Revista TriploV DE Artes, Religiões e Ciências

Direção|Maria Estela Guedes & Floriano Martins

PÁGINA INDEX Número 03|Janeiro de 2010

 

NÚMERO 03

JANEIRO 2010

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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RITO e RITUAL:

O TEXTO E A FÓRMULA

António de Macedo

 

Ao começar a escrever este artigo para a Revista TriploV de Artes, Religiões e Ciências, logo me acudiu à memória uma curiosa passagem de Max Heindel que diz o seguinte:

«A Religião, a Arte e a Ciência são os três mais importantes meios da educação humana, e constituem uma trindade na unidade que não podemos separar sem distorcer o nosso ponto de vista do que quer que investiguemos. A verdadeira Religião incorpora tanto a Ciência como a Arte, porque nos ensina a beleza da vida em harmonia com as leis da Natureza. A verdadeira Ciência é artística e religiosa no mais elevado sentido, porque nos ensina a ajustar-nos e a obedecer, com reverência, às leis que governam o nosso bem-estar e explicam por que a vida religiosa conduz à saúde e à beleza. A verdadeira Arte é tão educativa como a Ciência e tão enobrecedora na sua influência como a Religião. […] Tudo o que careça deste ensino abrangente e integral jamais responderá de forma consistente e duradoura às necessidades da humanidade. Em tempos muito remotos — e até mais tarde, na antiga Grécia —, a Religião, a Arte e a Ciência eram ensinadas em conjunto nos Templos de Mistérios. Todavia, a partir de uma certa fase histórica, tornou-se necessário, para um melhor desenvolvimento e aperfeiçoamento de cada uma delas, que se separassem durante algum tempo» (Max Heindel, The Rosicrucian Cosmo-Conception, pp. 516-517).

Na continuidade, chega-se à conclusão lógica de que, após as «idades negras» que atravessámos e continuamos a atravessar de conflitualidades entre as três áreas — como por exemplo nos tempos em que a Religião escravizava a Arte e sufocava a Ciência, ou em seguida quando a Ciência se sobrepôs à Religião para subalternizá-la se não mesmo para negá-la, e a Arte se emancipou ao ponto de se tornar anti-religiosa e anti-científica —, chega-se à conclusão lógica, dizia eu, de que a Religião, a Ciência e a Arte devem voltar a reunir-se numa só expressão platónica do BEM, do VERDADEIRO e do BELO a fim de evitar a calamidade que se prefigura e avizinha de um Cosmo assolado por um novo Caos e fracturado em contendas e conflagrações cada vez mais convulsivas e demolidoras.

A própria actividade do TriploV, ao longo dos anos, sobretudo evidenciada nos seus colóquios de «alquimias» — e digo bem, no plural, alquimias —, busca no fundo alicerçar-se no passado (Alquimia) para se projectar no futuro (re‑unidade Religião-Ciência-Arte), pois não é gratuitamente que se diz que a Alquimia é uma «ciência sagrada», ou uma «arte real», e aqui a Religião, a Ciência e a Arte aliam-se à Realeza do rei-sacerdote que unirá as linhagens de Caim e de Seth — os inventores-filósofos-construtores e os místicos eclesiais.

Que tem tudo isto a ver com rito e ritual?

Tem no sentido em que qualquer texto ritualístico autêntico, que presumivelmente remontará à ancestral prisca theologia já visionada e defendida pelo humanista Marsilio Ficino (1433-1499), filósofo e astrólogo do Renascimento, congloba inevitavelmente uma síntese dos três domínios. Para Ficino havia somente uma única fonte de conhecimentos e de verdade (a tal remota unidade Religião-Ciência-Arte) donde haviam emanado duas grandes correntes: a Teologia cristã e a Filosofia dos Gregos, sobretudo a de Platão, cujos sábios, ainda que portadores de ensinamentos diferentes, no fundo se inseriam numa mesma família, ou numa mesma prisca theologia, isto é: num mesmo primevo discurso divino que, tanto para Ficino como para outros intelectuais renascentistas, formava uma cadeia contínua desde Zoroastro e Hermes Trismegisto, passando por Orfeu, Aglaofemo, Pitágoras, Platão, e as Sibilas.

Antes de seguirmos adiante, porém, convém distinguir entre «rito» e «ritual». Rito é um substantivo derivado do latim ritus, ‑us, que por sua vez deriva de uma arcaica raiz indo-europeia *er‑, e tem o significado genérico de forma, processo, cerimónia, como por exemplo em ritus sacrorum, cerimónia religiosa. Por sua vez, ritual é o adjectivo relativo a rito, como por exemplo em «gestos ou palavras rituais», e deriva do adjectivo latino ritualis, ‑e. Este adjectivo não existia em latim clássico; surgiu nos primeiros século dos Cristianismo e na Idade Média, nomeadamente por influência eclesiástica. Da forma neutra rituale adoptou-se um substantivo neutro, rituale, como se pode observar por exemplo no antigo Rituale Romanum, livro litúrgico do rito romano reunindo a liturgia dum certo número de cerimónias católicas, incluindo principalmente bênçãos, exorcismos e os sacramentos, ou seja, contém todos os serviços que podem ser desempenhados por um sacerdote ou por um diácono que não estejam contidos nem no Missale Romanum nem no Breviarium Romanum. Portanto, e para resumir, o rito é o conjunto característico das cerimónias que se praticam em religiões, cultos ou organizações, desde ritos litúrgicos até ritos maçónicos (por exemplo, Rito Escocês), abrangendo ritos de passagem (baptismo, puberdade, casamento), ritos de adoração (missa cristã), ritos de devoção (peregrinações), etc. —, ao passo que o ritual é, de uma forma geral, o livro ou o texto contendo a descrição dos ritos e que consigna as formas e fórmulas que se devem observar na prática das respectivas cerimónias.

Estas cerimónias, quer em ambiente pagão, quer em ambiente cristão, assumiam (e assumem) o carácter de encenações ou dramatizações ritualísticas, sejam de episódios da vida de Cristo como no rito eucarístico da missa cristã, sejam de episódios de antigos mitos como no caso dos Mistérios de Elêusis cuja performance dramatizava o mito de Deméter (Terra Mater) e sua filha Perséfone (a Korê, ou jovem vegetação), representando o rapto desta última pelo deus Hades, rei dos mundos infernos (Perséfone no submundo, vegetação oculta, meses invernosos) e o renovo primaveril e estival com o regresso periódico da jovem deusa às culturas de superfície, ou seja, o seu regresso à companhia da Grande Mãe (Magna Mater = Terra Mater).

Mesmo considerando os tempos em que a Religião, a Ciência e a Arte já se haviam separado e distanciado, vestígios da sua ancestral conjunção são detectáveis nestes ritos, onde se articulam inequivocamente ideias de RELIGIÃO — o elenco de todos os processos envolvendo as divindades na sua fase de superentidades que evoluíram a partir de primitivas forças naturais —, de ARTE — as teatralizações litúrgicas de textos poéticos e respectivas emoções estéticas —, e de CIÊNCIA, entendendo-se neste caso a acepção tradicional de scientia como um saber antigo, organificado mas não no sentido hard das tecnociências físicas de hoje, seja esse saber secreto (esotérico) ou divulgável (exotérico). Esta arcana scientia equibalança-se com «sabedoria» e não se confunde com uma fria investigação sensorial/racional tal como tomou forma a partir de Galileu, Newton, Lavoisier e se conceptualizou desde os séculos XIX e XX — é antes uma scientia que se insere no conjunto que o esoterólogo W. J. Hanegraaff, na sua classificação «de um corpus esotérico referencial», designa como as três «ciências tradicionais» (Astrologia, Magia e Alquimia) (Wouter J. Hanegraaff, New Age Religion and Western Culture, p. 388).

Nunca perdendo portanto de vista que os textos ritualísticos dos diversos tipos de Tradições, de Ordens e de Mistérios iniciáticos se encruzilham de Religião, Arte e Ciência, devemos igualmente ter em conta que tais textos, nas tradições regulares, são textos formulaicos, ou seja, textos que reproduzem — em consonância com uma «astrogeometria» espiritual, para não dizer oculta —, as grandes correspondências entre Macrocosmo e Microcosmo, abrangendo todos os fenómenos e segredos astrológicos, mágicos e alquímicos aplicáveis a cada caso, de que um dos exemplos mais flagrantes, na nossa civilização judaico-cristã, é o do real significado dos textos evangélicos.

Comecemos por escutar a teosofista Helena P. Blavatsky (1831-1891), que em confirmação do que acabou de se dizer não hesitava em afirmar que o Cristo «é a personificação divinizada e a glorificação de um modelo, o dos grandes Hierofantes dos Templos, e a sua história, tal como é contada no Novo Testamento, é uma alegoria, contendo sem dúvida profundas verdades esotéricas, mas uma alegoria, em suma. Cada acto do Jesus do Novo Testamento, cada palavra que lhe é atribuída, cada evento relacionado com ele durante os três anos da missão que se diz que levou a cabo, não são mais do que o programa do Ciclo de Iniciação, um ciclo fundamentado na Precessão dos Equinócios e nos Signos do Zodíaco» (Helena P. Blavatsky, Collected Writings, vol. 9, p. 225).

Por sua vez, e referindo-se a certas passagens incompatíveis entre si ou mesmo contraditórias nos Evangelhos, o filósofo e esoterista Rudolf Steiner (1861-1925) acentua: «Para compreender estas diferenças basta admitir que os quatro evangelistas foram beber em diversas tradições místicas. […] Tão grande era a fé que Jesus despertava neles pelos seus actos e palavras, que cada um se persuadia que ele respondia ao tipo da sua específica Iniciação. E é de acordo com essa Iniciação que eles pintam o seu desenvolvimento espiritual conservando ao mesmo tempo os factos da sua vida pública» (Rudolf Steiner, Christianity as Mystical Fact and the Mysteries of Antiquity, pp. 99-104).

Finalmente, o místico rosicrucista Max Heindel (1865-1919), que citámos de início, vai mais longe e não só relaciona as diferentes Escolas de Mistérios Cristãos com os ciclos cósmicos mas diz claramente que os Evangelhos são «fórmulas de Iniciação»: «Ao contrário da opinião correntemente aceite, os quatro Evangelhos não são apenas a biografia de Jesus, o Cristo, mas fórmulas de Iniciação de quatro Escolas de Mistérios diferentes. A fim de encobrir e velar o seu significado esotérico, a vida e o ministério do Cristo foram incorporados no conjunto. Isto pôde facilmente ser feito uma vez que todos os Iniciados, sendo personagens cósmicas, têm experiências semelhantes» (Max Heindel, The Rosicrucian Philosophy in Questions and Answers, vol. 1, pp. 200-201).

Entretanto, com o desandar dos tempos e das modas os dois termos «rito» e «ritual» acabaram por se confundir em certas circunstâncias, a tal ponto que em francês, por exemplo, rite e rituel são praticamente sinónimos, designando de uma forma muito generalizada uma sequência de acções padronizadas (sagradas ou profanas) imbuídas de significado simbólico e organizadas segundo certos códigos e regras fixas.

De acordo com o antropólogo James G. Frazer (1854-1941), especialista em mitologia e religião comparada, a concretização dos formatos ritualísticos dos vários tipos de cerimónias, em função das finalidades pretendidas, passaram por evolutivas fases no seu desenvolvimento histórico-cultural: numa cultura primitiva, os ritos podiam ser desempenhados por qualquer indivíduo; numa fase posterior, essa função passou a ser domínio de uma classe especial, os sacerdotes ou os hierofantes. O mesmo se passou com os lugares: de início, a performance do rito podia decorrer em qualquer local, mais tarde criaram-se recintos especializados para o efeito (templos, santuários, câmaras de iniciação). As próprias entidades supranaturais que se invocavam (de início apenas para obter efeitos mágicos, mais tarde com elevados fins propiciatórios) também evoluíram: deixaram de ser meros espíritos associados à natureza para passar a ser deuses na plenitude da sua entronização divina (James G. Frazer, The Golden Bough, pp. 476-477). Em qualquer das fases e das circunstâncias, no entanto, preservava-se um inalterável formalismo nos diversos ritos de iniciação, sempre envoltos em mistérios e marcados por provas, muitas vezes cruéis e assustadoras, senão mesmo perigosas (Bronislaw Malinowski, Magic, Science and Religion, p. 38).

Os textos dos antigos ritos perderam-se na sua quase totalidade. Os que hoje subsistem, ou são reconstituições de obscuros retalhos respigados deste ou daquele autor da Antiguidade, ou são simplesmente apócrifos. Exceptuam-se os que se encontram preservados nos Rituais das Igrejas e das Obediências Maçónicas.

Sobre estes dois últimos conjuntos não me pronunciarei, todavia, porque já beneficiam de uma abundantíssima literatura que os tem reproduzido, estudado e esquadrinhado em maior ou menor profundidade e sob os ângulos mais diversos.

Assim, neste breve apanhado sobre Religião, Ciência, Arte e textos dos ritos e respectivas fórmulas ritualísticas (e tendo em conta que a scientia infundida nestas fórmulas corresponde ao conjunto das «ciências tradicionais» classificadas pelo esoterólogo W. J. Hanegraaff, a que atrás me referi), limitar-me-ei a concluir mencionando apenas dois exemplos que se me afiguram significativos: o rito Crata Repoa da antiga Iniciação Egípcia e a reconstituição formulaica da iniciação de Platão nos Mistérios de Ísis e Osíris.

O primeiro apareceu num texto alemão do séc. XVIII intitulado Crata Repoa oder Einweihung in der alten geheimen Gesellschaft der Aegyptischen Priester [Crata Repoa ou Iniciação nos Antigos Mistérios dos Sacerdotes Egípcios]. Editado por Karl Friedrich Koeppen e Johann Wilhelm Bernhard Hymmen na Alemanha em 1770, consta de uma compilação, feita por um redactor anónimo, de textos de autores antigos reproduzindo os rituais dos sete graus da Iniciação Egípcia. Os principais autores compilados, cujos extractos são alinhados pelo anónimo redactor a fim de restaurar a liturgia mistérica egípcia, são, entre outros, Heródoto, Porfírio, Jâmblico, Apuleio, Plutarco, Cícero, Arnóbio, Heliodoro, Luciano, Rufino, etc. O esoterista e mitólogo Manly P. Hall (1901-1990), que em 1934 fundou a Philosophical Research Society, reproduziu numa das suas obras o elenco sequencial do rito Crata Repoa integralmente reconstituído (Manly P. Hall, Freemasonry of the Ancient Egyptians, pp. 81-101).

Esta reconstituição de um antigo Rito Mistérico foi possível devido às inúmeras alusões contidas nos textos dos autores clássicos referidos, e outros: a maior parte dos filósofos da Antiguidade eram Iniciados nos Mistérios, e, nos seus escritos, ainda que de forma velada por força da «disciplina do segredo», encontram-se com frequência alusões às cerimónias dos ritos iniciáticos (e, em certos casos, parágrafos inteiros transcritos). O supradito anónimo redactor coligiu essas alusões e menções, organizou-as cuidadosamente e dispô-las por ordem, tendo em vista que estamos perante as palavras autênticas escritas pelos próprios Iniciados. A Iniciação egípcia Crata Repoa, sob esta forma, foi escrutinada por estudiosos do oculto como Joseph-Marie Ragon, Charles William Heckethorn, John Yarker (detentor dos mais altos graus maçónicos do Rito de Memphis), e incluso por H. P. Blavatsky na sua obra Isis Unveiled. Trata-se, como seria de esperar, de um conjunto sequencial de encenações ritualísticas que se desenrolam de grau em grau, a começar pelo pedido de admissão feito pelo aspirante, que aliás só podia ingressar desde que fosse dotado de qualificações excepcionais, recomendado por um Iniciado Introdutor e expressamente autorizado pelo faraó. Resumindo:

A admissão do aspirante ao primeiro grau, denominado Pastophoris, fazia-se após preparação numa câmara subterrânea (equipolente à câmara sepulcral dos antigos Mistérios e à «câmara de reflexão» maçónica). Em seguida, e depois de ter respondido correctamente às perguntas feitas pelo Hierofante, passava por várias provas ou provações, que incluíam percursos circulares sobressaltados por relâmpagos, trovões, granizo, aguaceiros, tempestades; numa outra fase os olhos eram-lhe vendados, até que por fim os adjutores o conduziam ao Hierofante perante o qual se ajoelhava e recebia um golpe iniciático desferido por uma espada. A venda era-lhe então retirada e o candidato via-se diante de duas colunas de Héracles entre as quais se erguia uma escada de sete degraus, que era obrigado a subir e a descer, a fim de poder ser instruído nos primeiros segredos da natureza, da arte de curar, e do significado da doutrina dos renascimentos (ou reencarnações). Uma vez a recepção concluída, o aspirante — agora neófito — recebia a palavra secreta de passe ou de reconhecimento e era revestido com uma túnica e um capuz e adornado com um colar cujas borlas simbólicas lhe pendiam sobre o peito. A partir de então, podia desempenhar a primeira função de Guardão dos Portais dos Homens.

Não gastaremos tempo nem espaço a pormenorizar as cerimónias dos graus seguintes, sempre recheadas de dramatizações e encenações complexas e textos mais ou menos poético-filosóficos que se deviam recitar, além de alusões mágicas, astrológicas, alquímicas, etc. Alinhemos apenas a respectiva sequenciação, e uma breve caracterização geral: 1.º Grau—Pastophoris; 2.º Grau—Neocoris; 3.º Grau—Melanophoris ou Portal da Morte; 4.º Grau—Chistophoris; 5.º Grau—Balahate; 6.º Grau—Astrónomo Diante do Portal dos Deuses; 7.º Grau—Profeta ou Saphenat Pancah. Os três primeiros graus ainda hoje encontram reminiscências nos três graus azuis da Maçonaria regular. Os restantes quatro graus conduziam e elevavam o Iniciado ao resplendor do Demiurgo, permitindo-lhe por fim que ficasse a conhecer a Palavra Misteriosa e sendo autorizado a ler todos os livros secretos escritos na enigmática língua Ammónica, cuja chave era fornecida sob o nome de código «Viga Real». Os antigos Mistérios Mitríacos da Escola persa tinham igualmente sete graus, como aliás todas as escolas esotéricas desse tempo. Posteriormente, a Iniciação nos Mistérios Cristãos passou a ter nove graus.

O segundo exemplo a que aludi mais atrás, o cerimonial de iniciação de Platão nos Mistérios de Ísis e Osíris, foi possível conhecer-se graças ao trabalho de reconstituição de dois autores franceses do séc. XIX, Charles Beaumont e Auguste Beaumont. Existe no Museu Britânico um documento com registos curiosos sobre a iniciação egípcia de Platão: começou por ser iniciado nos Mistérios gregos, do Estado, e, pretendendo seguir as pisadas de Pitágoras, partiu para o Egipto onde recebeu, em Saís, os ritos de Ísis e Osíris aos quarenta e sete anos de idade. Os referidos autores franceses compilaram uma enorme quantidade de documentação respeitante a antigos saberes e organizaram uma sucessão de cenas sob a forma teatral de um quadro vivo, alegórico, com a restauração formulaica da Iniciação de Platão. Este raro texto, a partir duma edição parisiense de 1867, vem reproduzido na íntegra, tal como o da Crata Repoa, na obra de Manly P. Hall mencionada atrás (Manly P. Hall, op. cit., pp. 136-162). Nesta encenação reconstituída, intervêm como principais personagens o faraó do Egipto, o Grande Hierofante também designado por Demiurgo, Platão, um sumo-sacerdote, três sacerdotes, adjutores sagrados, bailarinas sagradas, etc., num local secreto com sarcófagos e múmias, e o texto constitui uma elaborada trama de perguntas e respostas ritualísticas, entremeadas de provas como as clássicas do caixão e da escada, algumas delas terrificantes. O candidato deveria passar por todas elas sem hesitar nem tremer, incluso quando era confrontado com visões do futuro como por exemplo palácios desmoronados e em ruínas — consequência de se não praticar a justiça, cimento indispensável para que os impérios se mantenham, caso contrário nada restará dos mais poderosos reis da terra. No final, o candidato é coroado «Patriarca da Instituição Imortal», e torna-se um Iniciado.

Da análise deste texto, embora com todas as reservas e cautelas por se tratar duma mera reconstituição elaborada sobre fragmentos de diversas ainda que antigas proveniências, podemos constatar, mais uma vez, que nos encontramos perante uma peça ritualística onde se detectam elementos respigados dos três domínios da velha tradição místico-cultural por onde começámos a nossa indagação: a religio, a ars e a scientia, ou a «verdadeira Religião», a «verdadeira Arte» e a «verdadeira Ciência» na sua expressão triuna mais elevada: a perene unuidade transcendental do Todo.

 António de Macedo (1931, Lisboa, Portugal).
Com formação académica de arquitecto, dedicou-se às actividades de escritor, cineasta e professor, tendo sido docente em diversas instituições de ensino (IADE, Universidade Lusófona, Universidade Moderna, Universidade Nova de Lisboa-ISER, etc.). Autor de onze filmes de longa-metragem e de diversos livros de ficção e de ensaios. Destacam-se: - no ensaio: Esoterismo da Bíblia (2006), O Neoprofetismo e a Nova Gnose (2003), Laboratório Mágico (2002), Instruções Iniciáticas (1999), etc. - e, na ficção: A Conspiração dos Abandonados (2007), As Furtivas Pegadas da Serpente (2004), O Cipreste Apaixonado (2000), A Sonata de Cristal (1996), etc.
Actualmente, é doutorando em Sociologia da Cultura (Área Religiões) pela FCSH-UNL.
http://www.triplov.com/macedo/index.htm
http://en.wikipedia.org/wiki/Antonio_de_Macedo
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