Revista TriploV DE Artes, Religiões e Ciências

Direção|Maria Estela Guedes & Floriano Martins

PÁGINA INDEX Número 03|Janeiro de 2010

 

NÚMERO 03

JANEIRO 2010

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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JULES MOROT

 

A Terça-feira gorda

A O.HENRY

Fizera-se-lhe luz no espírito

e ele deu a palmada    uma maquia de centenas

 

O seu botão de colete p’ra nada mais lhe servia

na sua cela ele olhou-o atentamente

deu-se a esse trabalho

erguendo-o entre dois dedos  o indicador e o gordo polegar

 

Cosera-lho nos velhos tempos a mulher

numa tarde feliz de bourbon e de beijocas benditas

 

Ele desconfia    desconfia e todavia

muito ficara por resolver

talvez uns diamantes uns relógios umas correntes de ouro

mas nada lhe interessava já     tivera necessidade

de madrigais e de algumas moedas sonantes

E tudo foi simplesmente desta bonita maneira

 

De muito mais coisas necessitamos nós

os seus velhos companheiros de passeatas por vilas barulhentas

de muito mais necessitamos nós

seguramente apenas pelos tempos sem data marcada

 

Amor amizade flagrantes delitos de mocidade

de muito mais necessitamos nós

 

e o mundo chega e apenas traz cotão sórdido nos bolsos.

Tradução de Alex Centeno

O URSO GANIMEDES

Ele levanta-se

coitado dele

e nós sentimos aquele arrepio inquietante

da sexta-feira ligeiramente escura

Cristãos comunistas desportistas consumidores de alcachofras

e mesmo outros de crânio em silhueta contra a luz da lua

no meio do frio glacial do continente antártico

se bem me entendo  financistas agentes de câmbio

comerciantes  ruidosos alunos de artes polícias

personagens que fazem navegar os barquinhos nos tanques dos seus

jardins da infância

Velhos capões

Notamos dizia eu  ou melhor    notam vocês os que

ainda por aí têm sonhos

a sua poderosa silhueta de comedor de bagas de zimbro

de fruta da época se a conseguia apanhar   

de uma perna descarnada de montanhês

nos tempos da grande solidão feliz

 

O urso que outrora ia de Somner Valley a Livington pelo meio

das gramíneas das faias das nogueiras até às primeiras encostas

da grande montanha verde e negra

                                  ***

O meu urso

suave como um lilás

como um carvalho das Ardenas

sem saber ler sem saber escrever

O de muito perto da terceira subida nas Rochosas

ou mesmo da quinta ou da sétima

lá onde havia entre os abetos seculares um pequeno

lago sonolento

e se dizia que por ali emigrantes antigos tinham rebentado

no inverno coloquial de Wyoming evocado em Toulouse

 

Aquela senhora conferencista de boa perna dava-me volta ao miolo

Até me fazia sentir câmbrias

 

de Santa Fé a Colorado Springs

o meu urso  meu é claro ainda que de mil transeuntes contentinhos

Aquele que virando a cabeça   erecto   nos faz recordar o Quaternário

na sua imensa estrutura de velha fera indolente.

 

O Ganimedes

calmo empregado entre funcionários engravatados

pensa que pelas ruas faria dar gritinhos às raparigotas sem cuecas

a moda mais na moda de agora   imaginem vocês

a sua companheira ursa perdida com a barriga ao léu

                                    

                                          ***

 

Ganimedes

No Zoo parisiense ele é um senhor cheio de categoria

mau-grado o seu silêncio habitual

chegam a atirar-lhe maçãs   muitos lhe lançam

amendoins ou nozes de Agosto

e avelãs e até um maço de cigarros amarfanhado

 

O meu urso

Primo do meu primo Ribonard e dum grandalhão

mais tosco que a rocha Tarpeia

taberneiro merceeiro em La Jolle  onde eu ia com o tio Lenôtre

comprar botas de caçador de perdizes

de cigarrinho mais que malcheiroso sempre ao canto da bocarra

sempre ensopado em branco e aguardente barata.

Ganimedes

 

sob o luar e os planetas libertos aguarda o momento de estoirar.

  Tradução de Alex Centeno

ANDANÇAS 

  As minhas viagens são feitas de acasos e de sombras. Ou de sombras e de acasos, pois a soma e a sequência dos factores por vezes é arbitrária. Ou não será assim?

  Não importa de momento, agora o que é preciso evocar são as grandes presenças das florestas passando por mim, por sobre mim, por sobre a minha cabeça, os meus pés, as minhas mãos e os meus ombros. A roupa que me veste e que de tempos a tempos me desnuda, o mar que sempre recordo, naquela tarde ensolarada, naquele fim de tarde quando uma estrela já luzia no céu, o banco de jardim onde me sentei um dia numa pequena terra de Espanha, os grandes lumes acesos na serra, as fogueiras que me deslumbravam, me deixavam surpreso, pois ainda não conhecia o fogo e a sua incontável arquitectura plena de terrores e de encantamentos, a voz do vento lá por fora, pelos caminhos da montanha, solitários como flores num bosque que não se sabe bem em que lugar fica. 

 As minhas viagens são feitas de amargura pois não mais voltarão. São como um rochedo num bosque silente na manhã, um bosque onde animais nasceram e animais morreram, a doçura de um raio de sol ou de luar sobre o dorso de um lobo ou de uma inconcreta aparição. 

  Tenho a tua mão e não tenho a tua mão. Imagens rodeiam-me e são coisas que existem, o pão e a água trazida dos lugares mais remotos e que nos habitam. A minha água interior, a tua água que ressuma, que bebi no teu coração, os teus olhos que já não reconheço, o fulgor do passado. As casas que correm ao meu redor, o rufar repentino de um combóio perdido e aquela voz de mulher dizendo para a outra, a mais nova, a mais vistosa: “Ali era o nosso quarto, lembras-te? Tantas vezes que nos pusémos ali à janela, ainda o Pai era vivo!”. A memória que se esconde para sempre num recantozinho do cérebro, como um retrato humilde ao canto de uma mesa numa sala muito antiga. 

  As minhas viagens são feitas de tudo o que nos ampara e desampara nas grandes caminhadas, ao longo dum rio ou dum deserto.  

  As minhas viagens são como livros amados e iguais aos crimes de outro alguém que existe e não existe, um alguém que mora dentro de mim e do peito que ainda conservo mergulhado neste tempo, no outro tempo, em todos os tempos do universo.

Jules Morot, “A Terça-feira gorda”
Tradução de Nicolau Saião

 Jules Auguste de Minvelle Morot (1973, Alc-le-Courtnay, França)
 Poemas dispersos em jornais e revistas, nomeadamente interactivas, agrupados sob o título “Le mardi-gras”, alguns dos quais saídos em Portugal na “DiVersos – revista de poesia e tradução”, na página interactiva paulista Cronópios e no TriploV.
 Em prosa deu a lume “La chambre engloutie”, relatos e reflexões novelizadas de que extractos sairam na revista “AGULHA”.
Licenciado em biologia marinha, exerceu o professorado. Depois da morte de seu pai tomou conta do ramo (criação de vinhos) em que sua família fez tradição.

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