. Teresa, para que lhe seja amiga a boa fé, sem mau engano, como boa irmã a boa irmã. Que não trate de sua morte, nem prisão, nem dê para isto conselho
e se o tem dado que o desfaça.
Frei António Brandão, Monarquia Lusitana, Livro 8 Capítulo 14

Este dom Rodrigo Gonçalvez foi casado com dona Enês Sanchez. Ela estando no castelo de Lanhoso, fez maldade com ũu frade de Boiro, e dom Rodrigo Gonçalvez foi desto certo. E chegou i e cer[r]ou as portas do castelo, e queimou ela e o frade // e homẽes e molheres e bestas e cães e gatos e galinhas e todas cousas vivas, e queimou a camara e panos de vistir e camas, e nom leixou cousa movil. E algũus lhe perguntarom porque queimara os homẽes e as molheres, e el respondeo que aquela maldade havia VXII dias que se fazia e que nom podia seer que tanto durasse, que eles nom entendessem algũa cousa em que posessem sospeita,
a qual sospeita eles deverom descubrir.

Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, José Mattoso – Edição Crítica

 

No castelo da Terra de Lanhoso, delimitada, a norte, pela a margem esquerda do rio Cávado, a sul, pela margem direita do rio Ave, a leste, pela Terra de Penafiel de Suaz, e a oeste, pelo Couto de Braga, uma mulher salvou o ainda não nascido reino de Portugal, em 1121, e outra foi queimada viva para salvar a honra do marido, em 1173. Chamavam-se, Teresa de Leão, condessa de Portucale, e Inês Sanches, castelã de Lanhoso.

          Honra de Caleiros, outubro de 1119

 

Da antiga grandeza do solar da Honra de Caleiros nada resta, a não ser parte do velho aqueduto, um enorme tanque de pedra, e lanços esboroados do muro que descia pela encosta do monte Crasto, ladeando a margem direita do ribeiro de Sequeiros, afluente do rio Ave na Terra de Lanhoso. E algumas pedras que levantavam as torres e as muralhas, e a cova da masmorra cavada no subsolo da torre de menagem, entupida de terra, de codeços e de silvas.

Construído por D. Audo Sejes, um rico-homem vindo da Borgonha com o conde D. Henrique, e que o acompanhou ao ultramar, em visita à Terra Santa, senhor de pendão e caldeira, e baraço e cutelo, abrigando e alimentando os seus próprios homens de armas e com poder de vida e morte sobre os habitantes dos seus domínios, o solar de Caleiros, erguido na Lájea do Fontão, a mais alta colina dos terrenos da Honra, era cercado por muralhas ameadas, percorridas por adarves que ligavam as quatro torres albarrãs fendidas por balestreiros, e circundadas por grossas barbacãs. Para além delas, um largo fosso torneava todas as defesas do solar.

Duas portas davam entrada ao interior da construção. A porta de armas, fechada por uma grade de grossos varões de ferro, e uma ponte-levadiça resguardada por dois torreões quadrangulares, com as unidades de medida, a vara e o côvado, gravadas no exterior da muralha. Do lado oposto, abria-se a poterna, a porta falsa, ou da traição, disfarçada no alicerce do mais encoberto lanço da muralha.

Dentro da cinta amuralhada estendia-se a praça de armas, ladeada pela capela, pelo aqueduto, pelas cavalariças, moradias dos acostados, ferrarias, cortelhos dos animais de criação, e depósitos de armamento. Ao centro erguia-se a torre de menagem, de vinte e seis côvados de largura por quarenta e dois de altura, fendida por duas portas. No rés do chão, chapeada de ferro, por baixo da escada do cubelo das adegas, ucharias e cozinhas, a que fechava o subterrâneo da masmorra, e a meia altura, a que dava acesso aos aposentos senhoriais, ligada ao adarve da muralha por uma ponte de grossos toros de madeira.

No primeiro andar ficava a sala de armas, com as lareiras, os candelabros circulares, suspensos do teto por roldanas, e os brandões de ferro, cravados nas paredes. Ao fundo, por cima da grande mesa de tabuões de carvalho, entalhado na parede, espelhava-se o brasão dos senhores de Caleiros. Um escudo branco, quadrado, com as armas em azul. Três retângulos, um, maior, horizontal, e dois, menores, verticais, . No segundo, e no terceiro, ficavam as alcáçovas com as câmaras dos senhores, das damas, das aias e das donzelas da castelã.

Audo Sejes, nascido nas planuras borgonhesas, encantou-se com os fraguedos e alcantis dos contrafortes do monte Crasto, e ali quis viver o resto dos seus dias. Estava cansado das guerras em que sempre andara acometido, e mais cansado ainda das intrigas da corte de Guimarães, onde a beleza da infanta Teresa, esposa do conde D. Henrique, e onze anos mais nova, acendia paixões, fossem os ricos-homens e infanções, portucalenses, galegos, leoneses ou borgonheses.

Dada a Carta de Honra do solar e das terras de Caleiros pelo conde D. Henrique, permaneceu D. Audo Sejes na corte de D. Teresa, em Guimarães, até na cama dela entrar o galego Bermudo Peres de Trava. Indignado com o procedimento da infanta viúva, D. Audo Sejes retirou-se para Caleiros, já casado com Aldonça Mendes, aparentada com os senhores da Terra da Maia.

Foi em Caleiros que nasceram Froilhe Mendes, Auzenda Mendes e Mendo Audes. Froilhe Mendes, filha mais velha de D. Audo Sejes, casou com Sancho Lobo de Travassós, avô de Inês Sanches. Auzenda Mendes, segunda filha de D. Audo, casou com Pedro Paio de Mourinha, avô de Nuno Mendo. Mendo Audes, pai de Sancho Mendes, desde donzel escudeiro do conde D. Henrique, e por ele armado cavaleiro na batalha de Campo de Espina, onde as hostes portucalenses derrotaram o conde Gomes Gonçalves, amante da rainha Urraca de Leão.

Cavaleiro, e amigo fiel do conde D. Henrique, Mendo Audes não se apartou dele um só dia nos três últimos anos da vida de D. Henrique. Com ele foi a Astorga, e lá o viu morrer, diziam os inimigos de Urraca, mandado envenenar pela rainha. Morto D. Henrique, retornou Mendo ao solar de Caleiros, desafeito com a corte de Guimarães onde a condessa viúva, meia-irmã da rainha Urraca de Leão, continuava a incendiar corações.

– Ficou lá? – foi a primeira pergunta que D. Audo Sejes fez a Mendo, ao saber que D. Henrique, companheiro de tantas batalhas, e que tanto lutara pelo alongamento das terras do condado, tinha morrido naquela fatídica quarta-feira, vinte e dois de maio de 1112.

– Prestes virá, senhor meu pai – respondeu Mendo. – Há de ser enterrado na Sé de Braga, conforme a sua vontade. Mas, primeiro, prestes corri para vos trazer a triste nova.

– Bem fizestes, senhor meu filho. Bem fizestes, e bom será que ele venha. Um homem enterrado deve ser na terra onde viveu.

Os serventes e os pedreiros enxameavam pelas alamedas e terreiros do solar, abrindo valas e cortando e aparelhando pedras para assentar os alicerces da nova torre de menagem, e da cinta de muralhas.

– Para quê tantas e tais obras, senhor meu pai? – perguntou Mendo, olhando a azáfama dos braçais. – Acaso o solar da Honra de Caleiros corre perigo de invasão? A mourama está queda além-Mondego, senhor meu pai.

– A mourama está queda, bem o dizeis, senhor meu filho – respondeu D. Audo Sejes. – Mas não dizem que Teresa ainda abre mantas e lençóis em Guimarães a Bermudo Peres, o mais velho dos de Trava?

– Dizem, e assim é, senhor meu pai. Egas Moniz de Ribadouro também saiu da corte, e levou com ele o infante Afonso Henriques para as suas terras de Britiande.

– Vede, pois, senhor meu filho, que razão há para que sejam bem fortes e guardadas as muralhas do solar da Honra de Caleiros. Com D. Henrique morto, e Teresa achegada aos Travas, muitos honrados ricos-homens hão de morrer, certo ficai, senhor meu filho.

– Com D. Henrique vivo também muitos morreram, senhor meu pai. Em quantas batalhas vós…

– Senhor meu filho, – interrompeu-o D. Audo Sejes – com D. Henrique vivo, muitos ricos-homens morreram, certo é. Mas morreram com honra. Com D. Henrique morto, também muitos hão de morrer, mas desonrados. Alguma vez a semente dos de Trava deu bom fruto? Lembrai-vos, senhor meu filho, Bermudo e Fernando são filhos de Pedro Froylaz, um tredo enredador que se tomava por príncipe da Galiza, e quem sai aos seus não degenera.

Mendo Audes não respondeu. Conhecia os Travas, sempre vis enredadores. Que o dissesse a rainha Urraca, obrigada a entregar o infante Afonso Raimundes a Pedro Froylaz, que levantou a Galiza contra o seu casamento com Afonso I de Aragão.

As obras das fortificações continuaram, e da primitiva torre de menagem, e da primeira cinta de muralhas, nada restou. Erguida a nova torre com alcáçovas dignas de um paço real, o solar da Honra de Caleiros disputava com a Torre de Geraz, de Moninho Osores, e com a Torre de Bagães, de Fáfila Lucides, a primazia de todos os solares da Terra de Lanhoso.

Mendo Audes não voltou à corte de Guimarães. Dois anos depois casou com D. Toda de Morteira, Honra vizinha de Caleiros. A primeira filha de Mendo, D. Mor Mendes, morreu ainda criança, e Sancho Mendes, o segundo filho, nasceu no ano em que morreu D. Audo Sejes.

Um ano depois, em 1121, morreu D. Toda, e Mendo Audes trancou as portas do solar da Honra de Caleiros. A única vez que reuniu os seus homens de armas foi para se juntar à mesnada do infante Afonso Henriques contra a rainha Teresa e Fernando Peres de Trava, na batalha de São Mamede, no campo da Ataca, a pouco mais de três quilómetros do castelo de Guimarães, nas veigas de São Torcato.

Vencido na primeira refrega, Afonso Henriques abandonou o campo da batalha, o que muito contrariou Mendo Audes. Mas, sendo leal ao infante, conformou-se, e seguiu-o na retirada. Andada já uma légua, encontraram Soeiro Mendes de Sousa, que muito se espantou com a fuga do infante.

– Como assim vindes, senhor? – perguntou Soeiro Mendes a Afonso Henriques. – Não tivestes juízo, pois à batalha fostes sem mim. Mas tornai comigo, e prenderemos o vosso padrasto e a vossa mãe.

– Deus queira que assim seja – respondeu-lhe o infante.

– Vinde, e vós vereis que assim será.

No campo da Ataca, as hostes da rainha Teresa e de Fernando Peres de Trava ainda comemoravam a vitória. Já acompanhados pelos de Sousa, de Ribadouro, da Maia, de Lanhoso, e de muitos outros ricos-homens de aquém-Minho, cumpriram-se as palavras de Soeiro Mendes. O infante Afonso Henriques venceu a batalha, e prendeu o padrasto e a mãe. Tinha dezanove anos.

Se o solar da Honra de Caleiros disputava, em grandeza e opulência, com os solares das mais antigas linhagens da Terra de Lanhoso, os seus senhores eram-lhes iguais nos ofícios da leitura e da escrita. Nenhum deles sabia ler nem escrever.

E Mendo Audes não era exceção. Era um valoroso cavaleiro, mas, ensinado por D. Audo Sejes apenas nas artes dos torneios e das batalhas, era analfabeto.

No solar de Caleiros, como em todos os solares da Terra de Lanhoso, os saberes e ofícios da leitura e da escrita ficavam a cargo dos capelães. Em Caleiros, a cargo de frei Ambrósio, o velho capelão do solar.

Mendo Audes, morta a primeira filha, e a esposa, para espanto, e até consternação de frei Ambrósio, ordenou-lhe que ensinasse a Sancho Mendes, o seu herdeiro, os ofícios da leitura e da escrita.

– Meu senhor, – disse-lhe frei Ambrósio – o vosso filho é de nobre linhagem como vós, e bom cavaleiro será. Mas o que dirão os seus pares ao sabê-lo instruído nos ofícios da leitura e da escrita?

– Por minha fé vos digo, frei Ambrósio, que nada dirão, pois dele terão inveja. Ensinai-o.

Embora contrariado, pois o saber ler e escrever era atributo dos homens da igreja, frei Ambrósio desvendou a Sancho Mendes todos os mistérios da leitura e da escrita. De começo relutante, pois gostava mais da maciez do pelo dos cavalos do que das barbicelas das penas de ganso, passados os primeiros três anos já Sancho Mendes lia e escrevia em latim com mais afinco e facilidade do que o próprio frei Ambrósio. Loiro, alto, de olhos azuis, Sancho Mendes não renegava a sua ascendência franco-borgonhesa.

Satisfeito com os progressos do filho nos ofícios da leitura e da escrita, Mendo Audes não descurava da sua educação militar. Ensinava-o pessoalmente na monta de cavalos, em corridas e lutas livres, e de espada. Para se preparar para os futuros torneios e combates, Sancho Mendes muito aprendeu a correr a quintana. Galopar contra um boneco de madeira, e cravar-lhe a lança entre os olhos. Se falhasse o golpe, o boneco, montado sobre um pino de ferro e com um braço comprido, rodava e lançava o cavaleiro ao chão. Exímio cavaleiro, Sancho Mendes, foi de todos os jovens do solar, o único a quem o braço do boneco nunca derrubou.

Armado cavaleiro por D. Afonso Henriques na batalha de Ourique, foi um dos primeiros ricos-homens portucalenses a aclamá-lo como Rei dos Portugueses. Respeitado e temido pelos seus pares, por ter derrotado e aprisionado, em combate singular, Bermudo Peres, o mais velho dos Travas, no recontro de Valdevez, Sancho Mendes tornou-se amigo particular de D. João Peculiar ao saber do apoio que o arcebispo de Braga, e primaz das Espanhas, dava ao rei D. Afonso Henriques nas suas lutas contra os papas de Roma.

Nenhum deles o queria reconhecer como rei de Portugal, apesar do compromisso expresso por D. Afonso Henriques ao cardeal Guido de Vico de se fazer vassalo da Santa Sé com o pagamento de um censo anual de quatro onças de ouro, e de D. Afonso VII, o seu primo, rei da Galiza, Leão e Castela, já o reconhecer como rei de Portugal no tratado de Zamora.

– Senhor dom arcebispo, lutai vós contra as bulas de Roma, que contra os infiéis bondamos nós.

– Amigo Sancho Mendes, – respondia-lhe D. João Peculiar – as lutas contra as bulas de Roma são mais duras e demoradas do que as lutas contra os infiéis. Mas, certo ficai, um dia venceremos. Roma é eterna, mas eterno não é quem nela pontifica, vós sabei-lo, e eu também.

Companheiro inseparável de D. Afonso Henriques, só uma vez retornou Sancho Mendes ao solar da Honra de Caleiros em todos aqueles anos. Foi na primavera de 1143, quando, naquela sexta-feira de negra memória, dezasseis de abril, morreu Mendo Audes, enfermo havia quatro meses.

Enterrado o pai na galilé da capela do solar, voltou Sancho Mendes a juntar os seus homens de armas ao exército de Ibn Errik, filho de Henrique, nome que a mourama dava a D. Afonso Henriques, o rei conquistador.

E foram, outra vez, tempos duros de batalhas e de guerras. Dois anos depois acompanhou o rei no socorro pedido por Ibn Qasi, governador de Mértola, contra Seddaray, governador de Badajoz, e cristãos e mouros penetraram nas terras de Beja e de Mérida. Seguiram-se mais batalhas, umas ganhas, outras perdidas, até que Ibn Qasi, pressionado pelos seus, pediu a D. Afonso Henriques que se retirasse, e a mesnada portuguesa voltou a cruzar a margem direita do rio Tejo.

A esta entrada na província de Al-Kassr, seguiram-se os habituais fossados da primavera, ermando aldeias e campos cultivados, até que, em quinze de março de 1147, Sancho Mendes foi um dos quarenta e cinco cavaleiros para, cobertos pela noite, escalarem as muralhas de Santarém e abrir-lhe as portas a D. Afonso Henriques. E de primeiro de julho a vinte e cinco de outubro, ajudá-lo no cerco e na tomada de Lisboa.

Finalmente, depois de mais quatro anos de ausência, retornou Sancho Mendes ao solar da Honra de Caleiros. Casou-se em 1150, a vinte e nove de abril, sábado, com D. Toda Moniz de Covas, irmã de D. Mor Moniz, mãe de Inês Sanches, ambas aparentadas com os Osores da Torre de Geraz. D. Toda morreu um ano depois, ao dar à luz um filho nado-morto, e Sancho Mendes não mais casou, embora fosse considerado, tanto pelas damas solteiras das Honras vizinhas, quanto pelas do paço, um brilhante e garboso cavaleiro.

Inês Sanches, única filha de D. Mor Moniz e Lopo Sanches de Travassós, senhor do Senhorio de Bragada, morto no primeiro ataque a Alcácer do Sal, tinha seis anos quando, órfã de pai e sobrinha de Sancho Mendes, foi viver com a mãe e o tio viúvo no solar da Honra de Caleiros.

Homem mais habituado às lides das batalhas, e aos perigos dos fossados em terras infiéis do que aos tratos palacianos, ou à vida familiar, Sancho Mendes preferia que a sua sobrinha tivesse nascido homem. E extravasava a sua contrariedade à cunhada D. Mor Moniz.

– A Terra de Lanhoso precisa mais de homens que a possam defender do que de mulheres que só sabem bordar panos e suspirar por benquereres de cavaleiros andantes, senhora minha cunhada.

Mas D. Mor Moniz, ainda viçosa para os seus trinta e cinco anos, e de espírito determinado, conhecia o cunhado e sabia como enfrentar as suas raivas e maus humores. A alcáçova do solar da Honra de Caleiros era território do seu mando, não couto da acha de armas de Sancho Mendes.

– Senhor meu cunhado, – respondia-lhe – a Terra de Lanhoso precisa do que Deus dá. Se os homens lidassem as mulheres como são lidados por elas, não haveria guerras na Terra de Lanhoso, disso ficai certo.

Ante a firmeza das palavras, e o peso dos argumentos da cunhada, Sancho Mendes baixava a cabeça, e concordava.

– Razão tendes, senhora minha cunhada. Perdoai. Não fora D. Ouroana Moniz, a senhora vossa mãe vos ter parido, e eu não vos teria no bom mando desta casa.

Informado por uma carta de D. João Peculiar que o rei D. Afonso Henriques dava uma festa no décimo segundo aniversário de Martinho Sancho, seu filho, nos paços de Coimbra, e mandava que os amigos, os ricos-homens de aquém-Minho e aquém-Douro, lá estivessem, Sancho Mendes aprestou armas e bagagens a caminho de Coimbra. D. Mor Moniz pediu ao cunhado que levasse Inês a visitar a corte.

– É festa de aniversário do infante, senhor meu cunhado. Levai, pois, vossa sobrinha. É donzela, e uma visita à corte…

– Mas, senhora minha cunhada…

Mor Moniz antecipou-se aos possíveis argumentos do cunhado.

– Senhor meu cunhado, a minha filha Inês, a vossa sobrinha, bem precisada anda de conhecer as danças e os folguedos do paço. Levai-a, pois.

Era outono. Os garranos e os lobos das serras da Cabreira e do Gerês já começavam a descer aos povoados ribeirinhos do rio Ave e do rio Cávado, e Inês não queria ir. Preferia cavalgar nos descampados de Caleiros com Nuno Mendo, o seu eleito, do que rodar em círculos, de mãos dadas com desconhecidos nos salões do paço de Coimbra.

– Senhor meu tio, não me apraz dançar no paço. Mais quero campear em Caleiros do que folgar em Coimbra.

Mor Moniz calou as razões da filha com um argumento sem retoque, dito em voz seca e determinada.

– Senhora minha filha, nunca a Honra de Caleiros e o Senhorio de Bragada foram a uma festa real sem mulher de companhia. Acompanhai, pois, o vosso tio, que vos mando eu.

– Mas, senhora minha mãe, Nuno Mendo…

– Não vos cuideis de Nuno Mendo. Ide com o vosso tio, que Nuno Mendo na volta vos espera.


Cunha de Leiradella

E-mail – leiradella@sapo.pt


revista triplov

INDICE / SÉRIE VIRIDAE / 01 / CUNHA DE LEIRADELLA

Portugal / junho 2021