Revista TriploV DE Artes, Religiões e Ciências

Direção|Maria Estela Guedes & Floriano Martins

PÁGINA INDEX | HOME Número 01|Homenagem à Agulha. Decalque do nº 70 e último. Setembro de 2009

 

NÚMERO 01

 

 

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OLHAR A LINGUAGEM:

DAS VISÕES ROMÂNTICAS AOS MODELOS SOCIOCOGNITIVOS

 MÁRCIO XAVIER SIMÕES

Página ilustrada com obras da artista Aline Daka (Brasil)

O mundo de operação do pensamento poético é a imaginação e esta consiste, essencialmente, na faculdade de relacionar realidades contrárias ou dessemelhantes. Todas as formas poéticas e figuras de linguagem têm um traço em comum: procuram e, com freqüência, descobrem semelhanças ocultas entre objetos diferentes. Nos casos mais extremos, unem os opostos. Comparações, analogias, metáforas, metonímias e os demais recursos da poesia: todos tendem a produzir imagens nas quais se juntam isto e aquilo, o um e o outro, os muitos e o um. Octavio Paz

Todo pintor visionário é antes de tudo um grande realista. Murilo Mendes

I

Indagar sobre diferentes concepções de linguagem equivale a indagar sobre diferentes formas de organizar a realidade e proceder no mundo, tanto de forma individual quanto coletiva.

    À história material de uma cultura corresponde, justamente, a história de suas diferentes “versões públicas do mundo”, das diversas e cambiantes maneiras de explicá-lo e dar coerência aos fatos.

Limitando-se ao heterodoxo complexo de culturas e países a que nomeamos de Ocidente, podemos traçar como dominante e determinante ao longo da nossa história uma concepção de linguagem – seja pictórica ou linguística – que entende esta como representação do real, cujo exemplo mais acabado seria o retrato renascentista ou a literatura de cunho realista. Caberia à linguagem uma função meramente descritiva, referencial, correspondendo a cada objeto do mundo uma determinada palavra ou imagem. Por trás dessa concepção de raiz aristotélica, está a ideia de que há um real pronto, imutável e fixo, pré-existente à ação humana e linguística sobre ele. Foi esse, com efeito, o entendimento de linguagem que, oriundo da magna Grécia, atravessou incólume toda a Idade Média. Na modernidade, são tributárias dessa visão de linguagem e realidade as filosofias racionalistas tais como o cartesianismo, o iluminismo francês, e já no século XIX, o positivismo e a filosofia analítica. Amparadas na Lógica, buscavam o refinamento de uma linguagem puramente referencial, matemática, dedutiva e representativa.

Não obstante, a partir da segunda metade do século XX, essa concepção começa a cair por terra tanto dentro da Filosofia da Linguagem como na Linguística. A crítica vai recair sobre um pressuposto básico da visão representacionista: o da separação entre mente e corpo. De fato, dois fatores fundamentais da percepção humana estavam ausentes das teorias clássicas sobre a relação linguagem e realidade: o corpo e a experiência interativa com o mundo. Isso porque uma linguagem lógica, abstrata, matemática, não precisa de nenhuma experiência corporal, mas apenas formal. Ao se conceber uma linguagem sem corpo e sem experiência, a linguagem abstrata e formal da Lógica foi naturalizada, associando-se ao próprio funcionalmente da mente e cognição humanas.

Da mesma forma, implicava em outro forte dualismo formal entre interioridade – onde estariam os aspectos mentais e cognitivos – e exterioridade, na qual se localizavam, de forma isolada e estanque, os aspectos sociais e culturais.

As mais recentes correntes de estudos linguísticos, cognitivos e filosóficos, por sua vez, têm adotado uma ideia de cognição e linguagem como fenômenos fundamentalmente corporificados, na qual mente e corpo não estão separados. Para tais teorias, a cognição e a linguagem se situam e se constituem a partir da experiência corporal e sociocultural, de onde emergem as categorias conceituais e linguísticas. Contrariam, assim, o pressuposto aristotélico de que as categorias deveriam ser buscadas na estrutura do próprio real. Nesta abordagem, cognição e linguagem, cultura e realidade social são compreendidas como aspectos imbricados, em permanente relação de interatividade nos processos humanos de construção de sentido e ordenação da realidade. Também não se sustenta, desse modo, o dualismo interioridade/exterioridade das ciências cognitivas clássicas. A partir desta perspectiva, a estrutura da linguagem passa a ser encarada como reflexo de processos gerais de pensamento que os indivíduos elaboram ao criarem significados, adaptando-os a diferentes situações de interação com outros indivíduos. A linguagem passa então a ser tratada como um conjunto complexo de atividades comunicativas, sociais e cognitivas integradas com o resto da psicologia humana.

A partir daí, começa a cair por terra a ideia de que lidamos com um real preexistente à ação humana e linguística no mundo. De fato, a linguagem não discorre simplesmente sobre o mundo, mas dá trato ao mundo e às coisas deste mundo. É exatamente durante o ato de “falar sobre” que ela o elabora e reescreve – ressalta as nuances que escolhe, esconde propositadamente outros aspectos. Sem retratar a realidade, agencia realidades. Nesse sentido, observa Franchi, em texto sugestivamente intitulado Linguagem: Atividade Constitutiva, que não há “nada imanente na linguagem, salvo sua força criadora e constitutiva”, assim como não há “nada de universal, salvo o processo de tal atividade” (p.31-32). A linguagem, não é, portanto, apenas um dado ou resultado, mas elemento do processo complexo que constitui esses dados e resultados, processo que articula habilidades discursivas, cognitivas e gramaticais em plena interação nas atividades de produção de sentido.

As novas teorias sobre a linguagem, portanto, afirmam que a função primeira desta é constituir, dar elaboração e sentido às coisas, organizar as diferentes experiências, tendo antes um valor mais constitutivo/criativo do que representativo. A partir daí, temos uma concepção de realidade emergindo da interação do organismo humano com os dados e fatos físicos do mundo. Ao invés de uma realidade pronta, acabada, lá fora, nos deparamos com uma imensidão de percepções físicas de realidades que se encontram continuamente em interação e mutação, e que se configuram a partir de nós, na medida em que organizamos – social e intersubjetivamente – a nossa relação com aquilo com que nos deparamos.

Dentre outras coisas, a linguagem é a nossa maneira de deter a velocidade do mundo, de estender o tempo de duração das coisas e eventos para que possamos apreendê-los, imputando-lhes sentido, coerência e continuidade. Outra consequência importante desta concepção dinâmica de real é a noção de que não temos acesso às coisas tal como elas são, mas acessamos apenas a maneira como elas nos parecem ser. Desse modo, podemos afirmar que não apenas fatores biológicos, mas igualmente culturais, são determinantes da maneira como percebemos e agimos no mundo. E na cultural a linguagem é o veículo por excelência. Através dela apreendemos, acessamos e transformamos nosso entorno. Se é verdade que nenhum símbolo é “o” real em si mesmo, acessamos diferentes níveis da realidade através deles. E pela linguagem se vai ao mundo.

Em entrevista concedida à Revista Virtual de Estudos da Linguagem, em agosto de 2003, a linguista Ingedore Villaça Koch afirma que

Os textos, como forma de cognição social, permitem ao homem organizar cognitivamente o mundo. E é em razão dessa capacidade que são também excelentes meios de intercomunicação, bem como de produção, preservação e transmissão do saber. Determinados aspectos de nossa realidade social só são criados por meio da representação dessa realidade e só assim adquirem validade e relevância social, de tal modo que os textos não apenas tornam o conhecimento visível, mas, na realidade, sociocognitivamente existente. A revolução e a evolução do conhecimento necessitam e exigem, permanentemente, formas de representação notoriamente novas e eficientes.

A linguagem do dia a dia passa a ser então compreendida como a maquinaria do próprio pensamento e a única forma pela qual acessamos o nosso entorno sociocultural.

 

 

II

A linguagem não é somente um processo de representação, de que se podem servir os discursos demonstrativos e conceituais, mas ainda uma prática imaginativa que não se dá em um universo fechado e estrito, mas permite passar, no pensamento e no tempo, a diferentes universos mais amplos, atuais, possíveis, imaginários.

 C. Franchi

 

 

Se é a partir do início do século XX, com os trabalhos do segundo Wittgenstein, a Teorias dos Atos de Fala de Austin, a pragmática, e, posteriormente, com a Linguística Sociocognitiva da década de 70 em diante, especialmente, que o modelo referencial da linguagem vai ser definitivamente abandonado e reelaborado, podemos, no entanto, localizar a origem dessa critica à visão representacionista nos pensadores e poetas da tradição romântica. Já no século XVIII, artistas e filósofos como Novalis e seu círculo de Jena, William Blake, entre outros, davam provas em seu trabalho de que a natureza da linguagem e da mente humanas não era nem lógica nem referencial, mas analógica, simultânea e metafórica. De fato, O modus operandi da metáfora parece sugerir um tipo diferente de pensamento, que podemos denominar analógico, por oposição ao lógico.

O pensamento analógico caracteriza-se pelo questionamento da proposição aristotélica de que uma coisa não pode ser ao mesmo tempo ela mesma e ainda outra. A analogia descobre semelhanças onde elas aparentemente não existem. Enquanto o silogismo, a dedução e a subtração são as maneiras próprias de proceder do pensamento lógico; a imagem, a conjunção e a união parecem ser o principal meio de realização do pensamento analógico. Tomemos duas palavras quaisquer, como “luz” e “leite”, por exemplo. Podemos postular sem maiores questionamentos, segundo uma visão representacionista e aristotélica, que são dois “objetos do mundo”. Sabemos sem dificuldades o que é um e o que é o outro, e podemos distingui-los em nossa experiência com o real: vemos a luz, bebemos o leite. Não há nenhuma razão ou motivo para relacioná-los. No entanto, podemos supor que um poema traga o objeto verbal “luz de leite”. Podemos simplesmente postular que isso não existe, mas, se pensarmos analogicamente, veremos que a luz é clara e o leite é branco, cor também associada à clareza, e esse traço pode unir essas duas coisas, até então distintas. Através desse traço de analogia, “luz de leite” pode então ser uma imagem para um tipo de luz demasiado clara, ou mais branca ou alva do que a que estamos acostumados a perceber, exigindo então um novo objeto verbal para se referir a ela. É verdade, nenhuma luz é de leite, não vamos encontrar isto no mundo. Mas enquanto a verdade da lógica referencial (e seu silogismo) se mede pela correspondência com as coisas do mundo, a verdade do pensamento analógico (a funcionalidade de sua imagem) parece medir-se pelo seu valor mitopoético, pela capacidade que tem de nomear coisas que não existem exatamente da mesma forma no mundo, mas que existem linguisticamente. E na medida em que a linguagem é mundo e constitui o mundo, revela nuances e percepções até então desconhecidas. Enquanto o pensamento lógico discrimina e separa, o analógico aproxima e confunde, dá mostras de que os objetos verbais que usamos para nos referir às coisas da experiência delimitam e propõem a nossa maneira de olharmos e pensarmos sobre eles – e sobre a própria experiência. Sendo assim, seria mais coerente falarmos não em objetos do mundo – prontos e acabadosmas em objetos de discurso, negociáveis e convencionados – uma vez que estamos sempre elaborando discursos sobre eles.

Assim, para o poeta romântico não importa “representar” o real, uma vez que esse não é algo anterior à ação e ao olhar do observador. Mais interessante, portanto, que re-apresentar algo estabelecido, é desarticular velhos modelos e esquemas cognitivo-experienciais, inaugurar outros, propor novos olhares para antigos objetos, elaborar novas formas de sentir e perceber. É justamente neste ponto que podemos aproximar a visão de linguagem dos românticos com a oriunda das correntes atuais da Linguística e da Fisolofia da Linguagem. Parece nascer com eles, no início de nossa Idade Moderna, o questionamento contemporâneo da natureza do real, das categorias aristotélicas, do absolutismo da Lógica. Também há aproximação entre a visão contemporânea de linguagem e aquela de poesia como processo dinâmico e em perpétua negociação, permanentemente em fluxo e sempre parcial, situado e circunscrito, justificando sempre a criação verbal segundo cada tempo e espaço.

É partindo desse ponto que algumas das mais fundas consequências das crenças românticas serão a valorização do jogo com o imaginário, do inconsciente coletivo e da imaginação criadora. Empenhado em caracterizar William Blake como poeta “ultra-romântico”, o crítico Claudio Willer, em sua tese Um Obscuro Encanto, utiliza como argumento justamente a “defesa da liberdade de criação e da originalidade; e, principalmente, da imaginação como faculdade criadora, de modo semelhante a Coleridge ou Baudelaire” (p. 166), por parte do poeta inglês. E mais à frente, acrescenta, com o mesmo intuito, que Blake foi “defensor do primado romântico da imaginação e, por isso, da experiência visionária como fonte de um conhecimento superior àquele transmitido através dos sentidos e demonstrado pela razão” (p. 169). É também na esteira de concepções como essa que ocorre o desmantelamento do figurativismo na pintura, efetuado, por exemplo, por Van Gogh e Gauguin, abdicando da perspectiva e técnica clássicas para pesquisar uma arte que lhes permitisse expressar não o mundo como estávamos socialmente condicionados a vê-lo, mas como este reverberava na interior de cada um deles, explorando novas possibilidades de apreensão e expressão.

Desse modo, enquanto racionalistas, tributários da concepção representacionista, concebiam a arte como mero artesanato humano, destinado a representar a realidade e iludir o espectador, os românticos viram na arte e na linguagem uma possibilidade de conhecimento e transformação da realidade e de si próprio – e na vida criativa, uma razão de ser. Perdia sentido, assim, tanto uma arte como uma vida meramente imitativa. Suas ideias ganham ilustração e representação na hoje célebre afirmação de Novalis de que “A Poesia é o Autêntico Real Absoluto”. De modo sumário, para esses poetas-filósofos e artistas, a poesia não poderia ser definida como uma mera atividade artesanal humana porque era algo da estrutura do próprio real, quando não o próprio real em si mesmo, anterior e posterior à própria linguagem. Não importa discutir aqui a natureza deste real, para o poeta romântico, importa revelá-lo. Cobrir-lhe com um véu que o ilumine e esclareça. A esses véus chamaram-se poemas, e com eles cobriram os poetas as suas percepções, ideias e aspirações mais caras, e assim as tornaram visíveis. O invisível necessita das vestes do visível, e essas vestes denominam-se linguagem. Neste sentido, poemas são esqueletos, máscaras, meros sinais que só se realizam e adquirem valor quando cumprem o papel de “apontar” para esse outro real, enfaixado com nomes de mistério e poesia. Estranho empreendimento: usar a linguagem para revelar o que está antes ou depois da linguagem. Mas só assim se atinge o objetivo de cobri-lo, concedendo-lhe forma e aparência para assim torná-lo palpável e existente dentro de nossos esquemas de percepção e apreensão. Carrega-se assim a atividade poética de um sentido que se pretendeu sempre maior do que as contingências e determinações que se acercavam do próprio sujeito histórico encarregado de produzi-la.

Importa destacar aqui que, desde o seu surgimento, a visão dos românticos foi dissidente e marginal com relação às concepções racionais, centrais no Ocidente. Embora ambas as correntes fossem muito mais próximas e difíceis de separar em seu início, as racionais sempre foram privilegiadas em nossa sociedade. Sempre estranhas à noção de língua como representação e espelhamento de um real fixo e imutável, do qual apenas recolheríamos os recortes sonoros e conceituais certos para representá-lo, as concepções românticas aproximam-se muito mais de visões de mundo xamanísticas, mágicas e mítico-religiosas, em paralelos que podem ser estendidos a filosofias e culturas do Oriente. Com sua ênfase na imaginação e na capacidade criadora da linguagem, estiveram desde o princípio em hostilidade com relação às concepções do racionalismo cartesiano, da lógica referencial e seus sucedâneos. Como vimos, as coordenadas de seu mundo são aquelas do sistema mitopoético. Sua universalidade: o pensamento analógico.

III

Queremos, a partir daqui, encerrar este texto com uma breve discussão do que queremos dizer mais exatamente com as palavras românticos e romantismo. Como se pode perceber, não utilizamos a palavra Romantismo para nos referir a um período histórico ou literário, mas para fazer referência a um conjunto de ideias e crenças que emergiram em vários pontos do Ocidente culto ao longo pelo menos dos últimos três ou quatro séculos, e que podemos remontar ao romantismo alemão dos século XVIII. São características comuns dessa corrente de pensamento o desacordo frente à visão de sociedade, realidade e homem oriunda da Idade Moderna e sua civilização industrial; a valorização da imaginação e do inconsciente na literatura;

 uma orientação mitopoética e um pensamento que podemos chamar de analógico para definir a forma de suas operações e contrastá-lo com o pensamento lógico. Chamamos românticos aos pensadores, artistas e escritores que, dentro de suas próprias perspectivas e interpretações, de maneira mais ou menos acentuada, reivindicaram como suas compreensões que fundamentam essas características, de maneira livre e heterodoxa.

 

O romantismo histórico pagou o preço de sua disseminação e popularidade. No século XIX, os jovens poetas, na esteira de Byron, levaram a valorização da individualidade efetuada pelo romantismo aos exageros e distorções do culto de si mesmo e da fascinação mórbida pela morte. A companheira beatífica e inalcançável degenerou da representação da busca arquetípica da Sophia (sabedoria) grega e da luta cristã pela alma em repetição sem sentido de paixonites e dores-de-cotovelo juvenis. O arco que leva da consideração atenta dos sentimentos e do mundo interior à contaminação pelo sentimental e pelo arrebatamento apaixonado e irrefletido também foi percorrido com ligeireza e fez seus estragos. A constituição de uma visão de mundo realmente singular é trabalho oneroso que poucos pareciam realmente dispostos a trilhar. E embora o romantismo histórico tenha naufragado, um espírito de rebelião, revolta e questionamento contra os pilares da sociedade industrial e sua fundamentação na física e na mecânica newtoniana – assim como no paradigma cartesiano – continua operando, seja de maneira subterrânea ou aparente. Por mais que esteja, mais que nunca à margem a concepção romântica de poeta e poesia, sua existência e continuidade dão testemunho do alcance de suas ideias e concepções. E a este espírito vivo podemos, como fizeram Octavio Paz, Harold Bloom, Michael Lowy, dentre outros, continuar chamando romântico. Além disso, por mais carregada que soe a palavra hoje, parece difícil – senão impossível – cunhar outra que dê conta de agrupar um número tão diversificado e historicamente elástico de autores. Em plena época da hegemonia da técnica e do capitalismo e mercado globais, vimos que através das rebeliões estudantis e culturais dos anos 60 e 70, uma espécie de “romantismo” continua sendo a expressão de crítica e oposição mais contundente à orientação mecanicista da sociedade contemporânea.

Escrevendo nos anos 80, o teórico do anarquismo ontológico e terrorismo poético, Hakin Bey, defendia no seu livro Caos que os poetas deveriam “começar a contemplar uma arte que recrie o objetivo do feiticeiro: mudar a estrutura da realidade pela manipulação dos símbolos vivos” (p. LV). Mas não seria continuar? Não foi justamente esta a mais cara ambição de românticos, simbolistas, surrealistas e demais escritores que os sucederam, discutiram ou lhe deram, a seu modo, seguimento em trabalhos e produções individuais? Num momento em que as atuais concepções de linguagem defendem que o emprego primeiro desta é o de organizar, constituir e estruturar a realidade – propondo uma promissora síntese entre mente e corpo, racionalismo e empirismo, ciências naturais e cognição situada – tal ideal romântico não parece de todo absurdo, mas aparece, sobremodo, uma vez mais sugestivo e instigante.

Márcio Xavier Simões (Brasil, 1979). Poeta e tradutor. Publicou O Pastoreio do Boi (2008). Contato: mxsimoes@hotmail.com

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