NÚMERO 04
Março de
2010
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ANTÓNIO MIRANDA
A poesia da forma:
o cinquentenário de Brasília e a
proposta da II Bienal Internacional
de Poesia
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acompanhando max bense em sua visita
a brasília, 1961
Enquanto com Max Bense eu ia
como que sua filosofia
mineral, toda esquadrias
do metal-luz dos meios-dias,
arquitetura se fazia:
mas um edifício sem entropia,
literalmente, se construía,
um edifício filosofia.
Enquanto Max Bense a visita
e a vai dizendo, Brasília,
eu também de visita ia:
ao edifício do que ele dizia;
edifício que, todavia,
de duas formas existia:
na de edifício em que se habita
e de edifício que nos habita.
João Cabral de Melo Neto (Museu
de Tudo, 1975) |
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A
celebração do cinquentenário de
Brasília e a montagem da II Bienal
Internacional de Poesia – a II BIP,
trazem à nossa consideração uma
valiosa plêiade (no seu sentido
estelar de “coisas maravilhosas e
pessoas ilustres”) que estão na
origem da cidade e, muitas delas,
quase todas!!!, circunstanciadas com
o conceito da criação e da poesia.
Afinal, poesia vem de poiesis
e tem tudo a ver com a idealização
da Nova Capital do Brasil, no
sentido da concretização de uma
idéia como forma de expressão
civilizatória incomum. Como percebeu
o genial Max Bense,
o urbanismo da nova capital permite
uma consciência poética inteiramente
distinta, uma consciência que também
abre espaço à poesia artificial da
pureza estrutural e à concreta
materialidade da palavra,
em seu livro emblematicamente
intitulado Inteligência
brasileira.
Brasília tem a ver com um projeto
novo de país, com a projeção de
um novo conceito de criação coletiva,
com novas formas de habitabilidade e
socialização. Não é à toa que o
filósofo da arte alemão Max Bense,
que a visitou em seus primórdios,
entendeu o sentido teleológico, de
futurismo e de projeção social da
cidade.
Daí que em Brasília interessam menos
as edificações isoladas do que o seu
conjunto, prevalecendo a relação
topológica e estética que elas
estabelecem entre si” (…), “pois
Brasília não é um aglomerado humano,
é um projeto de urbanização que
orienta um novo sentido de vida e de
viver: também aqui pode-se observar
a mecânica do mundo técnico
liberar-se do modo crescente das
articulações casuais da existência e
das partes do corpo e tornar-se
abstrata. E neste tipo de
monumentalidade a arquitetura,
enquanto plano e espírito, retoma o
que perdeu em sentimento e
sensibilidade.
Palavras proféticas, ao mesmo tempo
em que resumem a proposta de Lucio
Costa e sua equipe na concepção
arquitetônica e vivencial de
Brasília. Então, “podemos falar de
concreção, de realização concreta,
de uma capacidade concreta de
expressão, de representação, arte,
arquitetura”. Ou seja, “o urbanismo
da nova capital permite uma
consciência poética inteiramente
distinta, uma consciência que também
abre espaço à poesia artificial da
pureza estrutural e à concreta
materialidade da palavra.” Ou seja,
Brasília é o exemplo vivo de uma
nova forma de criar e conceber o
Brasil, que vinha sendo gestada em
nossa miscigenação e em nossa
urgência de criar uma nova
civilização, como bem perceberam
visionários (vistos como utopistas)
como Stefan Zweig e Max Bense, entre
tantos.
Na celebração dos 50 anos queremos
homenagear o poeta Ferreira Gullar,
um dos pioneiros na pregação do
ideário da integração das artes. Ele
foi nosso primeiro diretor de
cultura da cidade e promoveu, nos
esqueletos da construção do Teatro
Nacional, um encontro de
intelectuais de que participaram o
já citado brazilianista Max
Bense e o nosso teórico máximo das
artes que foi Mário Pedrosa, no ano
de 1961, quando ainda Brasília
firmava sua identidade. Ferreira
Gullar será o principal homenageado
da II Bienal Internacional de Poesia
de Brasília, quando fará a palestra
inaugural para rememorar aquele
evento fundante de nossa poiesis
cidadã, no dia 3 de setembro do
presente ano de 2010.
Mas cabe ainda ressaltar, na gênese
desse pensamento construtivista, a
teoria da integração das artes.
Brasília é a primeira expressão
urbana deste conceito proposto nos
primórdios do Bauhaus, como agenda
criadora de um novo design de
cidade e de vida. (E não é nada mais
oportuno que a exposição do Bauhaus
que vai acontecer no Museu Nacional
de Brasília em setembro de 2010,
concomitante com a II BIP). O
modernismo na arquitetura, que tem
raízes meridionais e expressões como
Le Corbusier, está na origem de
nossa concepção estética de
arquitetura moderna desde a
construção do antigo Ministério da
Educação e Cultura, hoje Palácio
Capanema, no Rio de Janeiro,
associado com os gênios de Lucio
Costa, Oscar Niemeyer, Burle Marx e
Cândido Portinari, entre outros.
Integrar arquitetura, paisagismo,
urbanismo com a escultura, a
pintura, a cenografia, a música e a
poesia numa criação coletiva e
transformadora. Acreditando que só
existe criação no coletivo, que o
individualismo é apenas um recorte
de uma criação coletiva… Ainda que
se reconheça que os grandes
criadores rompem paradigmas e
apontam para novos caminhos.
E foi nos canteiros de obra de
Brasília que aqueles sonhadores do
concreto projetaram a materialização
de uma nova poesia.
A exposição de poesia visual
intitulada “OBRANOME III”, no âmbito
da pluralidade da II BIP, com
projeto e a curadoria de Wagner
Barja que hoje orienta o programa
museal e as mostras de nosso Museu
Nacional do Conjunto Cultural da
República e da galeria CAL / DEx -
UnB, vai revelar pela 3ª vez em
Brasília um conjunto de obras de
poetas “verbivocovisuais”, ou seja,
aqueles que integram na poética
visual a imagem da palavra, com o
som, em tecnologias analógicas e
digitais do vídeo, da animação
computacional eletroeletrônica, que
face às novas tecnologias
impulsionam a poesia do século XXI.
Poetas visuais brasileiros e
estrangeiros, com obras voltadas
para o tema central da BIP exibirão
em OBRANOME III peças originais,
especialmente criadas ou integradas
pela curadoria no contexto da
convergência das linguagens
artísticas. Conforme o proposto pela
BIP estas obras serão exibidas no
Museu Nacional em conluio com a
própria arquitetura desse
maravilhoso espaço em formas planas,
tridimensionais, bidimensionais e
unidimensionais, em videopoemas,
performances instalações, projeções
ou simplesmente em releituras de
textos. Nesta 3ª edição, a mostra
OBRANOMEIII pretende plasmar de
forma mais evidente, que nas edições
anteriores, o fenômeno da
multidimensionalidade espacial, os
seus ambientes imersivos e
interativos, para transmitir ao
público o estado da arte concebida
numa nova poética processual que se
afirma e se diferencia numa
verdadeira profusão de linguagens
artísticas, como quer o conceito
transversal da II BIP. |
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PROPOSTAS DESPROPOSITADAS… |
Não pode nenhum poeta — nem ninguém
— ter a pretensão de estabelecer
rumos e regras para a poesia. Não
resta dúvida de que a poesia, como
qualquer outro fenômeno social, está
sujeita a determinações do espaço e
do tempo históricos mas o modo como
essas determinações atuam sobre a
produção do poema é absolutamente
impossível de prever-se.
Ferreira Gullar |
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Não temos receita para turbinar e
reciclar a poesia, mas temos os
fermentos e podemos criar as
situações. Assim entendemos a Bienal
Internacional de Brasília, como a
busca do estado da arte, que
compreende o que se propôs nos anos
50, como forma vislumbrada mas
desaparelhada: era uma antecipação.
Só agora é que podemos atingir
aquele utopismo, por caminhos
radicalmente inovadores, mas - como
queria Edgar Morin em sua teoria da
complexidade - com a poeira da
estrada, ou seja, com a constância
de nossos ideários e raízes,
interligados.
Não há saudosismo, muito menos
reaquecimento na proposta da
discussão da integração das artes.
Brasília foi enjaulada durante duas
décadas de ditadura. Houve uma
suspensão daquela inteligência que
só persistiu na clandestinidade. A
verbivocovisualidade estava
na poesia e na arquitetura. A
integração das artes se dava ainda
mais por somatórios do que por
amálgama… No tripé que citamos
do Max Bense reclamando a parte
tecnológica, agora é que amadureceu
e aponta para desdobramentos
imprevisíveis em termos de criação
solidária, coletiva. O conceito de
Obranome, que tem a ver com o
poema-não-objeto do Gullar, com o
conceito de obra múltipla do Bense,
com a teoria do não-objeto dos
neoconcretistas, está ainda
amadurecendo…
Melhor é fazer e mostrar do que
ficar fazendo proselitismo,
redigindo manifestos, criando
ortodoxias e ditando formulários
para a criação alheia.
Mas a II BIP pretende também fazer
um balanço da poesia que se oferece
no mundo, com a participação de
poetas convidados de muitos países,
de todo o Brasil e da nossa cidade.
Uma poesia que escapou dos “ismos”,
das ortodoxias e dos manifestos
vanguardistas para assumir uma
pluralidade de formas e expressões
que acontece agora não apenas nos
livros e revistas, nos bares e
teatros, mas também nos blogs e
revistas eletrônicas, nos CDS e DVDs
combinada com música e teatro, em
espaços públicos e por toda e
qualquer forma de criação. Mesmo as
tradicionais e consagradas como o
soneto, o cordel, a MPB ou a da
crítica social e política, a que
revela as questões das minorias e
dos despossuídos.
A II BIP começa com o 2º Simpósio de
Crítica de Poesia, coordenado por
Sylvia Cyntrão, da Universidade de
Brasília, onde o tema entra em
questão pela visão dos especialistas
convidados.
Mas a II BIP vai acontecer em toda a
cidade, irradiando-se dos espaços da
Biblioteca Nacional e do Museu
Nacional, passando pelo Teatro
Nacional, bibliotecas públicas das
cidades satélites, pelos centros
culturais do SESC, faculdades e
terminando em bares e cafés de
Brasília, além da já consagrada
Barca da Cultura que vai percorrer o
Lago Paranoá com poetas, músicos e
público interessado.
Poesia é, no sentido atual, a
criação de uma nova realidade e não
mais a descrição de realidades
visíveis… O conceito de poesia
visual é, pois, arquitetônico, de
design, de constituição de uma
realidade autônoma, exógena, que é
projetada para fora, que é
reinterpretativa, recriada pelo
leitor ou espectador. No fundo,
sempre foi assim, mas não
admitíamos. “A tarefa não é tanto
ver o que ninguém tinha visto, mas
pensar o que ninguém pensou a
respeito do que todo mundo vê”, como
disse Schopenhauer, ou seja, que a
literatura desvenda o não visto e
que só é visível pelos meios que
concretizam uma idéia, um
sentimento, uma visão de mundo.
Todos vemos Brasília, mas algumas
pessoas desvendam significações que
escapam à nossa percepção descuidada
ou despreparada. A arte nos aproxima
de um entendimento do mundo que
reconhecemos sem termos visto
antes. Um paradoxo que só a poesia
pode revelar-nos.
A II BIP quer revelar, no ano do
cinqüentenário de Brasília, o que
ela tem de original, de própria e de
construtiva: a do design como “uma
modalidade de mediação da
configuração do mundo”, a
constatação de que a cidade se
construiu na utopia de uma
integração das artes, “mediante a
construtividade técnica, a concepção
artística e a produção industrial”,
ingrediente de um “novo conceito de
civilização”, como ressalta Max
Bense. Ele que, no início da cidade,
a partir da arquitetura, da arte e
da poesia, anteviu um Brasil de
criatividade renovada, sem ufanismos
e chauvinismos. “Esta cidade
inteiramente artificial — está claro
o que pretendo dizer com isso — é a
primeira expressão visível de um
cartesianismo na forma do design.
Expressão de um design total análogo
à idéia de uma obra de arte total,
um enorme reservatório, tanto da
inteligência técnica quanto da
artística, e representação não
casual, mas necessária dessas forças
sintéticas num espaço prospectivo de
civilização.”, ainda na
interpretação de Bense, que está na
proposta do temário da II BIP.
Palavras que necessitamos ouvir no
momento de reflexão sobre o
significado da Capital Federal, como
poiesis, quando estamos à beira de
um pessimismo que nos turva a visão
de futuro, para reencontrarmos, ou
melhor, reorientarmos os nossos
caminhos. E para não dizer que não
falamos de flores…, devemos
relembrar que o momento da criação
de Brasília, na precariedade da
infraestrutura do país nos anos 50
do século passado, quando fomos
capazes de espantar o mundo com a
construção de nossa Capital Federal
como marco decisivo da arquitetura
moderna; levamos aos cinemas de toda
parte a inventividade do “Cinema
Novo” apenas “com uma câmera na mão
e uma ideia na cabeça”; projetamos a
Bossa Nova de forma definitiva em
todo o planeta a partir de barzinhos
e redutos universitários da Zona Sul
do Rio de Janeiro; e conquistamos,
pela primeira vez, a Copa do Mundo
de Futebol em 1958, e devemos marcar
nosso vanguardismo com a irradiação
do conceito de poesia concreta que
hoje é tema de teses e pesquisas em
muitos países, além de outras
conquistas que, havendo espaço e
tempo, poderiam ser rememoradas.
Nesse afã, a II Bienal Internacional
de Poesia de Brasília pretende
cunhar mais um título para a cidade,
a de Capital Brasileira da Poesia.
Por que não? Haveremos de. |
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NOTA |
A II BIP nos 50 anos de Brasília.
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A singularidade de Brasília refletir
a imagem culturalmente plural do
País foi uma das motivações do
empreendimento da I Bienal
Internacional de Poesia de Brasília
(I BIP) pela Biblioteca Nacional de
Brasília, em 2008, evento que se
destacou como um dos maiores
encontros do gênero no cenário
nacional, recebendo extraordinária
participação e apoio de poetas,
críticos e artistas brasileiros e
estrangeiros.
Patrimônio Cultural da Humanidade,
ao
completar 50 anos em 2010, a cidade
se reafirma
como vórtice cultural e se prepara,
e à sua população, para trazer de
volta à cena a segunda edição dessa
festa internacional da poesia,
agendada para o período de 3 a 7 de
setembro.
A
Biblioteca Nacional de Brasília, em
atividade regular desde dezembro de
2008, produzirá o mega-evento, com
apoio de órgãos do governo distrital
e federal e do empresariado sensível
às coisas da arte e da cultura. Quem
viver verá! |
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