Na relatividade do tempo
humano, a consciência da existência é um
choque duma magnitude incomensurável.
Perceber que somos uma
ínfima parte na multiplicidade de formas
existenciais que compõem o todo que nos
rodeia não é fácil. Perceber que não somos
criadores do universo que nos faz ainda mais
difícil é.
Paradoxalmente, é nesse
instante que a presença do divino mais se
manifesta.
Criador e Criação
Deus é
mas não como dizem ser.
Deus encontra-se
na verdade que se percebe por trás
das alegorias,
histórias
e interferências do homem
A verdade não são dogmas
porque os dogmas escondem a verdade.
E o que é Deus?
Deus é princípio e fim.
É um caminho a seguir
numa busca incessante.
É um ideal e evolução.
O dever ser
que nunca devemos atingir.
Para homens continuarmos a ser.
Para nunca deixarmos de
sonhar
e de tentar.
in Metafísica [Poética]
Como tal, esta tomada de
consciência implica o franquear de múltiplos
horizontes que, por sua vez, tanto
possibilitam o desenvolvimento do
conhecimento humano como a tangibilidade da
presença de Deus.
É precisamente na
convivência paradoxal da dualidade que o
homem prossegue a caminhada da sua
continuidade.
Ora, se considerarmos que
um binómio é uma expressão algébrica
composta de dois membros unidos por sinal
positivo ou negativo, esta dualidade é um
binómio intrínseco à condição humana.
Consequentemente, as
perguntas são um ímpeto dual, um impulso que
simultaneamente nos leva à progressão
individual e ao conhecimento do mundo que
nos rodeia.
Logo,
considerando a multiplicidade de dimensões
que são imanentes às manifestações
culturais, podemos afirmar que a ausência de
perguntas desvirtua o caminho, que sem elas
esmaece, lentamente, o elo com a origem
integral, pois nada evolui sem aprendizagem,
sem as dúvidas intrínsecas às premissas.
Contudo, sendo um
instrumento que traduz a afirmação cultural
nas circunstâncias temporais, uma vez que
estas evoluem, as perguntas devem ser
ciclicamente reformuladas. Não apenas como
nexo causal para a confirmação do
conhecimento, mas igualmente como
manifestação do desconhecimento.
Mas o homem não é
apenas razão. E como a cultura é a
representação duma cosmologia social, nem
todo o saber é empírico e/ou cientificamente
comprovado. Outras cosmogonias também fazem
o homem. E é nesta dupla coexistência,
inerente à cultura e coerente com a condição
humana, que as relações entre a ciência e a
religião se desenvolvem.
No entanto, a
complexidade destas relações não começa nem
finda na condição humana. Elemento de não
somenos importância é a natureza humana.
Os avanços e
progressos (alguns dirão recuos e
retrocessos) tecnológicos, políticos,
jurídicos, sociais, etc., que a organização
da vida em sociedade experimentou no correr
dos tempos não foram, aparentemente,
acompanhados pela evolução da natureza
humana. Qualquer alteração da sua essência é
praticamente imperceptível.
E convém recordar que não é
só a razão que é falível. Os sentimentos que
fazem as emoções também cegam.
Paradoxo
“A fé move montanhas”.
Mas,
como é desprovida de razão,
também as arrasa.
in
Aforismos e Reflexões [Poética]
É dentro destas
condicionantes, razão e emoção, nas suas
clarividências e obscuridades, que o homem
se expressa culturalmente.
Abordar as zonas de
intersecção da cultura humana não é fácil,
principalmente sendo o homem um ente dual de
raciocínio e paixão. E, usualmente, da
reflexão sobre estes pontos de contactos
resultam posições antagónicas. As relações
entre a ciência e a religião não são
excepção. O exemplo mais ilustrativo desta
afirmação é o intenso debate entre
evolucionistas e criacionistas dentro da
cultura anglo-saxónica.
Apesar de distinguir entre
ciência e religião, o confronto não é a via
que trilho. Entre a ciência e a religião há
um contínuo reajustamento, pois ambas
pressupõem o mesmo intento: a procura da
verdade. Como tal, devem ser, e são-no, um
permanente diálogo.
Recordando palavras de Dom
Manuel Clemente, Bispo do Porto,
“o importante será
compreendermos como religião e ciência se
tornam complementares e interactivas na
melhor definição recíproca. Como geralmente
acontece, o crescimento delas realiza-se
como autêntica “crise de crescimento”: a
afirmação da mentalidade científica exigiu a
redefinição da esfera religiosa; e a
persistência da religião, em sucessivas
decantações, situou a ciência no seu campo
específico, tanto em termos de método e
objecto como em lúcida auto-limitação, para
poder prosseguir com segurança e acerto.”
Convergência
“A ciência é apenas uma verdade. A outra é a fé”
– Novalis
O uno é divisível!
Em dois,
em quatro,
em vários.
Mas, sem realidade e espírito
não há verdade.
Todas as suas partes
só o são se encaradas em si.
O uno é o todo!
Fora do todo, só o vazio.
E o vazio
é o espaço onde o todo se
expande.
in Metafísica [Poética]
É curiosa esta afirmação de
Novalis. Será que só o homem religioso tem
fé? É evidente que não!
Qual é o cientista que no
desenvolvimento da sua investigação não tem
fé no resultado desejado? Claro que se o
conceito de fé tiver uma interpretação
rígida, a metodologia científica não terá
cabimento no seu âmbito. Mas, se a fé está
“vedada” aos cientistas, estará a ciência
interdita aos homens de Deus? É igualmente
claro que não!
Quantos sábios não foram –
e são – homens profundamente crentes? E
quantos membros da igreja não foram – e são
– brilhantes cientistas?
Expressando preferências
pessoais, indico, como referência dos
primeiros, Galileu e Einstein. E como alusão
dos segundos, Santo Agostinho e Teilhard de
Chardin.
Muitos mais nomes poderiam
ser referidos. Todos eles exemplos
paradigmáticos, o que é demonstrativo dum
longo e frutuoso diálogo que, felizmente,
ainda não terminou.
Lê-se, na Nova Atlântida de
Francis Bacon, a seguinte passagem: “Senhor
Deus do Céu e da Terra, concedeste a tua
graça … para conhecerem os Teus trabalhos da
Criação e os verdadeiros segredos deles, e
discernirem (até ao ponto em que tal compete
às gerações de homens) entre os milagres
divinos, obras da Natureza, obras humanas e
imposturas e ilusões de toda a espécie!”
Aqui, ao ler este trecho, é
plausível interpretar fé da seguinte
maneira:
Fé
O caminho para o Senhor
manifesta-se como Ele quer
e não como o homem diz.
A fé não é definida,
nem é um exclusivo da igreja
ou de qualquer outra crença.
A fé é uma graça oferecida por Deus!
E a sua mensagem é a mesma.
Em qualquer tempo,
em qualquer espaço,
em qualquer coração.
in Deuses, Homens e o
Universo
Porém, uma
interpretação sobre fé não é a única
aferição do texto. Também compete ao homem
discernir sobre o universo que o rodeia e em
que é parte.
Este é o busílis
da situação. É precisamente na tentativa de
conhecer melhor o mundo onde está inserido
que as interferências do homem mais se
notam.
Depois de séculos
de ensinamento escolástico, o renascimento
provocou uma ruptura no pensamento vigente e
originou fortes convulsões no seio da
religião. Inevitavelmente, as relações entre
a ciência e a religião foram afectadas e
percepções erradas ainda persistem. Nas
palavras de Teilhard de Chardin,
“aparentemente, a Terra
Moderna nasceu de um movimento
anti-religioso. O Homem bastando-se a si
mesmo. A Razão substituindo-se à Crença. A
nossa geração e as duas precedentes quase só
ouviram falar de conflito entre Fé e
Ciência. A tal ponto que, a certa altura,
pareceu que esta era decididamente chamada a
tomar o lugar daquela”.
Sendo inegável
que a Idade Moderna permitiu à ciência uma
progressão sem precedentes, porque é que
este avanço tem significar o recuo de Deus?
Evoco de novo Teilhard de
Chardin: “Ora, à medida que a tensão se
prolonga, é visivelmente sob uma forma muito
diferente de equilíbrio – não eliminação,
nem dualidade, mas síntese – que o conflito
se resolverá."
Podemos, então, considerar
que a distinção e/ou a separação apenas
existe na interferência do homem.
Como igualmente podemos
afirmar que na mesma medida em que esta
permite o imenso de possibilidade à ciência,
já no que respeita a Deus, parece
representar a impossibilidade da mutação.
Dito por outras palavras, enquanto a ciência
não prescinde da mudança, para a religião a
mutabilidade significa o desvirtuar da
mensagem. Saliente-se que para religiões e
deuses anteriores, a imutabilidade levou ao
seu desaparecimento. Assim, há uma
“aparente” vantagem da ciência por ser
conforme à evolução.
Contudo, expressando uma
interpretação pessoal, esta nuance também
reside em Deus.
Basta ler a Bíblia para nos
apercebermos duma cronologia temporal que
nos vai revelando que a mensagem contida no
Antigo Testamento é substancialmente
distinta da do Novo Testamento. Como aquele
é anterior a este, é possível extrapolar,
dentro dos imites da compreensão humana, uma
evolução na essência de Deus. É inegável que
o amor de Cristo/Filho vem substituir o
“ódio” de Deus/Pai. Logo, uma pergunta é
razoável: a mudança na mensagem que nos é
transmitida pela Bíblia não pode ser vista
como uma evolução de e em Deus?
E neste ponto
retornamos às interferências do homem.
Todavia, é aqui que desvendamos os meios de
expressão das interferências humanas. São
eles: a tolerância e a intolerância.
O potencial de aumento de
conhecimento é geometricamente proporcional
ao universo do desconhecido, com a certeza
que o desconhecimento aumenta na mesma
medida em que mais é conhecido.
Reformulando, poderíamos dizer que a ciência
é o Conhecimento e Deus o Desconhecimento e
que a fronteira entre ambas estará sempre
sujeita a novas reinterpretações.
Portanto, no limite, tudo é
questionável. E o que é, se for genuíno,
continuará a sê-lo depois das perguntas.
Para mim, Deus é genuíno. Principalmente
após as perguntas.
Então, serão a ciência e
religião afectadas pelas perguntas? Sem
dúvida. Mas trata-se de uma influência de
âmbito individual, cuja resposta reside no
coração de cada homem.
Heraclito de Éfeso disse:
“Nada é permanente, salvo a mudança.”A
evolução é uma constante universal. E Deus
também se rege pela evolução. Mesmo sendo
Criador.
Não se deve falar
pelos outros, pois os outros são como são e
quase nunca como gostaríamos que fossem.
Como tal, no meu coração, a coexistência
entre Ciência e Deus é necessária.
É o que me impele para o
futuro.
Duas visões distintas, mas
plenamente complementares, que nos indicam o
caminho no sentido da verdade esclarecida e
responsável.
E a procura desta verdade
faz-se pela e na tolerância. |