Choque de civilizações

JOÃO SANTOS FERNANDES
Choque de civilizações ou colisão de religiões sem espiritualidade


Dogmas, heresias, clivagens inter-religiosas, cismas, guerras santas, inquisições, exôdos, concílios, falsos profetas, reformas e contra-reformas, ditadores e seus sonhos imperiais, escolas de pensamento e doutrinas socio-filosóficas, estéticas e éticas de conveniência elitista, modas e interesses, revoluções e alianças, estratégias de interesses e independências sem plenitude, têm influenciado o progresso da Humanidade ao longo de milénios.

As Artes, as Humanidades e a Ciência também têm flutuado ao sabor de poderes profanos e religiosos, assistindo-se, hoje, ao agravamento do cenário pela desconstrução, sem metamorfoses, das doutrinas de pensamento sócio-económicas emergentes da Revolução Industrial na Europa do séc.XVIII (democracia-cristã, social-democracia, socialismo, comunismo e anarquismo), bem como de três vertentes que serão determinantes para o devir do século XXI: a hegemonia desregulada do poder financeiro; os extremismos religiosos; o desiquilibrio entre o materialismo e a espiritualidade, com grave acentuação de doenças mentais.

Pairam sobre a Humanidade, onde 1% concentra riqueza e 99% sofre de carências diversas, medos e psicoses de angústia, como que se um Apocalipse estivesse para acontecer. Desde se desconhecer o devir das «inteligências artificiais» até se recear a total poluição de mares, terras e gentes, sem se olvidar os cenários de mais desemprego, novas pestes, doenças e migrações, tudo os povos sentem e calam, mas, apesar de muitos serem fiéis das principais religiões mundiais, o espectro de revoltas populares não controladas será uma iminente realidade se, em contrário, e sendo mais gravoso, não forem sabiamente lideradas por chefes mafiosos, tribais ou religiosos ávidos de novos poderes e impérios efémeros.

Mas se já traçámos um devir de Trevas, será que haverá para o século XXI uma Esperança de Luz? É simples equilibrar o Bem-Mal, Luz-Trevas, Positivo-Negativo se activarmos nestas dualidades (e noutras) o «fio amarelo da electricidade», ou seja, o Neutro. O Ph só evita a nossa doença se o alcalino e o ácido nele estiverem em equilíbrio. Vida longa, amor e paz não são utopias, antes integram o Legado Imaterial de Profetas-Messias-Xamãs-Iluminados-Avatares e de Seres Celestiais que o trazem à Terra nas suas Mensagens.

A simplicidade dos Saberes é desvirtuada por dogmatizações e leis dos poderes, exacerbando ideais de Fé, Conquista e Fama.

Três Matrizes têm dominado a Humanidade: a indo-asiática e indo-europeia; a afro/nórdica e asiático/caucasiana; a das Tribos da Ásia Menor, emergindo  judaísmo, islamismo (de Abraão a Maomé) e cristianismo, ou seja, o que lavram o Antigo e o Novo Testamento.

A primeira, do hinduísmo, xíntoismo, budismo e odinismo, alastrou da Ásia (Deuses Ases) ao Mar do Norte, dando origem aos povos celtas da Austrásia, cuja escrita mais relevante é o sânscrito, o rúnico e a de ideogramas, bem presentes na China e no Japão.

A segunda, com as Divindades dos Impérios da Assíria, Pérsia, Egipto, Grécia e Roma, predominando o Culto da Grande-Mãe da Humanidade, e cuja escrita teve a maior evolução gráfica (excepto a hieroglífica), da cuneiforme de Hamurábi à latina, com as cambiantes aramaico, cirílico, grego, árabe e copta.

Uma quarta Matriz respeita ao continente Americano, com destaque para as «distantes» Civilizações dos Incas e dos Maias.

Após esta introdução de reavivar memórias e marcos, fácil nos é entender 20 séculos, da Roma Antiga à Idade Atómica, onde se religaram festividades, rituais, efemérides, celebrações e mitos, avocando cada religião (religação) os «sinais» destas mensagens, como forma de atrair mais fiéis ou fazer esquecer paganismos.

Porém, nem mesmo no «interior» dos Credos-de-Fé passou a existir unanimidades de dogmas criados e de posturas espirituais, agravando-se, na contaminação profana dos poderes, ávidos de novas territorialidades e recursos naturais, as clivagens doutrinárias e heresias, guerras santas e cruzadas, cismas e excomunhões, inquisições e censuras, ficando mais distante, ou propositadamente esquecido, a pureza das várias Fundações Divinas ou Divinizadas.

Chegamos ao século XXI com uma Humanidade doentia, na qual apenas 1% detem a maior riqueza e prosperidade, onde o material tem supremacia sobre o espiritual, proliferando as redes transnacionais de ilicitudes e escravaturas que financiam, motivam ou se apoiam nos extremismos religiosos, desconstruindo toda uma Ética Moral, Social, Familiar e Empresarial, herdada desde os novos Estados-Nação da Paz de Westfalia (1648), das doutrinas socio-económicas emergentes da Revolução Industrial (séc XVIII), da queda colonial Europeia e dos Impérios Ocidentais-Orientais, de Napoleão a Hirohito, de Hitler a Mao-Tsé Tung, cessando toda uma bipolaridade da cena internacional gerada pela «guerra-fria» EUA-URSS, com destaque ainda para os Paises «não-alinhados» e motivadores de uma nova cena internacional multipolar.

As 9 Civilizações de raiz cultural sínica (China, Coreia N, Vietnam), nipônica (Japão, Coreia do Sul), hindu (Índia, Nepal), budista (Mongólia, Tailândia, Camboja, Tibete), islâmica (Ásia Menor-África Norte), latino-americana (inco/maias, indo-africanas), ocidental (cristãs e protestantes) leste europeu(ortodoxas/URSS) e subsaariana (Sul do deserto do Sahara) são uma catalogação do «cientista» político, Samuel Hunting, que para contrariar a tese de Francis Fukuyama, ideológo de Ronald Reagan e mentor de Margaret Theatcher, no livro O Fim da História e o Último Homem, faz surgir a teoria do Choque das Civilizações, acrescentando-lhe mais tarde, em título de livro, e a Reconstrução da Ordem Mundial.                                                                             

Estas duas obras, meramente académicas, sem axiomas de Conhecimento, não se ajustam às mais elementares verdades de qualquer Gramática Histórica, aliás uma das maiores lacunas da instrução ocidental, apenas seguida no Brasil no início do séc. XIX (Dr. Eduardo Carlos Pereira) e em Portugal na Universidade de Coimbra (Dr. Ribeiro de Vasconcelos) e hoje varrida do ensino.

Fazer a «grelha» de todos os povos é antes de tudo perceber as quatro vertentes evolutivas da Humanidade: A vida das palavras; a vida da linguagem; a vida das religiões; a vida da investigação. Com a língua Pátria, a cultura dos povos impõe-se como elemento de coesão nacional, expressão viva de uma «comunidade» unida e cujo grau civilizacional tem nexo com as leis, ensino e ecumenismo.

Porém, tudo se subverte e altera quando uma «comunidade» tem uma ambição universalista e a ela se alia a religião. Enquanto os Impérios Antigos do Oriente, índico-irânicos, apenas dominavam a «Rota da Seda», o fugaz Império de Alexandre Magno, sonhado por Filipe II da Macedónia, veio germinar na Ásia Menor e no Mediterrâneo não só o sonho do Imperialismo Romano, como permitir ao islamismo ocupar a fragmentação dos Povos Bárbaros, conquistando o Sul da Europa e o Norte de África, seguindo-se-lhe o mesmo ideal cristão cristão de Reconquista, bipolar no auge do Tratado de Tordesilhas, mas hegemónico com um novo Filipe II, agora de Espanha, onde Carlos V é o novo Alexandre Magno.

O ideal de Cruzadas e evangelizações forçadas, com ou sem sangue e Inquisição, bem como o ideal de Guerras Santas ou Jihad, com ou sem lapidação, decapitação e submissão feminina perante um Patriarcado milenar civilizacional, só tem sido possível porque todo um clero vindo de «Abraão» se tornou, ao longo de séculos, da Idade Média ao extremismo islâmico actual, apenas religioso, sem qualquer espiritualidade, minando o poder político, gerando o terror nos povos para aceitações de submissão, esquecendo Virtudes.

Assiste-se hoje a um novo ritual de morte, sangrento e sádico, que na Antiguidade tinha significado mágico, emblemático no filho de Abraão, nobre no harakiri, de suicídio espiritual na imolação de monges budistas, ou, já aviltado e de guerra, nos kamikazes.

Em vez de um «choque de civilizações» contata-se, cada vez mais, que os ideais universalistas religiosos extremistas estão a surgir com maior violência que aquela que tipificava o ritual de sacrifício e dádiva, traduzido na palavra nórdica blòt, em inglês blood, em germânico blut, a palavra da linguagem odínica para que o seu Apocalipse, o Ragnarok, não tivesse lugar.

Os Apocalipses do cristianismo e do islamismo, advertidos ambos pelo toque celeste de Trombetas (no Islão o Arcanjo Rafael toma o nome de Israfil) são, na sua essência mais imaterial, não o Choque de Civilizações, mas o «choque» da Luz com as Trevas, uma Mensagem bem clara pelo nórdico Tolkien e o seu Senhor dos Anéis, com Torres Gémeas, onde não falta a banda desenhada de Thor e Connan, ou, mais tarde, a saga da Guerra das Estrelas.

A seguir à II Guerra Mundial o «ideal» dos EUA de “vigilante” do Mundo, com as sangrentas Guerras da Coreia e do Vietname, gerando-se na Europa a «guerra-fria» e o Muro de Berlim, com o «ideal» da URSS de “vigilante” da «Internacional», é o desencadear de um choque de gerações «desaguando» no Maio de 68 de Paris e no Agosto de 69 de Woodstock, nos EUA.

A espiritualidade «ocidental» nos anos 60 não foi despertada por três grandes erros: o medo do Papa Paulo VI em sanear a sua Cúria e purificar a Mensagem ancestral de Cristo durante o Concílio Vaticano II, deixando que os crimes financeiros, éticos e sexuais dos vendilhões do Templo aumentassem; o medo das ex-potências colonizadoras de perderem o controlo dos seus recursos naturais em África e na Ásia Menor, criando conflitos, intrigas e golpes de Estado, deixando que a ideologia do Islão e da «revolução cultural» da China alastrassem, do Irão dos Ayatollahs xiitas, até à instrução armada e doutrinária maoísta das futuras independências mundiais, afectas aos países «não alinhados»; o medo dos Estados Árabes, pela proximidade da URSS, da «contaminação» das ideologias comunistas, prefindo neutralidades e aproximações ao «Ocidente», estratégia «feliz» do Islão graças aos erros dos EUA, na avidez do «ouro negro»e da sua venda exclusiva em dólares e em depor, já no século XXI, sunitas para ascenderem xiitas nos vazios do poder.

O maior marco político do séc. XX foi a queda do Xá da Pérsia «fabricado» pelo Ocidente e a ascensão do Ayatollah Khomeini no Irão, tornando-se mais relevante o clero (ulemás) que no tempo do primeiro Xá da Pérsia, o xiita Ismael I (1487-1524), provocando ainda o declínio do republicanismo laico na Turquia, a acentuação do gravitar da Síria perante a Federação Russa e o nascimento do Estado Islâmico a 29JUN2014, paradoxalmente (ou talvez não) Dia dos Apóstolos São Pedro e São Paulo.

O embuste académico dos mentores americanos do «Choque de Civilizações», talvez para ocultar a realidade do «choque do poder financeiro», propositadamente mais desregulado desde 1981 a nível mundial e dos seus off-shores e deslocalizações fiscais. A parceria Reagan-Thatcher esteve mais preocupada na criação, em 1979, do Commonwealth Trade Union Group (oficial 1MAR1980), que no evitar da invasão do Afeganistão pela URSS de Brezhev, na noite de Natal deste ano, acendendo-se um «rastilho islâmico», com estranha passividade dos EUA, até hoje sem fim. Foi preciso «criar» a Guerra das Malvinas (1982) para a PM de Inglaterra ser reeleita.

A invasão da URSS no Afeganistão (Vietname Russo) faz a união estratégica de 34 países islâmicos, com revolta doutriária de Jihad, e a invasão dos EUA no Irak, e depois com a França/ONU na Líbia, fazendo a união estratégica xiita, traduz o fracasso político da ONU e dos principais líderes mundiais, a mediocridade dos seus conselheiros e serviços secretos e o fracasso da diplomacia.

Não bastava o corrupto cenário mundial multipolar de uma Humanidade sem espiritualidade e esperança, e eis que acrescem, mais recentemente, aos actores da cena internacional, psicopatas e simpatizantes individuais de várias formas de extremismos, religioso social e induzido pelas redes electrónicas, enxameando o Mundo de atrocidades sanguinárias nos lugares públicos, transportes, escolas, empresas, museus, etc, desde o piloto louco que lança o seu avião de passageiros contra a montanha, até ao demente que massacra crianças e adultos a tiro numa escola, num concerto ou numa rua.

Os kamikazes de guerra são hoje kamikazes de psicotrópicos, kamikazes de explosivos, por imposição ou sedução, e kamikazes para libertação de drogas e crimes, epidemia de ideais religiosos sangrentos, frustrações pessoais, orfandades, desconstruções socio-familiares e leis onde não gravita o bem-estar do ser humano.

As Idades Média, Moderna e Contemporânea resultam das quedas do Império Romano a Ocidente, a Oriente e o de Napoleão. Nunca se quis iniciar a Idade Atómica após a queda dos Impérios de Hitler e Hirohito em 1945, mas mais cedo, ou mais tarde, neste séc.XXI, diremos que a Idade Atómica cessou após a III Guerra Mundial, pois o cenário é de inércia perante o choque universalista dos extremismos políticos e religiosos mundiais, onde não figura uma plenitude de estadiastas e clérigos de excelência.

A principal espiritualidade humana reside na Ética e na Moral, na Deontologia política, económica, financeira e profissional, mas, sobretudo, no preceito das Virtudes Cardeais (Sapiência, Justiça, Fortaleza,Temperança) vindas já de Platão às quais as religiões acresceram as suas Teologais de Fé, Esperança e Caridade.


João Santos Fernandes (Portugal). Coronel do Exército de Portugal, aposentado, casado e natural de Lisboa. Autor dos livros Portugal Iluminado (1997), Despertar do Ser (1999), ambos da extinta Editora Hugin, Cicutem Sócrates/disse a grande prostituta republicana (2009), Aníbal/ maldição do Deus de Israel (2010) e Os Cardeais de Camarate publicados pela Fronteira do Caos Editores. Desde os 25 anos teve uma carreira diversificada a nível do intelligence militar, começando por ser nomeado para a Comissão de Extinção da Ex-PIDE/DGS e LP, passando por órgãos de informações de Estados-Maiores e Quartéis-Generais, reuniões e missões a nível da NATO em Bruxelas e ex-Jugoslávia. Publicamente destacou-se a sua investigação no assassinato do General Humberto Delgado, a participação num dos inquéritos da Assembleia da República sobre o Caso Camarate, bem como nos contributos à Universidade Aberta em Congressos sobre África, com relevo para os temas A PIDE/DGS e a Guerra Colonial e Os Massacres de Williamo, integrados nos Livros de Actas dos Congressos publicados em 2001 e 2002 pela Editorial Notícias. É membro de Comunidades, Sociedades e Ordens Iniciáticas de raiz cristã, nacionais e estrangeiras, tendo sido expulso de duas, a GLRP e GPIL, não pactuando com violações dos seus padrões de moral e ética em prol do seu forte ideal ecuménico e desenvolvimento do ser humano, bem expresso por Embaixadas, Órgãos de Soberania e Comunidades religiosas. Confrade da Academia Lusitana de Heráldica propôs um Brasão-de-Armas para a União Europeia, infelizmente rejeitado, acarretando, na sua visão, nefastas consequências.


Revista Triplov  .  Série Gótica .  Inverno 2017