Revista TriploV DE Artes, Religiões e Ciências

Direção|Maria Estela Guedes & Floriano Martins

PÁGINA INDEX Número 03|Janeiro de 2010

NÚMERO 03

JANEIRO 2010

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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RELIGIÃO, CIÊNCIA, RITUALIDADES

 

JOSÉ AUGUSTO MOURÃO

Acreditar em Deus quer dizer compreender a questão do sentido da vida. Acreditar em Deus quer dizer ver que os factos do mundo não resolvem tudo. (Wittgenstein, Carnets). 

Let’s deconstruct science and make it a narrative among narrative
inside a flow of narratives
. (B. Latour, Spheres and Networks).

Depuis trois cents ans, la science a plaidé le contraire
pour retomber aujourd’hui sur cette découverte très scientifiquement au moment
où on s’y attend le moins. Autrement dit,
la pensée apocalyptique n’est plus folle, elle est en train d’entrer dans la vie quotidienne
Michel Serres
.

Não há cultura (que Husserl resume na fórmula “mundo do homem”) que não tenha elaborado e desenvolvido tradições de sabedoria em que se exprimem e transmitem visões do mundo, acompanhada da percepção do lugar que o homem ocupa na sociedade e no cosmo. O mundo é objectivo, objectal, problemático (segundo a raiz de ob-jectum). A própria cultura se pode definir como a soma total dos objectos usuais. Estas sabedorias são como que o “capital cultural” da humanidade. A criação de um Studium generale por toda a Europa, de Lovaina a Oxford, Lisboa e Cracóvia, entre os séculos XIII e XVI, tinha como propósito a investigação que tinha como objectivo interpretar e assumir o mundo de forma racional. O studium ocupa, de facto, na Idade Média, o lugar do terceiro poder, ao lado do sacerdotium e do regnum. Foi esse o tempo dos humanistae. Foi claramente o tempo da subordinação do studium ao sacerdotium e ao regnum, com implicações ainda visíveis até ao século XVII no caso Galileu.

Vimos da guerra dos paradigmas, da luta pela hegemonia nas ciências; vimos do divórcio, primeiro, e depois da coabitação, do concordismo entre as ciências da natureza e as ciências do espírito (Dilthey). A dissolução do laço entre o homem e o universo é efeito da ciência moderna, copernicana, kepleriana, galileana, isto é, da descentragem do homem no meio do universo, da crítica da finalidade e de um conceito de lei que alinha os homens ao lado dos outros fenómenos. Há quatro séculos que esta crise dura. O exemplo do darwinismo é eloquente. A visão científica do mundo tornou caduco o princípio da analogia que Paracelso levara ao extremo: as plantas medicinais levavam uma assinatura que identifica e autentificava as suas virtudes. A situação no que concerne a relação entre discurso científico e discurso religioso hoje é ainda muito contrastante: ou de ignorância mútua, ou de indiferença. Somos herdeiros de um conflito que se prolonga desde a Idade Média tardia e que no século XVII se tornará cada vez mais manifesto, codificadas que estão então as regras do espírito científico nas obras de Bacon, Galileu, Descartes, Locke e Gassendi. A Alemanha é abalada, no fim do século XVII, por uma reviravolta do saber. O sistema religioso de saber e de verdade em que o papel dos sábios se limitava a lutar contra as falsas doutrinas é progressivamente abandonado e substituído por uma nova organização que visava o desenvolvimento do saber. Esta passagem é em grande parte o resultado de uma querela: trata-se da controvérsia pietista no interior da igreja luterana. O pietismo tinha como finalidade introduzir a crença na vida quotidiana, e por prática reunir em conventículos e de ler a Bíblia em conjunto. As origens da querela estão nestas novas práticas de piedade, que eram as reuniões privadas, e na reacção da parte conservadora do clero, muito reticente perante aquilo que consideravam como uma ameaça para a autoridade da Igreja estabelecida. Era todo o sistema de gestão da verdade e do saber instaurado pela Igreja evangélica que estava em causa. Aqueles que aspiravam a exigir uma utilidade social da ciência para lá da sua simples sujeição à Igreja tiveram aí uma ocasião excepcional para se fazerem ouvir. O conflito interno à Igreja e as forças exteriores de reforma acabam por se reforçar, levando à afirmação de um novo sistema científico que autorizava a existência de um espaço público já em plena expansão. Por aqui se vê como o nascimento da ciência moderna desestabilizou o equilíbrio multissecular do pensamento ocidental. Em causa esteve sempre a questão do fundamento, argumento para fundamentalistas e reducionistas de todos os bordos. Não é o conceito de razão absoluta e incondicionada como fundamento o preconceito essencial da modernidade? A ciência aparece hoje como a antítese da magia – acção à distância, como tecnologia não controlada geometricamente. A ciência impôs-se aos homens porque, por razões morais, religiosas, se deixou de perseguir as bruxas. Mesmo se a ciência experimental, que tem em R. Bacon um dos seus maiores epígonos, tem uma dívida para com as ciências a que chama ocultas. Para Newton, que praticou a alquimia muito tempo, a gravitação era um fenómeno oculto (inexplicado). Mesmo se “A Física é uma magia controlada pela geometria”, como escreve R. Thom. Ao fim e ao cabo, a relação entre magia e ciência é uma relação entre dois modos de controlo do imaginário; no caso da magia, o imaginário das pregnâncias é controlado pela vontade dos homens (ou de alguns, os mágicos, peritos em práticas eficazes); no caso da ciência, o controlo é definido pela generatividade interna à linguagem formal que descreve as situações exteriores e sobre que o homem não tem domínio (1). Este divórcio tem como origem a Naturphilosophie, que apareceu no século XIX. O estudo da física sagrada e da teosofia revela uma face da modernidade marginalizada por filósofos como Kant e Hegel (2). O princípio moderno da autonomização das ciências relativamente a uma qualquer tutela ideológica vai de encontro à exigência de libertar as ciências humanas de qualquer juízo normativo, mas acaba por desaguar numa concepção cientista das ciências, afinal, uma nova figura da submissão à ideologia. A ciência tornou-se um moralismo dogmático. No mundo católico foi a crise modernista que, no fim do século XIX e no começo do século XX revelou, de maneira drástica o conflito entre as pretensões da teologia natural e os progressos vitoriosos do cientismo (o cientismo é uma ideologia que afirma que o valor cognitivo se define pela aplicação correcta de métodos científicos). Os modernistas (Alfred Loisy, Edouard le Roy) tinham em comum uma abordagem fenomenalista da ciência e uma interpretação simbólica da fé religiosa. A ciência, diziam, não nos dá a verdade, no sentido em que de ordinário a entendemos; ela é a esquematização de dados empíricos sob forma de construções teóricas cujo valor é mais operatório e antecipador do que cognitivo, se este último termo evoca a descrição do mundo tal como ele é “realmente”. A verdade religiosa não se deixa encerrar em formas intelectuais: as suas intuições de base encarnam em símbolos sujeitos a mudança, não nos dando nenhuma versão definitiva, sem se subtrair a contingências históricas dos meios de expressão. A única via de acesso à verdade religiosa é a de a experiência pessoas, impossível de se manifestar de modo satisfatório no quando do discurso intersubjectivo. O divórcio entre Revelação e ciência está consumado: a ciência não tem qualquer meio de pronunciar juízos sobre o divino. A ciência e a religião diferem em todos os pontos: nos objectos, o modo como adquirem os seus saberes, a significação das verdades a que pretendem. Não se trata de propor a reconciliação das Luzes e do Romantismo (à maneira de Schleiermacher). Não se trata de dissolver o cristianismo na religião em geral, perdendo-se o sentido da transcendência e fazendo da afirmação de deus o simples correlato do sentido de dependência absoluta do sujeito humano. A teologia de K. Barth aparece como uma vigorosa crítica da modernidade (do optimismo Leibniziano ou Rousseauista) que tendia para a humanização da religião. O exemplo de Gramsci é ilustrativo de uma outra atitude: a história da cultura e da sociedade italiana, desde o Renascimento, aparece como uma emancipação em relação à Igreja, uma afirmação da mundanidade contra a transcendência, projecto que hoje G. Agamben reclama: “a profanação implica (...) uma neutralização daquilo que profana. Uma vez profanado, aquilo que era indisponível e separado perde a sua aura e vem restituído ao uso" (3). A profanação, tanto quanto a secularização, é uma operação política mas enquanto esta se relaciona com o exercício do poder, que legitima, "reportando-o a um modelo sacro", a profanação, no entanto, "desactiva os dispositivos do poder e restitui ao uso comum os espaços que isso tinha confiscado". É tão estúpido pensar que tudo tem de ser é objectivo ou subjectivo, naturalista ou relativista. Queremos os factos, a veracidade dos factos, porém os factos foram construídos. Deste modo se pode ver como o conceito de objectividade vem redefinido à luz de problemas que se levantam. O rigor não está tanto nos resultados como pode estar no processo para chegar a esses resultados. Não sendo assim, a objectividade torna-se fetichista. Há uma visão fetichista no jornalismo como nas ciências. Entramos numa época que assinala a crise da razão central. A ideia centralizada da razão, da possibilidade de reconduzir tudo a uma unidade fundamental perdeu-se pelo caminho. A uma razão central sucedem razões locais, jogos de linguagem múltiplos. O pensamento frágil acontece em torno do programa que pôs em questão o sentido da transformação da razão.

 Da Ciência

 O começo do século XVII traz em germe uma reviravolta do conhecimento, quando Galileu contestou a realidade das qualidades sensíveis do universo, pondo-lhe objectos materiais extensos, dotados de figuras. A natureza torna-se uma máquina gigantesca: “A filosofia está escrita nesse imenso livro, continuamente aberto aos nossos olhos (quero dizer o livro do universo), mas nada podemos compreender dela se não aprendemos primeiro a sua língua e os seus caracteres. Este livro está escrito em língua matemática e os seus caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas, sem as quais é impossível de compreender humanamente uma palavra sua; fora destas encontramo-nos em vão num labirinto obscuro” (Saggiatore VI, 32). Depois de Galileu, a hierarquia das ciências e dos saberes na universidade ruiu. Nem a teologia nem a filosofia (aristotélica) podem ser a “rainha das ciências”. A tecnociência, como bem o viu Dominique Janicaud, é praticamente contemporânea (4) do nascimento da ciência moderna. Com Descartes e a formulação matemática deste conhecimento geométrico funda-se a ciência moderna, a abordagem físico-matemática do universo. Deus é Infinito e o mundo é à sua imagem. Em Deus, é impossível distinguir fins e meios. Nós somos apenas uma parte do Todo que nos é inacessível. O mundo tem de ser entendido como o produto da Sabedoria e da Razão divina. Segundo a imagem bíblica, o mundo é a obra dum artesão e a metáfora leva – nos a ver na natureza uma obra artificial que é abordada como um mecanismo. Artificialismo e mecanismo são as duas abordagens cartesianas da natureza; a Natureza perde a sua interioridade, a sua orientação para se tornar obra dum Artesão abandonada ao engenho de outros artesãos que tentam compreender os seus mecanismos. Descartes elimina a ideia de valor da natureza. Ele não vê nela – como no caso do corpo humano – senão o agenciamento interno dos órgãos, as suas propriedades constitutivas. O conceito de “direito natural” era válido quando os conceitos de natureza e de razão se interpenetravam; o que deixou de ser o caso com m nascimento da ciência moderna e em particular com a teoria da evolução que dissociam a natureza e a razão (5).

O sucesso da ciência levou a considerá-la como um conjunto de métodos específicos, mas o que faz o seu sucesso é menos o método que o tipo de objecto a que se aplica uma reflexão, liberta dos antigos constrangimentos do sagrado. A ciência mais fundamental, a Física, em vez de se unir sob a égide da electrodinâmica, ou da medicina, como se esperava no fim do século XIX, dividiu-se em numerosos ramos; entre estes, dois, essenciais, a relatividade e a física quântica, ainda em demanda da sua síntese. O fantasma perseguida era a Verdade das coisas e do mundo. Ora, a Verdade, se existe, não é entidade sobre que o método racional pode desembocar. O método racional permite demonstrar a coerência (a não-contradição) de uma verdade cujos fundamentos ontológicos (os pressupostos de existência) são colocados a priori de uma maneira indemonstrável, isto é axiomática. O facto é que já não acreditamos numa arquitectónica da razão pura, na unificação da experiência possível com a ajuda apenas de um único sistema de categorias, e as teorias de grande unificação pertencem, em Física, aos sonhos da razão.

A invisibilidade na ciência é ainda mais notável do que na religião – por isso, nada é mais absurdo que a oposição entre o mundo visível da ciência e o mundo “invisível” da religião [ver Huber, Macho]. Nenhum deles pode ser compreendido a não ser por meio de imagens quebradas de tal modo que sempre apontam para mais uma outra (6). A ciência é um fenómeno cultural entre outros. A ciência está na origem da possibilidade de uma realização em progresso contínuo da ideia de eternidade do homem que concerne igualmente as nossas responsabilidades de ordem ética. Todo o esforço do pensamento moderno foi para separar o cultural do natural. A ciência consiste em mostrar que os fenómenos culturais não são naturais e que forçosamente nos enganamos se misturamos os tremores de terra e os rumores de guerra, como o faz o texto do Apocalipse. Mas, de repente a ciência toma consciência que as actividades do homem estão a destruir a natureza. É a ciência que regressa ao Apocalipse. Não separemos a natureza da sociedade: “The re-localization and re-embodiment of science allows us to extract, so to speak, the epistemological poison out of the sweet honey of scientific objectivity" (7). Thomas Kuhn fala de “transição entre incomensuráveis, qual o são o sagrado e o profano, a transição entre dois paradigmas competitivos, decorrentes das transformações históricas ocorridas na estrutura interna da visão alquímica do universo, na elaboração do novo saber sobre o mesmo universo pela mão dos químicos" (8). Não há apenas realidades “objectivas”, há também realidades “subjectivas”. Há pontos de vista sobre aquilo a que chamamos realidades. Se podemos ter diferentes pontos de vista sobre uma estátua é porque a estátua tem três dimensões e permite andar à volta dela. A objectividade não é a propriedade privada dos positivistas. Quando analisamos discursos científicos, todos parecem assentar mais sobre um “acreditar” do que um “saber”. Aquilo a que se chama a “ciência” é mais da ordem do “acreditar” (subjectivo: mesmo se a comunidade que a ela adere é imensa) do que da ordem do “saber” (objectivo). Nunca se viu um observado sem um observador, que não é independente dos dados socioculturais, geográficos e históricos, que volens nolens, o determinam. Há uma racionalidade própria da ciência ocidental. Mas não há apenas uma racionalidade científica. A ciência é um feixe de racionalidades. Não nos dá apenas uma representação do mundo, mas uma multiplicidade. O que se deve interrogar é a pretensão de querer representar o real. “É provável que o que se deva interrogar seja justamente essa pretensão de querer representar o real…seria preciso pôr em causa as representações que a ciência dá de si mesma, mas que são também representações que se reclamam fora da ciência" (9). Hoje é a própria ciência que reconhece o carácter hipotético do seu aparato conceptual. O nascimento da ciência moderna é seguida pela constatação que a filosofia, como expressão de “verdade definitiva”, deixa o mundo inalterado: não dá ao homem o poder de se libertar da fome, das insídias da natureza, da dor, da necessidade. O abandono da verdade deixa-nos todavia na mais insanável insegurança. A “segurança” do saber científico é, por definição, relativa: os princípios e os métodos são hipóteses. Há uma coisa que a ciência não pode produzir: a segurança da felicidade, a segurança que não pode ser dada da “segurança” de qualquer possível metodologia científica e menos ainda de uma fé religiosa. Mesmo se a ciência, enquanto tal, é uma fé. Mesmo para o cristianismo a fé é uma virtude deste mundo (10).

Da religião

A etimologia é uma figura retórica que indica um significado possível, mas compatível com a forma da palavra. Religião não vem de facto de ligar, mas de “re-legere”, recolher. Não é o vínculo objectivo, é uma disposição subjectiva e pessoal para recolher. Não é certeza, mas escrúpulo ou hesitação: quase um retratar-se. Para Cícero “re-ligare” tinha forma e fazia causa comum com “diligere”. Digamos que a “religião” é o desejo de dar sentido (inter-ligere) a tudo o que nos acontece por que passa uma certa nostalgia: o sentido estava lá desde sempre, mas o homem desviou-o ou perdeu-o. Aquilo a que chamamos religião, os Gregos conheciam-no pelo nome de therapeia. Os homens do sagrado trazem a aura do médico. Em Moçambique, no Brasil, na Argentina, a Igreja Universal do Reino de Deus anuncia-se com uma palavra de ordem: “Para de sofrer”. A seita de Epicuro, o epicurismo (arte de viver, terapia), indiferente em relação à ciência, foi uma religião falhada. E não fosse o espírito de capela que a sustentava, não teria sobrevivido cinco séculos. Há duas espécies de religiões para M. Serres: “les anthropologies et les sociologues épuisent le sens de celles qui fondent l’appartenance, où règnent la violence et le sacré. Inversement, pour celles de la personne, les expressions ‘sociologie, politique des religions’ sent l’oxymore" (11). A separação radical entre crença e fé, entre social e individual é pertinente para situar estas duas espécies de religião. No dizer de J. Kristeva, “O éter da religião terá sempre sido receptivo a uma certa virtualidade espectral» (12). Talvez venha daí a dificuldade de uma definição adequada deste termo, ou mesmo de uma possível tipologia. A oposição religiões primitivas ou religiões naturais vs religiões de civilização, é uma oposição que assenta num pressuposto evolucionista hoje ultrapassado. Pode sustentar-se uma outra oposição: religiões nacionais ou étnicas vs religiões universais (budismo, cristianismo, islamismo). Pode-se defender uma terceira oposição: religiões tradicionais vs religiões com um fundador, ou ainda religiões cósmicas vs religiões históricas. E ainda uma quarta oposição: religiões proféticas vs religiões místicas. Ou, à maneira de P. Ricoeur: religiões pagãs, que relevam do registo da manifestação, vs religiões que relevam do registo da proclamação (13). O cristianismo, como forma escatológica da religião, seria claramente uma religião de proclamação. O homem cria a cultura para exorcizar o medo diante do aspecto primário, aquilo a que Ortega chama a selva em que reina Pã (14). A noção de religião cobre de facto uma série heterogénea de elementos diferentes. Em qualquer religião encontramos deuses, ritos, festas, o sentimento do divino, solenizações (ritos de passagem), moral, interditos alimentares, uma boa esperança para as próximas colheita, a predição do futuro, a cura dos doentes, o temor numa justiça imanente, ascetismo, experiências extáticas, transe, um ethos ou estilo de vida, pensamento do além, utopias, legitimação política, identidade nacional, etc. “Religioso” seria o vínculo comum, a força objectiva e externa que se sustenta em conjunto. De um ponto de vista sociológico, uma sociedade sã é uma sociedade que tem religião. A religião é, desde o princípio, linguagem de ordem. Nas tradições hindus, o mundo – o cosmo como as sociedades humanas – é regido por uma ordem ou uma lei fundamental (dharma) que é preciso respeitar sob pena de arrastar graves desequilíbrios. Constantino sabia que o temporal precisava do espiritual: se não se rendia à divindade o culto que convinha, o futuro político do Império não estava assegurado (15). É claro que a religião é apenas um dos traços fisionómicos duma sociedade, um traço outrora dominante, hoje reduzido a uma certa sensibilidade, um humanismo ou a ritos de passagem. Marc Bloch dizia que a lei de Cristo “pode ser compreendida como um ensinamento de doçura e de misericórdia, mas, durante a época feudal, a fé mais viva nos mistérios do cristianismo associou-se sem dificuldade aparente com o gosto da violência" (16). Tudo na nossa civilização se tornou fé: a ciência, a moral, a política, a arte, a religião e até a incredulidade religiosa. Na língua grega a palavra que corresponde a “verdade” significa “não estar escondido”, "não permanecer escuro”. Serve e não se preocupa com a verdade. As religiões constituiram-se como “catarses” ou “purificações” das variantes do “mal” que são os diferentes destinos do ódio. Com efeito, o homem religioso é interpelado, ao longo da história, a purificar-se das suas manchas (que são diversas “matérias” no limite do “limpo” e do “estranho” e que remetem em última instância para o corpo maternal e para o sangue nas religiões ditas primitivas) para se purificar das abominações alimentares (no budismo, e de outro modo no judaísmo e no Islão), e a purificar-se dos seus ódios assassinos, sacrificiais ou fraticidas (17). Uma perspectiva meramente externa (que visa explicar a religião) não vê aquilo que visa a consciência religiosa. Com efeito, a religião não visa explicar a forma da sociedade, nem a crença é o único modo de explicar a religião. O cristianismo promete o Reino dos Céus a quem tem fé em Cristo, como a ciência promete o Reino da terra a quem tenha fé nas leis científicas. A ciência hoje não tem qualquer dificuldade em reconhecer que é uma fé. Uma boa questão, entretanto emerge: “Ma la fede, in quanto tale, non è forse la forma originaria della violenza?" (18). E estará a ciência, enquanto doxa, ao abrigo da violência?

Ritualidades

Para além da religião subjectiva, que tem a sua fonte na receptividade transcendental e na abertura ao Outro, o culto, enquanto forma objectiva (da oração, dos gestos, dos actos) vem contrabalançar a tendência que tem o sentimento religioso para se dissolver no inapreensível, suscitando no homem uma relação justa com Deus. É, porém, enquanto fundamento da ordem jurídica e política e da cultura que a religião se torna ambígua. Não há ordem jurídica nem forma de governo que não procure fundar a sua legitimidade na religião. Por outro lado, a religião está intrinsecamente orientada para a criação de culturas (arte, poesia, música, filosofia) e para as diferentes formas de vida social. O rito é uma operação. Um axis mundi que liga eficazmente os diferentes planos da existência segundo determinadas correspondências. Nesta concepção, o rito age ex opere operato, por obra da própria operação, no que se aproxima da técnica. Que efectua o rito? O sagrado, como se entende da etimologia do rito religioso por excelência que é o sacrifício. Quando a forma expressiva deixa de corresponder ao conteúdo do sentimento vivido, a prática do rito degrada-se em ritualização. Os dados antropológicos actuais já não permitem colocar a magia e a religião simultaneamente como duas espécies de factos sociais e duas essências opostas. A noção de “eficácia simbólica” que Lévy-Strauss pôs em evidência é decisiva para pensar a questão da “sacramentalidade” e da “magia” que deixam de poder ser consideradas práticas rituais antagónicas (19). Para não serem vítimas de “pré-noções” e “preconcepções” (Durkheim) as ciências humanas são levadas a reestruturar o campo das definições e a colocar globalmente os termos de pensamento e de acção simbólicas. Desde os trabalhos de Glock (1961) e de Stark e Glock (1968), que os critérios para medir o grau de pertença ao grupo católico deixaram de assentar exclusivamente na análise da prática religiosa. È que esta é apenas uma das várias dimensões que estruturam o campo religioso (Bourdieu, 1971). O “objecto religioso” de Glock é perspectivado segundo cinco dimensões:

a) a dimensão experiencial, que contempla a comunicação com a divindade, e que é constituída pelos sentimentos, e percepções e sensações experimentados por um indivíduo;

b) a dimensão ideológica, mais fundada em crenças do que em sentimentos religiosos e que inclui todas as representações sobre a natureza da realidade divina;

c) a dimensão ritualista, que se reporta ais aos actos que as pessoas cumprem no domínio religioso do que aos seus sentimentos e pensamentos;

d) a dimensão intelectual, que designa os conhecimentos que os indivíduos têm dos dogmas que fundam a sua fé;

e) a dimensão sequencial, que se relaciona com o que as pessoas fazem, assim como as atitudes que adoptam, em razão das suas crenças, práticas e experiências religiosas.

O rito faz parte do agir humano, na confluência do dizer e do fazer. É uma acção e igualmente relação social. A origem e a evolução do rito e das suas concepções são condicionadas por duas perspectivas opostas. Por um lado, a “perspectiva naturalista”, também chamada “o ponto de vista de Deus”, que se reconhece no slogan epistémico: “No princípio era a acção”. O rito é uma criação dos deuses (sejam eles Pessoa, natureza, lei), ou, por outro lado, uma criação da evolução natural das espécies (psicologia da adaptação de Darwin). Em ambos os casos, teológico e naturalista, o rito é já estruturado, articulado, tecido, que o homem encontra e põe em acção. Por outro lado, a “perspectiva artificialista” ou construtivista, também chamada “o ponto de vista da humanidade”. Esta perspectiva procede de uma outra lógica. A acção ritual deixa de ser considerada como um ready-made um dado original de essência natural ou divina, mas uma construção humana, que se desenvolve segundo três estádios: a pacificação, a prescrição, a retomada ética. Antes de ser repetição, o rito é criação, ética e estética. A determinação axiológica faz parte das atitudes a ter diante do ritual. Radcliffe-Brown falava de “valor ritual” para determinar a relação sujeito/objecto vivida qualitativamente em termos de bom/nefasto, permitido/proibido. Este elemento de análise dá assim conta daquilo que Mauss e Durkheim chamavam rito negativo, ao mesmo tempo que das atitudes dos protagonistas do ritual: ansiedade, seriedade, indiferença, paródia, emoção ou racionalidade. O processo ritual é levado a produzir o seu próprio espaço, material e lógico e interaccional. Os conceitos de objecto transicional e de espaço potencial de D. W. Winnicott (1975) são determinantes para a compreensão do processo ritual. O rito, como manipulação simbólica, tem por vezes outros efeitos que a cura dos corpos. São efeitos que procuram as religiões espirituais. A. Vergote chamou a atenção para o eixo clínico da polarização de qualquer dispositivo ritual e para a sua deriva patológica (20). As doenças do rito são o ritualismo, que é o comportamento estereotipado ou a formalidade fossilizada, quando o sentido se retirou da forma ou quando o excesso de codificação domina. Freud tenta compreender a religião a partir da semelhança que via entre o cerimonial nevrótico e o rito religioso (21). O nevrótico obsessional cumpre com um cuidado meticuloso actos insignificantes, como contar repetidamente livros numa estante, caminhar sobre a aresta das pedras, etc. Antes de se deitar, a criança que se virá a tornar no “homem dos lobos” deve beijar imagens piedosas, fazer sinais da cruz sobre si e a cama. O cerimonial obsessional é, então, a repetição, a ritmização das acções mais indiferentes. Três traços formais aproximam este cerimonial do rito religioso: a angústia de consciência no caso de não cumprimento dom acto, o isolamento do acto em relação às outras actividades, a meticulosidade na execução do acto. O autor deste ritualismo obedece a uma injunção cujo sentido desconhece. Aqui estaria o modelo de toda a crença: credo quia absurdo. A nevrose é a caricatura meio-cómica, meio lamentável de uma religião privada. As rubricas não toleram qualquer espontaneidade de expressão. As características deste culto aparentam-no ao cerimonial obsessional: formalização rigorosa e rígida, isolamento em relação a formas vivas da cultura, ausência ou forte redução da intenção simbolizante e angústia pelo não-cumprimento do rito.

Coda

    Não deixa de ser interessante saber que os Modernos, lutando contra as utopias, são aqueles que mais cultivaram a utopia (Latour, 2009: 141). O “princípio de irredução” é uma precaução e uma exigência, que I. Stengers enuncia como a passagem do “isto é isto” ao “isto não é mais do que isto” ou ao “é somente isto”. Este princípio prescreve um distanciamento em relação à pretensão de saber e de julgar. Os religiosos e os cientistas correm o risco de se tornar sábios, não os cobrisse a aura e a autoridade que lhe creditam as nossas sociedades. O próprio do ser humano é escolher ser humano: “à lui de choisir entre le Royaume et les ténèbres" (22). Que concluir? “Não precisamos de comunicação, temos até demasiada, carecemos de criação. Precisamos de resistência ao presente" (23). O mundo moderno alimenta-se das correntes heterodoxas – místicas – do cristianismo. Troeltsch tinha essa consciência ao falar de “religiosidade vagabundeante”, de cariz “naturalizante” ou mesmo “panteísta”, ou daquilo que está por trás do pensamento moderno, em especial o idealismo alemão de Hegel e de Shelling em matéria de pensamento místico ou esotérico. Dante junta no mesmo “céu” do Paraíso Tomás de Aquino, Siger de Brabant e Alberto Magno. Não há, pois, incompatibilidade entre a Grécia e a Revelação, o averroísmo latino, o intelectualismo integral entram no mesmo convívio de transmutação das ideias. Passou o tempo dos concordismos. Podemos ver a ciência como movimento de secularização constante e irreversível. Podemos considerar que a ciência se deve colocar ao serviço da religião (o concordismo e o fundamentalismo). Podemos encetar no diálogo nas suas várias figuras: convergência, complementaridade, interacção ou colaboração. Os concordistas caem sempre no impasse da sua própria concepção cientista do pensamento: a fé não pode ser demonstrada, não há prova científica do acto criador (24). As religiões formam-se num campo constituído pelo processo psíquico bipolar ou nuclear da meditação que purifica e da simbolização que permite a comunicação. São por isso obrigadas a negociar, dizia Derrida, “o paradoxo de uma nova aliança, entre o teletecnocientífico e as duas fontes da religião (o indemne, heilig, holy, por um lado, a fé ou a crença, o fiduciário, por outro”) (25). O debate actual do discurso religioso não é o inominável, mas o (mal) nomeado, o (mal) dito, a estereotipia morta. Qualquer que seja a posição a adoptar, é necessário repensar a questão dos limites de validade dos nosso discursos e das instâncias a partir das quais cada discurso se agencia. O que só é possível no horizonte universal e na troca, na confrontação e no diálogo com as diversas instâncias de racionalidade que presidem às diversas ordens do humano. Não há totalidade sem mentira, dizia Adorno. G. Holton liga, num texto publicado na Scientific American a controvérsia acerca do fim da ciência com os cientistas que adoptam uma visão “linearista” (optimistas) e os que adoptam uma visão “ciclista” (pessimistas) (26). Do interior desse teatro em que se degladiam duas visões do mundo antagónicas, emerge agora uma visão hierárquica em que cada nível de escala e de complexidade tem as suas próprias características e leis, não redutível aos que estão no nível a seguir. Nem a fé religiosa nem a teologia dão respostas a questões colocadas e não resolvidas pelo saber científico ou filosófico: seria adoptar uma postura arrogante ou triunfalista do tapa-buracos (D. Bonhoeffer). Há, porém algo de comum à religião e à ciência: o mundo. Os acontecimentos que se passam debaixo dos nossos olhos são naturais e culturais, isto é, são apocalípticos. Até agora, os textos do Apocalipse faziam rir. Todo o esforço do pensamento moderno foi para separar o cultural do natural. A ciência consiste em mostrar que os fenómenos culturais não são naturais e que forçosamente nos enganamos se misturamos os tremores de terra e os rumores de guerra, como o faz o texto do Apocalipse. Mas, de repente, a ciência toma consciência que as actividades do homem estão a destruir a natureza. É a ciência que regressa ao Apocalipse. O princípio antrópico dá ao homem um lugar preponderante no universo, mesmo se a palavra deve ser dada também ao “não-humano” no “parlamento das coisas” (B. Latour). O ser humano é um ser do mundo, mas irredutível à ordem do mundo ou ao devir do mundo. Há um mundo único e de múltiplas ciências, de múltiplos sistemas abertos ou fechados. E cada uma tem a sua linguagem de descrição, a sua maneira de formular ou esquivar a finalidade. Que cada discurso dê conta da sua função própria: a ciência, o simbólico-cultural, a demanda da verdade, o como e o porquê do real. Cabe-nos trabalhar nas fronteiras dos diferentes discursos, na genealogia das suas constituições e entrar naquilo a que H. Atlan chama uma “intercrítica" (27). Sem fantasmas nem tiranos ao leme.

Notas

(1) René Thom, Esquisse d’une Sémiophysique, Paris, InterÉditions, 1998, p. 45.

(2) A. Faivre, Philosophie de la nature, Paris, Albin Michel, 1996.

(3) Giorgio Agamben, Profanations, Paris, Payot Rivages, 2005.

(4) Dominique Janicaud, La puissance du rationnel, Paris, Gallimard, 1985.

(5) Esprit, Juillet 2004, p. 24.

(6) Bruno Latour, Peter Weibel (ed.), iconoclash Beyond the image wars in science, religion, and art, ZKM, The MIT Press, 2002, p. 9.

(7) Ibidem: 141.

(8) Thomas S. Kuhn, The Sructure of Scientific Revolutions, 2.nd Ed. (Univ. Chicago Pres, Chicago, 1970), pg. 149

(9) I. Stengers, “Multiplicidade, razão e sentido” in Abordagens do real, Lisboa, D. Quixote, 1987, p. 68.

(10) E. Severino, Téchne, Rizoli 2002, p. 103.

(11) Michel Serres, Réponse de M. Serres au discours de René Girard. “Discours prononcé dans la séance publique le jeudi 15 décembre, 2005, p. 8.

(12) J. Kristeva, op. cit., p. 36.

(13) P. Ricoeur, “Révélation et proclamation”, in Le Sacré, Paris, 1974.

(14) Ortega y Gasset, Misión del Bibliotecario, p. 141.

(15) Paul Veyne, Quando notre monde est devenu chrétien, Paris, Albin Michel, 2007, p. 171.

(16) Marc Bloch, La Société féodale, I, p. 61.

(17) J. Kristeva, La haine et le pardon, Paris, Fayard, 2005, 369.

(18) E. Severino, op. cit., p. 83.

(19) Claude Lévi-Strauss, Anthropologie structurale, Paris, Plon, 1958, p. 205-226.

(20) Antoine Vergote, Dette et désir, Paris, Seuil, 1978, p. 133.

(21) Freud, “Actes obsédantes et exercices religieux” in L’avenir d’une  illusion, Paris, PUF, 1971, p. 11.

(22) Jacques Monod, Le Hasard et la nécéssité. Essai sur la philosophie naturelle de la biologie moderne, Paris, Seuil, 1970, p. 194-195.

(23) G.  Deleuze, F. Guattari, Qu’este-ce que la philosophie? Paris, Minuit, 1991, p. 104.

(24) Pierre Lathuillière, Le Fondamentalisme catholique, Paris, cerf, 1995.

(25) Jacques Derrida, Foi et savoir. Les deux sources de la ‘religion’ aux limites de la simple raison, in La religion (J. Derrida e G. Vattimo (dir.), Paris, Seuil, 1996, p. 76.

(26) G. Holton, Scientific American, Outubro 1995, p. 168.

(27) Cf. Charles Taylor, Le malaise de la modernité, Paris, Cerf 1994.

  José Augusto Mourão (Portugal)
Professor Associado com Agregação da Universidade Nova de Lisboa. Presidente do ISTA (Instituto S. Tomas de Aquino), Director da Revista de Comunicação e Linguagens. Rege as cadeiras de Semiótica, E-textualidades e Hiperficção e Cultura no Departamento de Ciências da Comunicação. Livros publicados: A visão de Túndalo: em torno da semiótica das Visões (INIC, Lisboa, 1988); Sujeito, Paixão e Discurso. Trabalhos de Jesus (Vega, 1996); A sedução do real. Literatura e Semiótica (Vega, 1998); Ficção Interactiva. Para uma Poética do Hipertexto (Edições Universitárias Lusófonas, 2001); O fulgor é móvel - em torno da obra de Maria Gabriela Llansol (Roma, 2004); com Eduardo Franco: A influência de Joaquim de Flora na Cultura Portuguesa e Europeia (Roma, 2005); O Mundo e os Modos da Comunicação (Minerva, 2006); com Maria Augusta Babo: Semiótica. Genealogias e Cartografias (Minerva, 2007). A Literatura electrónica (Vega, 2009).

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