Ao começar a escrever
este artigo para a Revista TriploV de
Artes, Religiões e Ciências, logo me
acudiu à memória uma curiosa passagem de Max
Heindel que diz o seguinte:
«A Religião, a Arte
e a Ciência são os três mais importantes
meios da educação humana, e constituem
uma trindade na unidade que não podemos
separar sem distorcer o nosso ponto de
vista do que quer que investiguemos. A
verdadeira Religião incorpora
tanto a Ciência como a Arte, porque nos
ensina a beleza da vida em harmonia com
as leis da Natureza. A verdadeira
Ciência é artística e religiosa no
mais elevado sentido, porque nos ensina
a ajustar-nos e a obedecer, com
reverência, às leis que governam o nosso
bem-estar e explicam por que a vida
religiosa conduz à saúde e à beleza. A
verdadeira Arte é tão educativa
como a Ciência e tão enobrecedora na sua
influência como a Religião. […] Tudo o
que careça deste ensino abrangente e
integral jamais responderá de forma
consistente e duradoura às necessidades
da humanidade. Em tempos muito remotos —
e até mais tarde, na antiga Grécia —, a
Religião, a Arte e a
Ciência eram ensinadas em conjunto
nos Templos de Mistérios. Todavia, a
partir de uma certa fase histórica,
tornou-se necessário, para um melhor
desenvolvimento e aperfeiçoamento de
cada uma delas, que se separassem
durante algum tempo» (Max Heindel,
The Rosicrucian Cosmo-Conception,
pp. 516-517).
Na continuidade,
chega-se à conclusão lógica de que, após as
«idades negras» que atravessámos e
continuamos a atravessar de conflitualidades
entre as três áreas — como por exemplo nos
tempos em que a Religião escravizava a Arte
e sufocava a Ciência, ou em seguida quando a
Ciência se sobrepôs à Religião para
subalternizá-la se não mesmo para negá-la, e
a Arte se emancipou ao ponto de se tornar
anti-religiosa e anti-científica —, chega-se
à conclusão lógica, dizia eu, de que a
Religião, a Ciência e a Arte devem voltar
a reunir-se numa só expressão platónica
do BEM, do VERDADEIRO e do BELO a fim de
evitar a calamidade que se prefigura e
avizinha de um Cosmo assolado por um novo
Caos e fracturado em contendas e
conflagrações cada vez mais convulsivas e
demolidoras.
A própria actividade do
TriploV, ao longo dos anos, sobretudo
evidenciada nos seus colóquios de
«alquimias» — e digo bem, no plural,
alquimias —, busca no fundo alicerçar-se
no passado (Alquimia) para se projectar no
futuro (re‑unidade Religião-Ciência-Arte),
pois não é gratuitamente que se diz que a
Alquimia é uma «ciência sagrada», ou
uma «arte real», e aqui a Religião, a
Ciência e a Arte aliam-se à Realeza do
rei-sacerdote que unirá as linhagens de Caim
e de Seth — os
inventores-filósofos-construtores e os
místicos eclesiais.
Que tem tudo isto a ver
com rito e ritual?
Tem no sentido em que
qualquer texto ritualístico autêntico, que
presumivelmente remontará à ancestral
prisca theologia já visionada e
defendida pelo humanista Marsilio Ficino
(1433-1499), filósofo e astrólogo do
Renascimento, congloba inevitavelmente uma
síntese dos três domínios. Para Ficino havia
somente uma única fonte de
conhecimentos e de verdade (a tal remota
unidade Religião-Ciência-Arte) donde haviam
emanado duas grandes correntes: a Teologia
cristã e a Filosofia dos Gregos, sobretudo a
de Platão, cujos sábios, ainda que
portadores de ensinamentos diferentes, no
fundo se inseriam numa mesma família, ou
numa mesma prisca theologia, isto é:
num mesmo primevo discurso divino
que, tanto para Ficino como para outros
intelectuais renascentistas, formava uma
cadeia contínua desde Zoroastro e Hermes
Trismegisto, passando por Orfeu, Aglaofemo,
Pitágoras, Platão, e as Sibilas.
Antes de seguirmos
adiante, porém, convém distinguir entre
«rito» e «ritual». Rito é um substantivo
derivado do latim ritus, ‑us,
que por sua vez deriva de uma arcaica raiz
indo-europeia *er‑, e tem o
significado genérico de forma, processo,
cerimónia, como por exemplo em ritus
sacrorum, cerimónia religiosa. Por sua
vez, ritual é o adjectivo relativo a rito,
como por exemplo em «gestos ou palavras
rituais», e deriva do adjectivo latino
ritualis, ‑e. Este adjectivo não
existia em latim clássico; surgiu nos
primeiros século dos Cristianismo e na Idade
Média, nomeadamente por influência
eclesiástica. Da forma neutra rituale
adoptou-se um substantivo neutro, rituale,
como se pode observar por exemplo no antigo
Rituale Romanum, livro litúrgico do
rito romano reunindo a liturgia dum certo
número de cerimónias católicas, incluindo
principalmente bênçãos, exorcismos
e os sacramentos, ou seja, contém
todos os serviços que podem ser
desempenhados por um sacerdote ou por um
diácono que não estejam contidos nem no
Missale Romanum nem no Breviarium
Romanum. Portanto, e para resumir, o
rito é o conjunto característico das
cerimónias que se praticam em religiões,
cultos ou organizações, desde ritos
litúrgicos até ritos maçónicos (por exemplo,
Rito Escocês), abrangendo ritos de passagem
(baptismo, puberdade, casamento), ritos de
adoração (missa cristã), ritos de devoção
(peregrinações), etc. —, ao passo que o
ritual é, de uma forma geral, o livro ou o
texto contendo a descrição dos ritos e que
consigna as formas e fórmulas que se devem
observar na prática das respectivas
cerimónias.
Estas cerimónias, quer
em ambiente pagão, quer em ambiente cristão,
assumiam (e assumem) o carácter de
encenações ou dramatizações
ritualísticas, sejam de episódios da
vida de Cristo como no rito eucarístico da
missa cristã, sejam de episódios de antigos
mitos como no caso dos Mistérios de Elêusis
cuja performance dramatizava o mito
de Deméter (Terra Mater) e sua filha
Perséfone (a Korê, ou jovem vegetação),
representando o rapto desta última pelo deus
Hades, rei dos mundos infernos (Perséfone no
submundo, vegetação oculta, meses
invernosos) e o renovo primaveril e estival
com o regresso periódico da jovem deusa às
culturas de superfície, ou seja, o seu
regresso à companhia da Grande Mãe (Magna
Mater = Terra Mater).
Mesmo considerando os
tempos em que a Religião, a Ciência e a Arte
já se haviam separado e distanciado,
vestígios da sua ancestral conjunção são
detectáveis nestes ritos, onde se articulam
inequivocamente ideias de RELIGIÃO — o
elenco de todos os processos envolvendo as
divindades na sua fase de superentidades que
evoluíram a partir de primitivas forças
naturais —, de ARTE — as teatralizações
litúrgicas de textos poéticos e respectivas
emoções estéticas —, e de CIÊNCIA,
entendendo-se neste caso a acepção
tradicional de scientia como um saber
antigo, organificado mas não no sentido
hard das tecnociências físicas de hoje,
seja esse saber secreto (esotérico) ou
divulgável (exotérico). Esta arcana
scientia equibalança-se com «sabedoria»
e não se confunde com uma fria investigação
sensorial/racional tal como tomou forma a
partir de Galileu, Newton, Lavoisier e se
conceptualizou desde os séculos XIX e XX — é
antes uma scientia que se insere no
conjunto que o esoterólogo W. J. Hanegraaff,
na sua classificação «de um corpus
esotérico referencial», designa como as três
«ciências tradicionais» (Astrologia, Magia e
Alquimia) (Wouter J. Hanegraaff, New Age
Religion and Western Culture, p. 388).
Nunca perdendo portanto
de vista que os textos ritualísticos dos
diversos tipos de Tradições, de Ordens e de
Mistérios iniciáticos se encruzilham de
Religião, Arte e Ciência, devemos igualmente
ter em conta que tais textos, nas tradições
regulares, são textos formulaicos, ou
seja, textos que reproduzem — em consonância
com uma «astrogeometria» espiritual, para
não dizer oculta —, as grandes
correspondências entre Macrocosmo e
Microcosmo, abrangendo todos os fenómenos e
segredos astrológicos, mágicos e alquímicos
aplicáveis a cada caso, de que um dos
exemplos mais flagrantes, na nossa
civilização judaico-cristã, é o do real
significado dos textos evangélicos.
Comecemos por escutar a
teosofista Helena P. Blavatsky (1831-1891),
que em confirmação do que acabou de se dizer
não hesitava em afirmar que o Cristo «é a
personificação divinizada e a glorificação
de um modelo, o dos grandes Hierofantes dos
Templos, e a sua história, tal como é
contada no Novo Testamento, é uma alegoria,
contendo sem dúvida profundas verdades
esotéricas, mas uma alegoria, em suma. Cada
acto do Jesus do Novo Testamento, cada
palavra que lhe é atribuída, cada evento
relacionado com ele durante os três anos da
missão que se diz que levou a cabo, não são
mais do que o programa do Ciclo de
Iniciação, um ciclo fundamentado na
Precessão dos Equinócios e nos Signos do
Zodíaco» (Helena P. Blavatsky, Collected
Writings, vol. 9, p. 225).
Por sua vez, e
referindo-se a certas passagens
incompatíveis entre si ou mesmo
contraditórias nos Evangelhos, o filósofo e
esoterista Rudolf Steiner (1861-1925)
acentua: «Para compreender estas diferenças
basta admitir que os quatro evangelistas
foram beber em diversas tradições místicas.
[…] Tão grande era a fé que Jesus despertava
neles pelos seus actos e palavras, que cada
um se persuadia que ele respondia ao tipo da
sua específica Iniciação. E é de acordo com
essa Iniciação que eles pintam o seu
desenvolvimento espiritual conservando ao
mesmo tempo os factos da sua vida pública» (Rudolf
Steiner, Christianity as Mystical Fact
and the Mysteries of Antiquity, pp.
99-104).
Finalmente, o místico
rosicrucista Max Heindel (1865-1919), que
citámos de início, vai mais longe e não só
relaciona as diferentes Escolas de Mistérios
Cristãos com os ciclos cósmicos mas diz
claramente que os Evangelhos são «fórmulas
de Iniciação»: «Ao contrário da opinião
correntemente aceite, os quatro Evangelhos
não são apenas a biografia de Jesus, o
Cristo, mas fórmulas de Iniciação de
quatro Escolas de Mistérios diferentes. A
fim de encobrir e velar o seu significado
esotérico, a vida e o ministério do Cristo
foram incorporados no conjunto. Isto pôde
facilmente ser feito uma vez que todos os
Iniciados, sendo personagens cósmicas,
têm experiências semelhantes» (Max Heindel,
The Rosicrucian Philosophy in Questions
and Answers, vol. 1, pp. 200-201).
Entretanto, com o
desandar dos tempos e das modas os dois
termos «rito» e «ritual» acabaram por se
confundir em certas circunstâncias, a tal
ponto que em francês, por exemplo, rite
e rituel são praticamente sinónimos,
designando de uma forma muito generalizada
uma sequência de acções padronizadas
(sagradas ou profanas) imbuídas de
significado simbólico e organizadas segundo
certos códigos e regras fixas.
De acordo com o
antropólogo James G. Frazer (1854-1941),
especialista em mitologia e religião
comparada, a concretização dos formatos
ritualísticos dos vários tipos de
cerimónias, em função das finalidades
pretendidas, passaram por evolutivas fases
no seu desenvolvimento histórico-cultural:
numa cultura primitiva, os ritos podiam ser
desempenhados por qualquer indivíduo; numa
fase posterior, essa função passou a ser
domínio de uma classe especial, os
sacerdotes ou os hierofantes. O mesmo se
passou com os lugares: de início, a
performance do rito podia decorrer em
qualquer local, mais tarde criaram-se
recintos especializados para o efeito
(templos, santuários, câmaras de iniciação).
As próprias entidades supranaturais que se
invocavam (de início apenas para obter
efeitos mágicos, mais tarde com elevados
fins propiciatórios) também evoluíram:
deixaram de ser meros espíritos associados à
natureza para passar a ser deuses na
plenitude da sua entronização divina (James
G. Frazer, The Golden Bough, pp.
476-477). Em qualquer das fases e das
circunstâncias, no entanto, preservava-se um
inalterável formalismo nos diversos ritos de
iniciação, sempre envoltos em mistérios
e marcados por provas, muitas vezes
cruéis e assustadoras, senão mesmo perigosas
(Bronislaw Malinowski, Magic, Science and
Religion, p. 38).
Os textos dos antigos
ritos perderam-se na sua quase totalidade.
Os que hoje subsistem, ou são
reconstituições de obscuros retalhos
respigados deste ou daquele autor da
Antiguidade, ou são simplesmente apócrifos.
Exceptuam-se os que se encontram preservados
nos Rituais das Igrejas e das Obediências
Maçónicas.
Sobre estes dois
últimos conjuntos não me pronunciarei,
todavia, porque já beneficiam de uma
abundantíssima literatura que os tem
reproduzido, estudado e esquadrinhado em
maior ou menor profundidade e sob os ângulos
mais diversos.
Assim, neste breve
apanhado sobre Religião, Ciência, Arte e
textos dos ritos e respectivas fórmulas
ritualísticas (e tendo em conta que a
scientia infundida nestas fórmulas
corresponde ao conjunto das «ciências
tradicionais» classificadas pelo esoterólogo
W. J. Hanegraaff, a que atrás me referi),
limitar-me-ei a concluir mencionando apenas
dois exemplos que se me afiguram
significativos: o rito Crata Repoa da
antiga Iniciação Egípcia e a reconstituição
formulaica da iniciação de Platão nos
Mistérios de Ísis e Osíris.
O primeiro apareceu num
texto alemão do séc. XVIII intitulado
Crata Repoa oder
Einweihung in der alten geheimen
Gesellschaft der Aegyptischen Priester
[Crata Repoa ou Iniciação nos
Antigos Mistérios dos Sacerdotes Egípcios].
Editado por Karl
Friedrich Koeppen e Johann Wilhelm Bernhard
Hymmen na Alemanha em 1770, consta de
uma compilação, feita por um redactor
anónimo, de textos de autores antigos
reproduzindo os rituais dos sete graus da
Iniciação Egípcia. Os principais autores
compilados, cujos extractos são alinhados
pelo anónimo redactor a fim de restaurar a
liturgia mistérica egípcia, são, entre
outros, Heródoto, Porfírio, Jâmblico,
Apuleio, Plutarco, Cícero, Arnóbio,
Heliodoro, Luciano, Rufino, etc. O
esoterista e mitólogo Manly P. Hall
(1901-1990), que em 1934 fundou a
Philosophical Research Society, reproduziu
numa das suas obras o elenco sequencial do
rito Crata Repoa integralmente
reconstituído (Manly P. Hall, Freemasonry
of the Ancient Egyptians, pp. 81-101).
Esta reconstituição de
um antigo Rito Mistérico foi possível devido
às inúmeras alusões contidas nos textos dos
autores clássicos referidos, e outros: a
maior parte dos filósofos da Antiguidade
eram Iniciados nos Mistérios, e, nos seus
escritos, ainda que de forma velada por
força da «disciplina do segredo»,
encontram-se com frequência alusões às
cerimónias dos ritos iniciáticos (e, em
certos casos, parágrafos inteiros
transcritos). O supradito anónimo redactor
coligiu essas alusões e menções,
organizou-as cuidadosamente e dispô-las por
ordem, tendo em vista que estamos perante as
palavras autênticas escritas pelos próprios
Iniciados. A Iniciação egípcia Crata
Repoa, sob esta forma, foi escrutinada
por estudiosos do oculto como Joseph-Marie
Ragon, Charles William Heckethorn, John
Yarker (detentor dos mais altos graus
maçónicos do Rito de Memphis), e incluso por
H. P. Blavatsky na sua obra Isis Unveiled.
Trata-se, como seria de esperar, de um
conjunto sequencial de encenações
ritualísticas que se desenrolam de grau em
grau, a começar pelo pedido de admissão
feito pelo aspirante, que aliás só podia
ingressar desde que fosse dotado de
qualificações excepcionais, recomendado por
um Iniciado Introdutor e expressamente
autorizado pelo faraó. Resumindo:
A admissão do aspirante
ao primeiro grau, denominado Pastophoris,
fazia-se após preparação numa câmara
subterrânea (equipolente à câmara sepulcral
dos antigos Mistérios e à «câmara de
reflexão» maçónica). Em seguida, e depois de
ter respondido correctamente às perguntas
feitas pelo Hierofante, passava por várias
provas ou provações, que incluíam percursos
circulares sobressaltados por relâmpagos,
trovões, granizo, aguaceiros, tempestades;
numa outra fase os olhos eram-lhe vendados,
até que por fim os adjutores o conduziam ao
Hierofante perante o qual se ajoelhava e
recebia um golpe iniciático desferido por
uma espada. A venda era-lhe então retirada e
o candidato via-se diante de duas colunas de
Héracles entre as quais se erguia uma escada
de sete degraus, que era obrigado a subir e
a descer, a fim de poder ser instruído nos
primeiros segredos da natureza, da arte de
curar, e do significado da doutrina dos
renascimentos (ou reencarnações). Uma vez a
recepção concluída, o aspirante — agora
neófito — recebia a palavra secreta de passe
ou de reconhecimento e era revestido com uma
túnica e um capuz e adornado com um colar
cujas borlas simbólicas lhe pendiam sobre o
peito. A partir de então, podia desempenhar
a primeira função de Guardão dos Portais dos
Homens.
Não gastaremos tempo
nem espaço a pormenorizar as cerimónias dos
graus seguintes, sempre recheadas de
dramatizações e encenações complexas e
textos mais ou menos poético-filosóficos que
se deviam recitar, além de alusões mágicas,
astrológicas, alquímicas, etc. Alinhemos
apenas a respectiva sequenciação, e uma
breve caracterização geral: 1.º Grau—Pastophoris;
2.º Grau—Neocoris; 3.º Grau—Melanophoris
ou Portal da Morte; 4.º Grau—Chistophoris;
5.º Grau—Balahate; 6.º Grau—Astrónomo
Diante do Portal dos Deuses; 7.º Grau—Profeta
ou Saphenat Pancah. Os três primeiros
graus ainda hoje encontram reminiscências
nos três graus azuis da Maçonaria regular.
Os restantes quatro graus conduziam e
elevavam o Iniciado ao resplendor do
Demiurgo, permitindo-lhe por fim que ficasse
a conhecer a Palavra Misteriosa e sendo
autorizado a ler todos os livros secretos
escritos na enigmática língua Ammónica, cuja
chave era fornecida sob o nome de código
«Viga Real». Os antigos Mistérios Mitríacos
da Escola persa tinham igualmente sete
graus, como aliás todas as escolas
esotéricas desse tempo. Posteriormente, a
Iniciação nos Mistérios Cristãos passou a
ter nove graus.
O segundo exemplo a que
aludi mais atrás, o cerimonial de iniciação
de Platão nos Mistérios de Ísis e Osíris,
foi possível conhecer-se graças ao trabalho
de reconstituição de dois autores franceses
do séc. XIX, Charles Beaumont e Auguste
Beaumont. Existe no Museu Britânico um
documento com registos curiosos sobre a
iniciação egípcia de Platão: começou por ser
iniciado nos Mistérios gregos, do Estado, e,
pretendendo seguir as pisadas de Pitágoras,
partiu para o Egipto onde recebeu, em Saís,
os ritos de Ísis e Osíris aos quarenta e
sete anos de idade. Os referidos autores
franceses compilaram uma enorme quantidade
de documentação respeitante a antigos
saberes e organizaram uma sucessão de cenas
sob a forma teatral de um quadro vivo,
alegórico, com a restauração formulaica da
Iniciação de Platão. Este raro texto, a
partir duma edição parisiense de 1867, vem
reproduzido na íntegra, tal como o da
Crata Repoa, na obra de Manly P. Hall
mencionada atrás (Manly P. Hall, op.
cit., pp. 136-162). Nesta encenação
reconstituída, intervêm como principais
personagens o faraó do Egipto, o Grande
Hierofante também designado por Demiurgo,
Platão, um sumo-sacerdote, três sacerdotes,
adjutores sagrados, bailarinas sagradas,
etc., num local secreto com sarcófagos e
múmias, e o texto constitui uma elaborada
trama de perguntas e respostas ritualísticas,
entremeadas de provas como as clássicas do
caixão e da escada, algumas delas
terrificantes. O candidato deveria passar
por todas elas sem hesitar nem tremer,
incluso quando era confrontado com visões do
futuro como por exemplo palácios
desmoronados e em ruínas — consequência de
se não praticar a justiça, cimento
indispensável para que os impérios se
mantenham, caso contrário nada restará dos
mais poderosos reis da terra. No final, o
candidato é coroado «Patriarca da
Instituição Imortal», e torna-se um
Iniciado.
Da análise deste texto,
embora com todas as reservas e cautelas por
se tratar duma mera reconstituição elaborada
sobre fragmentos de diversas ainda que
antigas proveniências, podemos constatar,
mais uma vez, que nos encontramos perante
uma peça ritualística onde se detectam
elementos respigados dos três domínios da
velha tradição místico-cultural por onde
começámos a nossa indagação: a religio,
a ars e a scientia, ou a
«verdadeira Religião», a «verdadeira Arte» e
a «verdadeira Ciência» na sua expressão
triuna mais elevada: a perene
unuidade transcendental do Todo. |