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MARIA DO SAMEIRO BARROSO
A
ARTE CURATIVA
DOS CELTAS
I
os povos celtas |
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Resumo
Após definir
as populações de língua celta, bem como o
seu território de origem e rotas de
expansão, deter-me-ei sobre a revisão dos
achados arqueológicos relativos a crânios
trepanados, em particular 15 do período
Hallstatt, La Tène, final da Idade do Ferro,
em esqueletos encontrados em cemitérios da
Áustria, perto de Salzburg e Viena.
Os Celtas não
tinham médicos de profissão. Eram os druidas
que exerciam as acções preventivas e
curativas, no âmbito de uma religião
mágico-xamânica que preconizava estilos de
vida saudáveis e visava o restabelecimento e
o fortalecimento de energias. Os druidas não
deixaram nada escrito, nem uma tradição oral
estruturada. Os seus conhecimentos são
reconstituídos através de testemunhos
romanos e da tradição celta escrita
posterior. Os druidas utilizavam preces,
amuletos e possuíam um vasto conhecimento
das propriedades medicinais das plantas, das
quais, a sua preferida era o visco. A sua
medicina manteve-se autónoma, apesar do
intercâmbio com a medicina grega, a partir
do século IV a. C.
Há indícios de
que as mulheres podiam exercer as funções de
druidas, desde o período de La Tène, tendo
sido encontrado o corpo de uma cirurgiã de
elevado estatuto social, enterrado
juntamente com fíbulas, amuletos e
instrumentos cirúrgicos.
Em períodos
posteriores, há indícios de que as mulheres
teriam ajudado nos partos, como curiosas ou
como parteiras e de que tenham praticado o
aborto. Por esse motivo foram acusadas de
bruxaria e punidas, tendo sido vítimas da
fogueira, até ao século XVIII [2]. |
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Figura 1 – Mapa das deslocações dos Celtas
depois do período de Hallststadt, in
T. W. Rolleston, Introdução de Arthur
Cotterell, Guia Ilustrado de Mitologia
Celta (The Illustrated Guide to
Celtic Mythology), Lisboa, Círculo de
Leitores, 1993p. 8. |
Os
povos celtas |
Parece não
existir uma Proto-História indo-europeia
comum. As invasões indo-europeias, onde quer
que se manifestem, marcam o fim das idades
líticas e o início das da Idade do Cobre e
do Bronze,na primeira metade do segundo
milénio.. Alguns autores, tais como Dotin e
Henri Hubert, falam de Celtas da Idade do
Bronze. No entanto, parece não haver
consenso entre arqueólogos e filólogos. A
este período corresponderia a Idade de Ouro
dos Celtas, cujos limites são mal definidos
[3].
Na realidade,
não se sabe exactamente de onde vieram os
Celtas. Pensa-se que foram seguidores dos
povos das estepes asiáticas que começaram a
domesticar cavalos no III milénio,
aparentados com os povos da Cultura dos
kurganes que ocuparam a região do Cáucaso
até ao Mar Negro. Com o decorrer dos
séculos, foram-se dirigindo para o Oeste. Os
Celtas posteriores fazem parte dos povos
indo-germânicos que habitavam a região
inferior do Volga.
Estes povos
eram nómadas que, possivelmente, já vinham
de outras regiões e que se misturaram com
outros povos[4].
Chamam-se Celtas aos povos falaram a língua
celta, ramo do noroeste do grande grupo da
família das línguas indo-europeias.
Pertencem a este ramo as línguas germânicas,
itálicas e báltico-eslavas, o
ilírio-venético, o grego, o arménio, o
indo-iraniano, o hitita, o trocário, o
trácio e o frígio.
As línguas celtas dividem-se em
dois grandes grupos, o gálico (ou gaulês) e
o galo-britânico, às quais pertence a
maioria dos dialectos falados ainda hoje na
Irlanda, Escócia, País de Gales e
Bretanha[5].
A região originária dos Celtas situa-se no
Sudoeste da Alemanha, o Norte e a região
central da Suíça, a região do Reno até
Colónia, à qual pertencem a Alsácia e o
Oeste de França [6].
O apogeu da cultura céltica situa-se nas
culturas de Hallstat e La Tène correspondem
às estações arqueológicas com o mesmo nome e
datam de 1200 a 750 e de 400 a 200 a. C. A
civilização dos Campos de Urnas, na Espanha,
assim chamada porque os Celtas queimavam os
mortos e depositavam as cinzas em urnas é
outro dos pontos de origem deste povo. Esta
civilização, também chamada civilização de
Lusace, representa, em toda a Europa, o
desabrochar da Idade do Bronze[7].
Foram necessários cerca de 700 anos até que
os Celtas fossem mencionados, por escrito,
tal como os conhecemos hoje. No séc. V a. C.
Hecateu de Mileto, mencionou uma colónia
celta, referindo a origem da costa da
Ligúria como “Keltiké”.
Depois dele, Platão (428/27-349/48 a. C.)
manifestou a sua opinião em relação à
mentalidade guerreira e pelo seu gosto
colectivo por bebidas alcoólicas. Mesmo
quando o grego Políbio (200-120 a. C.) nas
suas descrições históricas, faça uma pequena
incursão nos Celtas, estas, juntamente com
as do seu colega Posidónio de Apameia
(135-51/50) a. C.) são fontes importantes.
Infelizmente, os originais destes documentos
não se conservaram. Conhecemos apenas
citações de autores posteriores.
Possuímos
informação abundante sobre a vida dos Celtas
na obra de Caio Júlio César, De Bello
Gallico. Entre 58-51, César era pró-consul
romano e, à frente dos exércitos, conquistou
a Gália. César foi o primeiro autor que
distinguiu os Celtas dos Germanos, que
viviam no Nordeste, por razões linguísticas.
As populações que viviam no lado direito do
Reno, nas terras celtas do Norte,
chamavam-se a si próprios Suevos. hoje,
supõe-se que os Celtas se designavam como
Germanos. Havia dois ramos de tribos Celtas,
uma no alto Reno e outro em Espanha, que
assim se designavam.
Nos
apontamentos de César, ouve-se falar de
grandes centros, semelhantes a cidades, que
ele chamou Oppida. Tito Lívio (79 a. C.-17
d. C.), com sua obra História de Roma,
também constitui uma das nossas fontes mais
importantes. O seu contemporâneo Estrabão de
Amaseia (64/63 a. C. – 23 d. C.) tratou, na
sua Geografia, o Norte da Europa e os seus
habitantes.
Em Plínio, o
Velho (23/24 a. C.-79 d. C.) há muitas
citações dos seus relatos, referentes ao
mundo celta. Também em Plínio, obtemos
informação sobre de como os druidas
apanhavam plantas medicinais, como por
exemplo, o visco do carvalho, o licopódio ou
a verbena e que rituais utilizavam[8].
A Oeste do
Reno, já no séc VI, as tribos germânicas
tinham começado a empurrar os celtas de
língua gaulesa, para Espanha, através do Sul
de França., e, por outro lado, para o baixo
Reno e a Bretanha, para as Ilhas Britânicas.
A partir do
séc.V a.C., os Celtas instalam-se numa área
que vai da Península Ibérica, à Irlanda e
Inglaterra e até à Ásia Menor, onde são
conhecidos como Gálatas[9].
São conhecidos como Ķελτοτ, pelos Gregos,
como Celtae, Galli, Celtici, pelos latinos.
Até à época de César e de Tácito, os Antigos
confundiram-nos com os Germanos[10].
Depois do
período de Hallsatdt, as deslocações dos
Celtas levaram-nos à maior parte da
Europa, onde tomaram nomes diferentes,
Gauleses, Bretões, de acordo com a língua
que falavam ( Figura 1)[11]
Este período
corresponde à Cultura de Là Tene ou Segunda
Idade do Ferro. A expansão dos Celtas foi
travada por Germânicos, Romanos e Dácios[12].
No período da
sua maior expansão, ocuparam uma grande
parte da Europa, desde a Anatólia central à
Irlanda.
Segundo Tácito, na Gália viviam sessenta
e quatro tribos, na Galácia (no interior da
Anatólia)seis, na Irlanda, cinco e, na
Península Ibérica cinco. As tribos mais
pequenas tinham um máximo de 50 000 membros,
as maiores, até 20 000, que se dividiam em sub-tribos.
Cada tribo tinha o seu próprio rei. No tempo
de César, dinastias de nobres tinham tomado
o poder. Um rei celta não tinha apenas o
comando da guerra mas também missões
sagradas. O rei Deiotarus da Galácia foi um
dos videntes mais famosos do seu tempo.
Para os reis, os cuidados de saúde tinham um
papel muito importante. Era seu dever manter
o corpo incólume. Em caso contrário,
temia-se que a graça dos deuses fosse
retirada [13].
Em 200 a. C., a Gália Cisalpina foi
conquistada pelos Romanos, a Numância, em
Espanha, foi tomada em 133, a província
Narbonense, em 123 e a Gália propriamente
dita foi conquistada entre 58 e 52, por
Júlio César, que derrotou o chefe gaulês,
Vercingetorix, na Alésia, tendo posto fim
posto fim à independência política,
religiosa e linguística dos Celtas. |
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Revista de
Artes, Religiões e Ciências
Nº 02 | Novembro de 2009 |
NOTAS |
[2]Conferência apresentada, em
tópicos, no Colóquio Internacional,
Nas Alturas dos Celtas. Boticas no
Tecto do Mundo, 8, 9, 10 de Maio de
2009.
[3] François Led Roux, Christian-J.
Guyonvarc’c, A Civilização Celta (La
Civilization Celtique), Publicações
Europa-América, Lisboa, 1990, p. 51.
[4 Claus Krämer, Die Heilkunst der
Kelten, Verlag Hermann Bauer,
Freiburg in Breisgau, 2002
(6.Auflage 2008), p. 25.
[5] Julius Pokorny, Altkeltische
Dictungen, Aus dem Irisch-Gälischen
und Cymerischen übertragen und
eingeleitet, A. Francke Ag. Verlag
Bern, 1944, pp. 12- 14.
[6] Julius Pokorny, Altkeltische
Dictungen, Aus dem Irisch-Gälischen
und Cymerischen übertragen und
eingeleitet, A. Francke Ag. Verlag
Bern, 1944, pp. 12- 14.
[7] Cfr. François Led Roux,
Christian-J. Guyonvarc’c, A
Civilização Celta, p. 51.
[8] Claus Krämer, Die Heilkunst der
Kelten, p. 26.
[9] Julius Pokorny, Altkeltische
Dictungen, p. 14.
[10] François Led Roux, Christian-J.
Guyonvarc’c, A Civilização Celta, p.
15.
[11] T. W. Rolleston, Introdução de
Arthur Cotterell, Guia Ilustrado de
Mitologia Celta (The Illustrated
Guide to Celtic Mythology), Lisboa,
Círculo de Leitores, 1993, p. 8.
[12] Mircea Eliade, Ion P. Couliano,
Dicionário das Religiões (Diccionnaire
des Religions), Publicações D.
Quixote, Lisboa, 1990, p. 79.
[13] Claus Krämer, Die Heilkunst der
Kelten, pp. 30-31. |
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Maria do Sameiro Barroso.
Médica, escritora, germanista,
investigadora, doutoranda da
Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de
Lisboa.
Livros de poesia publicados: O Rubro
das Papoilas, 1987, 1998, Rósea
Litania, 1997, Mnemósine, 1997,
Jardins Imperfeitos, 1999, Meandros
Translúcidos, 2006, Amantes da
Neblina, 2007, As Vindimas da Noite,
2008, Prémio António Patrício, 2008,
da SOPEAM, considerado um dos quatro
melhores livros do ano pelo Diário
de Notícias. Vencedora do Premio
Internacional Poesia Palavra Ibérica
2009, com o original Uma Ânfora no
Horizonte.
Integra os actuais Corpos Directivos
do Pen Club Português.
Contacto:
msameirobarroso@gmail.com |
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