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A América defendida por Miguel
Grinberg
Floriano Martins
[entrevista]
Página ilustrada com obras da
artista Aline Daka (Brasil) |
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Miguel Grinberg (Argentina, 1937) é
um dos nomes de destaque no cenário
das vanguardas na América Latina.
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Criador e
diretor da histórica revista Eco
Contemporáneo – que circulou de 1961 a 1969
–, Grinberg deu uma luz muito singular ao
cenário da contracultura, sobretudo com a
realização do I Encontro Americano de
Poetas, realizado na capital mexicana em
1964, evento que é o pioneiro de todos os
encontros internacionais de poetas que até
hoje seguem se realizando em todo o
continente. Também dirigiu, de 1980 a 1987,
uma outra revista, Mutantia, e organizou um
volume crítico sobre a Beat Generation
intitulado Beat days (2003). Dentre seus
livros se encontram Celebración de la vida
intensa (2006) e Como vino la mano –
Orígenes del rock argentino (2008). Um dos
méritos fundamentais de Miguel Grinberg e
sua revista, Eco Contemporáneo, foi o de
haver fundado um movimento baseado na
fraternidade entre os homens, sua crença na
ação poética interamericana. Logo em seu
primeiro editorial a revista afirma:
“América nunca foi América. Não apenas
porque não a deixaram desenvolver-se, como
também porque sempre a tergiversaram.” Em
seguida propunha: “Por que não todos os
sub-americanos unidos e enfrentando
mutuamente as necessidades que sozinhos e em
conjunto possamos resolver?” E conclui
afirmando que seus editores crêem que
“denunciar todos os disfarces do grotesco
carnaval estrangeirizante – exceto os limpos
envios artístico-culturais e científicos – é
ajudar a ressurgir os cadáveres que
enterraram os endinheirados coveiros da
cultura”. Este diálogo se realizou em junho
de 2009 e integra o volume Um pouco mais de
surrealismo não causará dano algum à
realidade, em fase de conclusão. [FM] |
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FM | O livro do Willer se chama
Anotações para um apocalipse (1964).
O título que mencionas é do
manifesto que integra a edição. Como
compreendes a ausência reincidente
do Brasil em um panorama cultural
latino-americano?
MG | Não posso falar da América
Latina em geral, exceto que os
hispano-americanos têm dificuldade
para sintonizar o idioma português.
Porém posso assegurar que o Brasil
esteve e está muito presente na
Argentina, a partir da Bossa Nova e
da MPB. Os nomes de Carlos Drummond
de Andrade, Thiago de Mello,
Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira
ou João Cabral de Mello Neto, sempre
tiveram eco em nossas revistas
literárias. Mesmo considerando que
certamente a difusão poética nunca
foi massiva. O copyright da nula
difusão poética brasileira nas
capitais do Sul hispano-falante é
exclusividade dos adidos culturais
das Embaixadas do Brasil. |
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FM | O que
levou ao final de Eco Contemporáneo? Quando
e por que a revista deixou de circular?
MG | Um dia
recebi o texto Fronteiras e dimensões do
grito, onde Claudio Willer citava amplamente
um manifesto de Ginsberg que traduzi e
publiquei no número 5 de Eco Contemporáneo.
Demos início ali a uma amizade que segue até
os dias atuais. À distância, recordo que El
Corno Emplumado se esforçou por publicar
poesia brasileira. Em fevereiro de 1964,
pensávamos em fazer o Segundo Encontro no
Rio de Janeiro, com apoio dos poetas locais,
a embaixada argentina (onde trabalhava o
poeta Alejandro Vignati, a essa altura
incorporado ao nosso grupo) e a União
Nacional dos Estudantes. Porém quando em
abril vi no New York Times a foto do prédio
incendidado da UNE, logo após o golpe
militar, soube então que no Cone Sul vinham
tempos difíceis. Eco Contemporáneo deixou de
ser uma revista literária e passou a
documentar o pensamento transformacional. O
Brasil não participou muito de tudo isto.
Depois, entre 1982 (casei com uma brasileira
nascida em Petrópolis) e 2007, vivi
parcialmente em Campinas e a história foi
diferente, porém em torno da ecologia social
(fui um protagonista da ECO 92, no Rio). |
MG | O
ciclo dos ’60 terminou após o
Massacre de Tlatelolco (2 de outubro
de 1968) que El Corno Emplumado
condenou, o que obrigou Margaret
Randall a buscar asilo em Cuba com
seus três filhos. Anne Mette Nielsen
e Nicolenka Beltrán filmaram, em
2005, um esplêndido documentário
sobre aquela história nossa dos ’60.
Eu parei de publicar Eco
Contemporáneo em 1969 e de imediato
comecei a revista Contracultura, com
Antonio das Mortes nas capas. Depois
editei uma revista de cinema e
comecei a fazer programas de rock
por rádio, até começar a edição da
revista Mutantia, nos ’80, onde
traduzi e publiquei Willer, Luiz
Carlos Maciel, Artur da Távola e
outros pensadores brasileiros. Agora
estou compilando, já era hora, um
livro sobre o Movimento Nova
Solidariedade. |
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Os manifestos
da Geração Beat eu já os publiquei em um
livro intitulado Beat days. A plataforma
contracultural argentina está registrada em
meu livro La generación V. minha história do
rock argentino está contada no livro Como
vino la mano, que já se encontra na 4ª
edição. Hoje não publico revistas, mas sim
uma dezena de blogs.
FM | Eco
Contemporáneo é das revistas mais
consistentes em termos de conteúdo de sua
época. A opção por uma pauta de ensaios,
enquetes e manifestos funcionou bem como
complemento à opção por um destaque à poesia
nas demais revistas. Como surge Eco
Contemporáneo e qual sua repercussão
internacional?
MG | Minha
revista foi o resultado de uma progressão de
acontecimentos que foram se entrelaçando em
minha vida a partir de 1957, quando eu tinha
20 anos. Cursava o terceiro ano da Faculdade
de Medicina de Buenos Aires e a vida
universitária de então, sob um governo
militar, era existencialmente chata e
culturalmente medíocre: estava politicamente
dividida entre os dois antiperonismos
daquela época, o católico e o comunista. Eu
me refugiava quase diariamente no consumo de
filmes, especialmente cinema de arte. |
Quando
criança, minha mãe me havia inscrito
no Liceu Britânico, e eu dominava o
idioma inglês. Lia como louco as
revistas norte-americanas que
conseguia nas bancas da rua Florida:
Time, Life, Newsweek, Look. Foi
assim que me inteirei da aparição da
Geração Beat nos Estados Unidos e
dos Angry Young Men na Inglaterra.
Lia também O Cruzeiro do Brasil,
Ercilla do Chile e Bohemia de Cuba.
Era uma febre: por fora da
superficialidade comercial da época
senti o nascimento de algo novo.
Através da livraria inglesa
Pigmalion consegui On the road, de
Jack Kerouac, e Howl, de Allen
Ginsberg. Em 1958 larguei a
universidade e me pus a estudar
artes cênicas na escola da Sociedade
Hebraica. Uma companheira me
apresenta a obra de Albert Camus:
fiquei alucinado com O Homem
Revoltado. Meti-me no movimento de
teatro independente, então
potentíssimo. |
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Em 1959
traduzi uns poemas de Ginsberg e escrevi
para a editora City Lights, de São
Francisco, pedindo permissão para
publicá-los em revistas literárias. O
próprio poeta me respondeu, do Tanger, e nos
tornamos amigos por correio. Começaram a ser
conhecidos na zona do Rio de Prata os filmes
de Ingmar Bergman. Avançava a Revolução
Cubana. Os chineses invadiram o Tibet.
Descobri Pablo Neruda. E escrevi meus
primeiros poemas. Em seguida apareceu a
Nouvelle Vague do cinema francês. Em 1960
tivemos dois eventos cruciais: a estréia de
La Dolce Vita, de Federico Fellini e, em
setembro, a eclosão da Bossa Nova, no Rio de
Janeiro. Meu querido amigo Zito decidiu ir a
Nova York, para estudar no Actor’s Studio.
Perseguindo jovens atrizes eu me havia
tornado amigo de um talentoso escritor
desconhecido, Antonio Dal Masetto, também
ele enamorada da bossa brasileira. Ao final
de 1960 nós dois pusemos o “pé na estrada” e
passamos a noite do Ano Novo acampados nas
Cataratas do Iguaçu. Uma semana depois
chegamos no Rio de Janeiro: nos deram
alojamento na Casa do Estudante do Brasil, a
curta distância do aeroporto Santos Dumont.
Conheci alguns poetas cariocas, dentre eles
Walmir Ayala. Almoçava por dois cruzeiros em
um restaurante estudantil chamado O
Calabouço. Com permissão especial do
delegado local fomos os primeiros a dormir
em uma barraca na praia de Paquetá. Depois
permaneci três meses ancorado na praia de
Ipanema, enamorado de uma pintora, incluindo
o Carnaval. Regressei a Buenos Aires
alucinado, com livros de Drummond de Andrade
e Clarice Lispector, e muitos discos. Havia
descoberto o movimento Nadaísta da Colômbia,
novos poetas peruanos, mantinha
correspondência com Lawrence Ferlinghetti e
LeRoi Jones. Travei amizade com o mestre
surrealista Aldo Pellegrini. Procurei
publicar todo esse material em revistas de
Buenos Aires, porém tanto as publicações “de
esquerda” como “de direita” manifestaram
desprezo pelas novas correntes
latino-americanas. Eco Contemporáneo nasceu
em uma noite de primavera em um bar junto ao
cine de arte Lorraine e em frente ao Teatro
Municipal (Avenida Corrientes) quando,
juntamente com Dal Masetto e Juan Carlos de
Brasi (um estudante de filosofia), decidimos
fazer nossa própria revista. Surgiu então ao
final de 1961.
FM | Quais
antecedentes de Eco Contemporáneo poderiam
ser localizados na Argentina?
MG | Não havia nada parecido ao que nós
fazíamos. Exceto dois grupos literários que
também haviam sintonizado a freqüência da
poesia “Beat” e que a traduziram e
publicaram em suas edições: Aguaviva (com os
poetas Eduardo Romano, Susana Thénon e
Alejandro Vignati) e Airón (com escritores
como Lenadro Katz, Eduardo Costa, Marta
Teglia e Basilia Papastamatiu), publicaram a
primeira tradução de Uivo.
FM | Mencionaste o nome de Aldo Pellegrini.
Ele e os demais poetas surrealistas. Qual
relação mantinhas com esses poetas e suas
revistas? |
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MG | Aldo era um ser excepcional,
vivia poeticamente e me premiou com
sua amizade durante as tertúlias dos
sábados pela manhã na livraria
francesa Galatea. Para ali confluíam
para conversar muitos poetas, em
particular os integrados ao grupo
Poesía Buenos Aires, já ativos desde
os anos 50: Raúl Gustavo Aguirre,
Rodolfo Alonso, Enrique Molina,
Edgar Bayley… e muitos outros como
Mario Trejo, Franco Mogni.
Pessoalmente, a mim não me atraía o
surrealismo, por questões
ideológicas: não me interessava
Europa, e sim América. Li os
manifestos de Breton e senti que
repudiava um mundo alheio à minha
natureza americana. Eu o vivi como
algo de outro planeta. No entanto,
Aldo me indicou leituras cruciais,
como Antonin Artaud e Arthur Rimbaud,
que eram “iracundos” à sua maneira.
Em seus últimos anos Aldo criou a
Livraria do Dragão no centro de
Buenos Aires, e eu o visitava com
freqüência. Seu setor de poesia do
mundo era sensacional. Surrealistas
foram nossas conversas. |
FM | O
número inicial de Eco Contemporáneo
é já um forte exemplo da qualidade
da revista e, sobretudo, de sua
conexão com os acontecimentos mais
importantes em todo o continente.
Desde a enquête sobre o ambiente
político-ideológico
latino-americano, passando pelo
depoimento de LeRoi Jones sobre sua
visita a Cuba, a declaração dos
nadaístas sobre o Congresso de
Escrivões Católicos, até o panorama
da poesia brasileira anotado por
Walmir Ayala. O parágrafo inicial do
primeiro editorial assim declara: “A
América nunca foi América. Não
somente porque não a deixaram
desenvolver-se, mas sim também
porque sempre a tergiversaram.”
Vamos dar um salto no tempo e trazer
para os dias de hoje esta afirmação.
Qual a sua atualidade?
MG | Querido poeta: há 50 anos nosso
destino continental estava dando
seus primeiros brotos geracionais,
como um jardim jovem em meio a
mausoléus e ruínas ideológicas. No
mesmo momento em que encadernávamos
Eco Contemporáneo em todas as
grandes cidades da América Latina
havia jovens poetas que faziam o
mesmo, impulsionados pela mesma
paixão, o mesmo amor fraternal. Em
meados de 1961 começamos a permutar
revistas, cartas e poemas por
correio. Segue sendo totalmente
atual (potenciado pela Internet)
porque a confluência das Américas
precisou sempre de poesia, porém
também de arte, espiritualidade,
ecologia e – agora mesmo – de uma
visão política e profética. Durante
décadas foi uma semeadura artesanal.
Hoje temos que fecundar as almas de
povos já maduros para a grande
comunhão americana. É uma boda de
evolução revolucionária e um
amanhecer de transcendência coletiva.
FM | Recordo aqui o Movimento Nova
Solidariedade e o I Encontro
Americano de Poetas (1964), que foi
uma iniciativa tua. Por qual este
encontro se realizou no México e não
na Argentina, que seria uma opção
natural, considerando ser teu país e
também onde era feita a revista Eco
Contemporáneo?
MG | Eco Contemporáneo nasceu como
“revista interamericana”, não como
revista “argentina”. A grande ponte
entre o Norte e o Sul latino era
encarnada no México pela revista El
Corno Emplumado. Quando fundei o
Movimento Nova Solidariedade, em
1962, recebi mais apoios do exterior
do que de meu país. Julio Cortazar
aderiu, desde seu exílio na França,
assim como o fizeram Henry Miller e
Thomas Merton, dos Estados Unidos. O
México estava a “meio caminho” para
todos. E o poeta Efraín Huerta
conseguiu ali o Clube dos
Jornalistas como sede do Primeiro
Encontro. Enquanto isto, em Buenos
Aires, estávamos sob um regime “de
fato”, depois que o presidente
Arturo Frondizi foi deposto e preso
na Ilha de Martín García, a 28 de
março de 1962. Foi substituído por
um presidente títere, porém quem
mandava eram os militares. Margaret
Randall, Sergio Mondragón e Thelma
Nava (de Pájaro Cascabel)
organizaram maravilhosamente o
encontro. Eu sonhava e eles
concretizavam os sonhos. Poesia
pura.
FM | Tenho insistido junto a
protagonistas da época, a exemplo de
Margaret Randall, Jotamario Arbeláez,
Juan Calzadilla e Ulises Estrella, a
respeito das conexões possíveis
entre Surrealismo e Beat Generation.
Inclusive indagando sobre a
existência ou não, nos anos 60, do
que se poderia identificar como uma
segunda vanguarda, considerando que
a criação artística da época não
poderia ser caracterizada como uma
expressão tardia do primeiro momento
das vanguardas. Qual a tua opinião a
respeito?
MG | Pessoalmente eu não distingo
conexões entre Surrealismo e Geração
Beat durante a década crucial dos
’60 na América Latina. Tanto nas
artes visuais como na poesia houve
expressões surrealistas
reconhecíveis, porém meramente
individuais, focais: não se
constituíram como um movimento.
Trata-se de duas latitudes da mente
absolutamente singulares. O “Beat”
está empapado de jazz e de rock. O
surrealismo tratou de não ser
arrastado pela agonia da Europa. O
“Beat” é um cerimonial do Novo
Mundo.
FM | Houve grupos declaradamente
surrealistas, a exemplo de
Mandrágora, no Chile, e Refus
Global, no Canadá. E pensando como
expressões individuais (não há outra
maneira de se atestar a grandeza
estética de um poeta), o surrealismo
na América Latina revelou poetas
magníficos, a começar pelos
argentinos Enrique Molina e
Francisco Madariaga. De qualquer
maneira, pelo que me dizes dá-me a
impressão de que consideras que a
Beat Generation é o movimento de
força em nosso continente, mais
atuante e renovador. É isto?
MG | Até o final dos anos ’50 o
surrealismo teve uma presença
poética vigorosa em nossa zona do
mundo. Porém ao despontar os anos
’60 a Geração Beat primeiro e,
depois o folk de Bob Dylan, e quase
em seguida o rock, marcaram outra
atitude e outra sensibilidade. Em
nenhum momento tratamos de ser
“beats” como os norte-americanos. O
rock argentino surgiu com
personalidade própria. Criamos nossa
própria contracultura. E não ficamos
cristalizados na poesia ou na
música, também incorporamos a
ecologia e a espiritualidade.
FM | Dentre as cartas publicadas em
Eco Contemporáneo # 4, destaco uma
de Sergio Mondragón que parece ser a
súmula de uma discussão contigo a
respeito da dupla face da revolução,
ou das relações entre conhecimento e
revolução. Há um trecho em que
Mondragón sugere o que nitidamente
seria um ardil, o fato de que a
revolução poderia não passar de um
pretexto para gerar a desorientação
em termos existenciais. Conta-me
algo acerca do diálogo que então
mantinhas com Mondragón a este
respeito.
MG | O impacto da Nova Solidariedade
foi tão grande em Cuba que um ano
depois do Encontro no México a Casa
das Américas de Havana nos convidou
para ser Jurados do famoso prêmio
literário dessa entidade, em
fevereiro de 1965, presidida por
Haydeé Santamaría, figura da
Revolução. Fomos Allen Ginsberg, o
venezuelano Edmundo Aray, do Techo
de la Ballena, o dadaísta Elmo
Valencia e o anti-poeta chileno
Nicanor Parra. Ginsberg levou seus
discos de Bob Dylan e eu os dos
Beatles, os primeiros que entraram
na ilha. Uma tarde, Haydeé me
mostrou uma carta que lhe havia
enviado “la creme” dos poetas
comunistas da Argentina. Então me
perguntou: “São amigos teus?” Olhei
os nomes e respondi: “Eu os conheço
de vista, nada mais”. O texto
repudiava minha presença em Cuba,
sustentando que eu “não era
representativo”. E tinham razão:
sustentei que eu sou um poeta
profético e libertário, e que
represento unicamente a revolução
dos corações, ao diabo com a
ideologia. Devolvi a carta à heroína
de Sierra Maestra. Ela a rasgou em
quatro e a jogou em um cesto de
lixo. Na época, os poetas e
prosadores da Casa das Américas
traduziam os “Beats” e os publicavam
no suplemento literário do jornal
Lunes de Revolución, enquanto
lutavam contra os stalinistas da
União dos Escritores, presidida por
Nicolas Guillén. Recordo minha
última reunião com Mondragón (atualmente
um especialista em budismo) há um
ano em Buenos Aires, juntamente com
Mario Pellegrini (editor, filho de
Aldo) e Leandro Katz. Brindamos com
bom vinho e celebramos o
revolucionário ato de seguirmos
vivos.
FM | Com que intensidade e
freqüência o Brasil participava de
um cenário tomado por revistas tão
expressivas quanto Eco Contemporáneo,
El Corno Emplumado, Rayado sobre el
Techo, Nadaísmo, Yugen, El Pez y la
Serpiente, Pucuna etc.? |
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Floriano Martins (Brasil, 1957).
Poeta, ensaísta, tradutor. Um dos
editores da Agulha. Contato:
floriano.agulha@gmail.com.
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