Sombras raptadas
Imagens poéticas de Floriano Martins
....Se
a poesia, como já se disse, é a
transfiguração da realidade, a pintura (e de
verdadeira pintura se trata - ainda que
feita por outros meios – nestas 14 tramas
plásticas, como o autor lhes chama) é a
transmutação da(s) imagem(s) que dessa
realidade possuimos.
O fogo, a terra, a água e o
ar são os elementos pelos quais a imaginação
do mundo vai ao encontro da realidade
palpável da matéria, da substância
intemporal que anima a vida. Mas estes
elementos não são apenas os canónicos da
tradição e do conhecimento, sofreram
transformações matéricas sob acção do Homem,
dos tempos e das civilizações – o que fica
bem expresso nestas sombras raptadas
ondese faz aparecero rio e a
montanha, a terra calcinada e a floresta
ubérrima, mas também os ferros retorcidos de
um terrain vague, a ponte vicinal
para algures ou para nenhures, o papel
escrito e os pincéis em desordem, a sugestão
de planetas que se demoram sobre um corpo, o
infinito de pensamentos e de utensílios e de
membros (pernas, mãos, braços) revelando-se
subitamente. Plasmados num tempo, num
espaço, num continente divisado (sugerido?).
Nomes: nomes de sombras e
sombras de nomes que de repente encarnam
numa evidente recordação. O amor é uma
infinita repetição, já o dizia o Poeta
ao apontar para o facto de que, em tudo,
existem sempre o lado de dentro e o de fora
e é fundamento do artista jungi-los,
irmaná-los, permitir-lhes coexistir
soberanamente uma vez limpos, reconfigurados
pelo seu poder regenerativo de real
taumaturgo secular.
Como se fosse num sonho, a
figura destas mulheres nomeadas propaga-se
nas existências que as contemplaram, nos
seus fragmentos e recorrências de agora. E
se, como dizia Pierre Mac Orlan, nós
somos de madeira, de erva e de barro,
simples vegetais que nada têm de comum com
alguém cujas ideias pesam mais que todas as
cosmogonias conhecidas, multiplicadas por um
poder sem limites, é igualmente certo
que no nosso eu profundo existimos sem
barreiras. Floriano Martins, à sua maneira,
aí está para o demonstrar.
Floriano
Martins (Fortaleza, 1957) Poeta, ensaísta,
tradutor, editor e artista plástico.
Participou das seguintes mostras
coletivas:
“O surrealismo”
(Escritório de Arte Renato Magalhães
Gouvêa, São Paulo, 1992),
“Lateinamerika und der Surrealismus”
(Museo Bochum, Köln, 1993), “Collage
- A revelação da imagem” (Espaço
expositivo Maria Antônia/USP, São
Paulo, 1996), e “I
Muestra Internacional de Poesía
Visual y Experimental” (Escuela de
Artes Plásticas Armando Reverón,
Caracas, 2009). Em 2005, participou
como “artista convidado” da edição #
17 da Agulha – Revista de Cultura,
com uma mostra de 50 colagens.
Assina diversas capas de livros seus
e de outros autores. Em maio de 2000
realizou o espetáculo Altares do
Caos (leitura dramática
acompanhada de música e dança), no
Museu de Arte Contemporânea do
Panamá. Um ano antes também havia
realizado uma leitura dramática de
William Burroughs: a montagem
(colagem de textos com música
incidental), na Biblioteca Mário de
Andrade, em São Paulo. Em 2006, a
mostra Teatro Impossível,
reuniu leitura de poemas, canções,
colagens e fotografias (Centro
Cultural Banco do Nordeste,
Fortaleza). Espetáculo similar
realizou em 2009, durante o Festival
Internacional da Cultura (Colombia).
Esteve presente em festivais de
poesia em países como Chile,
Colômbia, Costa Rica, República
Dominicana, El Salvador, Equador,
Espanha, México, Nicarágua, Panamá,
Portugal e Venezuela. Coordena a
coleção “Ponte Velha”, de autores
portugueses, da Escrituras Editora.
Em 2009, publicou os seguintes
livros:
A alma desfeita em
corpo
(poemas,
Lisboa), Fuego en
las cartas (antologia poética,
Espanha),
A inocência de Pensar
(ensaios, Brasil) e
Escritura
conquistada.
Conversaciones con
poetas de Latinoamérica.
2 tomos (entrevistas, Venezuela).