A minha namorada

CUNHA DE LEIRADELLA
Tributo


Desde ontem à noite que a Marta é a minha namorada. Encontrei-a há quinze dias, por acaso, à entrada da Pastelaria da Lindinha. Aliás, nem a encontrei. Ela é que me encontrou. Estava parada no passeio e tinha um cigarro na mão, eu ia a entrar e acendi-lho. Ela disse-me, obrigada, e foi-se embora. Eu nunca a tinha visto em Vila Nova de Pardais, mas isso não queria dizer nada. Os meus pais moram em Melgaço, deram-me um carro, e mandaram-me estudar no Instituto Superior de Ciências e Tecnologias Humanas do Alto Ave em Vila Nova de Pardais. Passei dias sem a ver, até que a encontrei ontem, ao escurecer,  à entrada do Quiosque do Manel. Eu estava a comprar um maço de tabaco, ela bateu-me no ombro, com uma nota de dez euros na mão, e disse-me, olá, eu sou a Marta. Pode comprar-me um Marlboro Gold? Entreguei-lhe o maço e o troco, ela disse-me, obrigada, e foi-se embora. Por isso, espantei-me quando ia entrar na Livraria Vila Nova e a vi a tirar um cigarro da bolsa, e a dizer-me, acende-mo? Acendi-lhe o cigarro, ela disse-me, obrigada, e calou-se. Sem saber o que dizer, perguntei-lhe, quer tomar um café, ou um sumo? Ela não respondeu, atirou o cigarro ao chão, começou a andar, e só consegui alcançá-la já do outro lado da rua. Com a cabeça baixa e a bolsa colada aos seios, nem sequer me olhou. Só me disse, desculpe, não estou a passar bem. Sem saber o que fazer, apontei o meu carro estacionado junto ao passeio, e perguntei-lhe, quer que a leve a casa? Ela não respondeu, mas começou a andar em direção ao carro. Abri-lhe a porta, ela entrou e sentou-se. Encolhida no assento, e com a bolsa colada aos seios, só me disse, na próxima esquina, meta à direita. Guiei devagar, à espera que ela me dissesse onde queria que eu parasse, mas ela não mo disse. Encolhida no assento e com a bolsa sempre colada aos seios, só olhava a rua através do para-brisas. Já depois da esquina, e antes que eu pudesse perguntar em que edifício morava, ela disse-me, pare aqui. Encostei o carro ao passeio e olhei-a, mas ela continuou calada, a bolsa ainda colada aos seios e os olhos fixos numa casa, poucos metros à frente. Ficamos assim algum tempo, até que ela, de repente, abriu a bolsa e tirou um cigarro. Acendi-lho, ela disse-me, obrigada, e continuou a olhar a casa. Um casal passou junto do carro e parou perto da porta. O homem beijou a mulher, e ela beijou-o também. Beijaram-se diversas vezes, até que a mulher abriu a porta e entrou, e o homem acendeu um cigarro e passou por nós a assoviar. Olhei para Marta. Continuava com a bolsa colada aos seios, mas os olhos estavam fixos nas costas do homem que atravessava a rua, a assoviar. O silêncio incomodava-me, mas sem saber o que fazer, acendi um cigarro, dei algumas passas, atirei-o pela janela e pus-me a olhar a rua. A Marta não se mexia, nem falava, e eu pensei que o melhor seria perguntar-lhe onde morava, levá-la a casa e ir-me embora. Mas achei que não seria apropriado e continuei a olhar as pessoas e os carros que passavam. Cansado de olhar, fechei os olhos e deixei passar o tempo. Não sei quanto tempo passou, mas deve ter sido pouco, porque quando os abri, a Marta ainda continuava imóvel, a olhar a rua que o homem tinha atravessado. E foi sempre a olhar a rua que a Marta, num gesto brusco, jogou a bolsa no assento traseiro do carro, e disse-me, ande. Depois da rotunda nova, meta na primeira entrada, à esquerda. Não lhe perguntei onde íamos, não me pareceu apropriado, mas espantei-me quando vi o letreiro iluminado do Motel Vila Nova.


revista triplov

INDICE / SÉRIE VIRIDAE / 01 / CUNHA DE LEIRADELLA

Portugal / junho 2021