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O dia em que o sonho visitou o sol.
A arte digital de Liana Timm
Jacob Klintowitz
Página
ilustrada com obras da artista Liana
Timm (Brasil) |
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Emanações da noite infinita e
silenciosa mesclam-se ao dia e o
diálogo torna único este sítio no
qual nunca sabemos se estamos
regidos pela lua ou pelo sol. |
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É como se a
fabulação do sonho permanecesse vívida, as
sombras iluminadas e a luz rebaixada. Lugar
de fronteiras borradas, do qual escutamos
uma voz a nos dizer que a vida é névoa,
fluídica, águas vagantes, povoada, aqui e
ali, por súbitas imagens aclaradas e
pressentidas. Recortes da incerteza.
Fragmentos de vestes que um dia teriam
servido à Deusa, manto a nos proteger da
frialdade desta hora. Liana Timm tem esta
rara capacidade, a de registrar o momento em
que o sonho noturno torna-se um com a arte
do dia.
A artista Liana Timm trabalha com recortes
eletrônicos, produz módulos e os compõe em
painéis de imagens cada vez mais complexas.
É um processo que, se fosse num atelier
tradicional, chamaríamos de colagem.
Entretanto, o fundamento do seu estúdio é um
computador e no lugar de pinceis ela utiliza
leyers e esta junção de módulos só poderia
ser chamada de colagem a partir do uso
liberal da palavra. Compor galáxias a partir
de módulos. |
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Existe a
tendência de procurarmos a chave que abre o
mistério destas imagens. Talvez ela não
exista. É possível que elas somente possam
ser contempladas e percebidas. A
estabilidade das imagens, a sua integridade,
é notável. Não há dúvida da intencionalidade
da artista e de que estamos diante de uma
obra em si mesmo.
Estranhas figuras e cenários. Elas estão
fora do reino da fotografia. Não tem a
veracidade, a perspectiva, a invenção, o
caráter documental, a memória e a
ambigüidade da saudade. Não podemos folhear
o álbum de família. Elas não estão, também,
no reino dos vivos. As figuras não remetem
para a ação, e não lamentamos por elas:
nenhuma empatia ou repulsa. Cenas estáticas
e uma epiderme peculiar. Estamos diante de
uma espécie desconhecida. Um fictício
pesquisador descobriu estes seres abissais.
Um portal que se abre para outro universo
que - paradoxo- está entre nós. O enigma da
iconografia de Liana Timm está na inserção
do submerso e noturno ao território solar.
Fronteiras da percepção. Cada contemplador é
uma chave do mistério.
Tornar-se um.
E anotações e esboços para
no futuro fazer um retrato do passado.
A lucidez antes de fazer o trabalho é uma
das formas mais sedutoras de ilusão. |
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Liana Timm
trabalha com memórias afetivas, com
informações históricas, citações de outros
artistas, escolhas pessoais e existenciais,
sentimentos e emoções. Faz deste material
uma reflexão sobre a vida atual na qual está
presente o ser humano contemporâneo, ou
seja, um conjunto de memórias, herança
familiar, conhecimentos históricos e
informações cibernéticas.
(de Liana Timm sobre “Paisagens do
Interior”.)
“… estou aguardando as medidas certas para
poder desenhar a exposição… Ela será um site
especific. Logo, vou interagir com o espaço
e as dobras dos painéis. Com as medidas
poderei projetar o lugar das imagens e seus
relacionamentos com os planos vizinhos, bem
como escolher as cores que irão
sucessivamente percorrendo a mostra.”
Desvelando o olhar.
Liana Timm pertence ao pequeno grupo de
artistas que enriquece a reflexão sobre a
cultura e a arte com a dedicação plena de
sua vida. E isto se dá não só pela
inacreditável carga horária de trabalho,
mas, também, pela dedicação de sua vida
privada. Por intuição, tenho a convicção de
que parte de seus sonhos trata de questões
estéticas e formais.
É uma parcial amostragem de sua produção e
vivência – com ela sempre será uma parte - a
respeito da imagem na época da tecnologia e
da percepção humana. Mais do que isto, a
artista nos apresenta as suas perguntas a
respeito do valor dos sentidos e da
sensorialidade no universo sutil da forma,
do psiquismo e da busca da verdade. Esta
produção cuida dos problemas essenciais do
ser em relação à busca de valores perenes e
do possível instrumental de verificação.
Eu acho uma obra inspiradora, pois se coloca
como uma busca dentro da vida, sem desprezo
pelas conquistas científicas e tecnológicas,
e sem abdicar do anseio por paradigmas
modelares. Também o respeito da artista por
seus pares, pelos artistas que construíram a
existência visual do homem, expresso nas
citações e referências contidas na sua obra,
é afirmação do valor da arte como fundamento
essencial da construção do conhecimento.
(de Jacob para L. T. numa ocasião de algumas
dúvidas)
“Em certo momento, quase no meio do nada…
Olhei e olhei novamente, febricitante,
ligeiro como Mercúrio, envolvido por gente
medíocre e vulgar, gente que vendeu a alma
para o diabo e recebeu por ela menos que um
vintém, pois valia pouco, e me reconciliei
com o mundo. Você está louca, Liana, não sei
onde a dúvida, onde a sua febre, as suas
imagens são emocionantes. Que sensibilidade
a sua. Alma grande. Um privilégio para nós,
os que temos esta oportunidade. Nunca
imaginei que seriam tão formidáveis. Só você
poderia imaginar. Ainda bem que não aceitei
ser outra coisa que não este que sou.
Voltarei para o mundo dos chatos, mas agora
envolto em azul.”
Assertiva conceitual de L.T.
“Reflexão que encarna um acontecer humano
através da memória compartilhada de um grupo
social. Um misto de realidade singular e
realidade coletiva.”
Reflexão.
Este conceito é o único real. É o lugar onde
assunto e tema se encontram.
Detalhes, projeto de montagem: recado. |
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Eu
gostaria de colocar uma foto sua na
montagem. Você gostaria, Liana? Pode
ser você trabalhando, ou no atelier,
ou simplesmente um close do rosto.
Tem artistas que não gostam, e eu
respeito. Houve uma recente recusa
de um querido e grave amigo:
considerou que roubaria a sua alma.
Mas o público gosta, eu gosto, e
todo mundo gosta, menos alguns
artistas e alguns fundamentalistas
anti-narcisistas. Imagine que o
concretismo pretendia eliminar toda
e qualquer referência pessoal… E
ninguém mais personalista,
impositivo e auto-referente que o
Waldemar Cordeiro. No Rio, o
neo-concretismo surge porque é
impossível imaginar um carioca que
não goste de se apresentar
pessoalmente… É uma interpretação da
história da arte renovadora, como
você vê… Eu a considero uma
epistemologia rodriguiana, já que
tomei a maneira narrativa do Nélson
Rodrigues para descrever os
acontecimentos. Da mesma maneira que
a utilização das fotos com aquela
quantidade enorme de ponto e
vírgulas, naquele bilhete anterior,
é ritmo braguiano, pois foi
inspirado na maneira do Rubem Braga
descrever itens sucessivos.
Desculpe, mas ando meio cheio e
preciso me divertir um pouco, mesmo
que seja comigo mesmo…
Eu tinha vontade de escrever sobre o
que percebi desta maneira de fazer
arte. O que poderíamos chamar de
“Método Liana Timm”. Pensei até num
subtítulo, “Tornar-se um”. É meio
intrigante, mas eficaz, e se refere
à integridade e integração do
artista no seu processo até o ponto
em que não há mais distinção entre
aquele que faz e o que é feito.
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Jacob Klintowitz (Brasil, 1941).
Jornalista, crítico de arte,
escritor, editor de arte, designer
editorial. É autor de 90 livros
sobre teoria de arte, arte
brasileira, ficção e livros de
artista. Contato: jklinto@uol.com.br |
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