Com o número
02 (dois) damos início à publicação de uma
nova revista, que se espera venha a ser nova
para além do facto circunstancial de ter
nascido agora, em finais de 2009.
Toco com este
intróito um dos dois problemas que ela
levanta no meu espírito. Primeiro, a questão
do novo, relacionada com o desejo, a pulsão
para a utopia: gostava tanto que a
Revista TriploV de Artes, Religiões e
Ciências viesse a ser a Orpheu do
século XXI!... Ou mesmo a VVV,
fundada por André Breton em Nova Iorque... Vou fazer um esforço, mas o
que é preciso para tanto?
Bem, passemos
adiante, passemos adiante da facilidade de
criar mais uma revista que se limita a
divulgar certo número de casos e coisas, e
da impossibilidade de criar sozinha, ou de
braço dado com Floriano Martins, um objeto cultural
que traga dentro a pólvora, o rastilho e a
explosão de um mundo novo. Entre vencer
novos Trabalhos de Hércules, e receber
algumas dádivas dos deuses, era preciso que
se vislumbrasse no horizonte um clarão de
ideias novas para a arte, de soluções da
ciência para a sobrevivência de Gaia, a
nossa casa global, e de um caminho das religiões
para a salvação da nossa graça.
Em suma: uma
revista nova nas propostas e manifestações
artísticas depende de novas ideias da
Filosofia, de novos paradigmas científicos,
de novos sistemas políticos, de novas
doutrinas religiosas e, naturalmente,
daquilo que tanto tem apoiado os artistas -
a tecnologia. Novas tecnologias abrem a
porta a novas expressões da arte. Nós somos
uma revista em suporte electrónico,
publicada na Internet, com alguns textos
específicos do meio (sem possibilidade de
circulação fora dele), e só isso já nos
assegura a novidade que partilhamos com as
congéneres e parte da originalidade que nos
é intrínseca.
Não me esqueço da singularidade de cada artista, ela existe e contribui para o mundo novo, mas não basta se o mundo não estiver apto a mudar em coletivo e no seu todo.
Sem uma
revolução no horizonte, a língua da arte não
alcançará mais do que balbuciar o possível.
Por isso a revista será o que viermos a
fazer dela, todos os que nela participarmos,
e não a obra que Floriano Martins e eu devaneamos.
Não temos o poder de criar um mundo novo a
partir do ovo da nossa fantasia. Podemos
no entanto estar no lugar certo na hora certa, isso,
sim... E ter criado já um espaço de acolhimento para jovens artistas que nos apareçam nascidos num tempo de mudança. Ficamos de orelha à escuta dos
sinais para nos incitarmos à alegria da criação.
O
que pomos da mesa de sugestivo, para nos
inspirar, além da internacionalidade e dos
falares diversos, portanto das diferentes
culturas, é uma série de três vasos com
distintos elixires mágicos: artes,
religiões e ciências, na riqueza enorme da
sua pluralidade. Não, não se trata de a
revista se dividir em três partes ou de
podermos distribuir ordeiramente as matérias
em três gavetas. Vamos nós, gente das
ciências práticas, naturais e exactas,
ocupar-nos, por exemplo, da poesia. Pensam
que não existe ciência e arte nos textos dos
ritos religiosos? Sim, alguém há de aparecer
a mostrar-nos essa coabitação, que é um
caminho. E julgais que
não existe mito e ficção no texto
científico? Pois bem vos enganais, a ciência
já foi e ainda é, para muitos, uma religião. Que a
arte mistura tudo, e mais do que isso, no
mesmo cadinho, já o sabíamos.
Que os três
elementos circulem nos vasos comunicantes,
eis o desejo. Podem ser mais de três os
vasos, nada de limites. Só o símbolo precisa
de ser contido, as frases não devem ser
excessivas, os nomes ficam mais belos se
reduzidos. Eis então o que proponho, com a cumplicidade de Floriano
Martins: tendamos para o alto e para o belo,
e não tenhamos medo do impossível.
Maria Estela
Guedes
Britiande,
22.10.09 |