salão do
folhetim
abril 2010
|
|
|
ADELTO
GONÇALVES
Apelo
africano |
|
3. A nova literatura
angolana |
|
IL GIORNO IN
CUI PAPERINO SI È FATTO PER LA PRIMA VOLTA
PAPERINA E ALTRI RACCONTI (O DIA EM QUE O
PATO DONALD COMEU PELA PRIMEIRA VEZ A
MARGARIDA), de João Melo. Tradução de Marco
Bucaioni. Perugia: Morlacchi Editore, 205
págs., 2009.
E-mail: editore@morlacchilibri.com
Site: www.morlacchilibri.com |
|
I |
Il giorno in cui Paperino si è fatto per la
prima volta Paperina e altri racconti: 12
storie quasi post-moderne (O dia em que o
Pato Donald comeu pela primeira vez a
Margarida e outros contos: 12 histórias
quase pós-modernas), do angolano João Melo
(1955), é o quarto volume da coleção
Letteratura Luso-Afro-Brasiliana que a
Morlacchi Editore, de Perugia, Itália, vem
publicando sob a direção do professor
Brunelo Natale De Cusatis, responsável pela
Cátedra de Literatura Portuguesa e
Brasileira e Língua Portuguesa e Brasileira
da Universidade de Perúgia, com o apoio do
Instituto Camões e da Direcção-Geral do
Livro e das Bibliotecas, de Portugal, em
edição bilíngüe italiano-português.
O objetivo da coleção, segundo De Cusatis, é
dar a conhecer ao público italiano a obra
poética e narrativa lusófona, com atenção
particular à última geração que é pouco ou
nada conhecida na Itália. Até agora já foram
publicados os livros Frontiere perdute,
racconti per viaggiare, do angolano José
Eduardo Agualusa, Il caso del martello, do
brasileiro José Clemente Pozenato, e Buona
notte, signor Soares, do português Mário
Cláudio. Com publicação prevista para este
ano está Racconti, de Sérgio Faraco. Entre
os brasileiros, estão dois gaúchos (Pozenato
e Faraco), em razão do interesse que pode
despertar naquele país a literatura
produzida numa região marcada pela forte
presença de imigrantes italianos,
especialmente do Vêneto.
Com apresentação, edição e tradução de Marco
Bucaioni, os contos de João Melo, publicados
pela primeira vez pela Editorial Caminho, de
Lisboa, em 2006, fazem parte da nova
literatura angolana, até aqui mais conhecida
pelas obras de José Eduardo Agualusa (1960),
Pepetela (1941), ganhador do Prêmio Camões
de 1997, e Luandino Vieira (1935), que
obteve o Prêmio Camões de 2006, recusado por
razões pessoais. Sua temática principal é a
descrição da nova sociedade angolana nascida
da luta pela independência (1975) e da
guerra fratricida que se seguiu entre as
facções do Movimento Popular para a
Libertação de Angola (MPLA), apoiada pelo
regime soviético com a participação direta
do governo cubano, e a União Nacional para a
Independência Total de Angola (Unita),
apoiada pelos Estados Unidos com a
intermediação da África do Sul, dentro do
contexto da Guerra Fria. |
|
II |
Mesmo com a queda do Muro de Berlim em 1989
e a derrocada do regime soviético, a guerra
angolana só teve fim em 2002, depois de ter
causado imensos danos ao país, inclusive com
uma diáspora de muitos cidadãos que não
tiveram outra saída a não ser tentar
reconstruir a vida em Portugal, Brasil,
Estados Unidos, Canadá, França, Inglaterra e
outros países europeus. Mas a Angola
pacificada do século XXI já quase nada tem
da colônia portuguesa de meio século atrás,
isolada do mundo.
Aberta a investimentos estrangeiros, é um
país que apresenta grande crescimento
econômico, especialmente nas áreas de
diamantes, petróleo e recursos minerais. A
grande dificuldade, porém, está na
repartição dessa riqueza à qual não têm
acesso grandes parcelas da população, que
vivem em condições subumanas.
Com esse período de conturbação já superado,
a literatura angolana vive hoje outra fase,
depois de ter explorado à exaustão as
vicissitudes de uma sociedade pós-colonial
sob o véu marxista-leninista. Agora, numa
etapa em que já não podem atribuir todos os
males ao colonialismo, os angolanos precisam
buscar entre os seus pares os responsáveis
pelo atraso econômico e pela manutenção de
tantas diferenças sociais.
Mas, encerrado há tão pouco tempo aquele
período, é claro que os dissabores da guerra
ainda estão presentes nestes contos de João
Melo. É o que se pode contatar em “A morte é
sempre pontual” em que o desfecho trágico,
embora anunciado, acaba por surpreender o
leitor.
Ou em “O Canivete agora é branco” em que
conta o reencontro que não se deu, 30 anos
depois, de um ajudante de caminhão com seu
antigo colega de profissão que, mais
esperto, soube como cavar a vida,
filiando-se ao MPLA, o movimento vitorioso,
freqüentando a Universidade Patrick Lumumba,
em Moscou, até virar quadro do partido e do
governo para tornar-se administrador de uma
empresa de diamantes e governador
provincial. Metido até o pescoço em negócios
escusos, o antigo Canivete transforma-se em
empresário, virando até mesmo “branco”,
sempre acompanhado de seguranças. Quem sabe
uma paródia do “homem invisível” do
norte-americano Ralph Ellison (1914-1994). |
|
III |
Em “O escritor”, João Melo, abusando, no bom
sentido, da ironia, traça o perfil de um
homem de letras que vivia angustiado à
espera do sucesso que nunca chegava, embora
já tivesse escrito quilômetros de poemas,
estórias, teses, ensaios e recensões
literárias, além de construir uma carreira
politicamente correta, pelo menos aos olhos
dos vencedores, pois, durante o
colonialismo, tivera de prestar muitas
declarações à Pide (a polícia política
salazarista) e, na fase pós-independência,
participara da campanha nacional de
alfabetização e das brigadas que foram
colher café, sem contar que, durante a
guerra anticolonialista, nunca fugira do
país. Mesmo assim, nunca recebera um prêmio
literário. Talvez porque não fosse nem
mestiço nem branco.
Já no conto que dá título ao livro, João
Melo reconstitui a relação de dois
adolescentes que teriam nascido e crescido a
mesma época, entre famílias comuns, aos
quais todos davam como certo um
relacionamento seguro e um casamento
duradouro: “Crescemos juntos. Brincámos de
médico, professor, engenheiro. Brincámos de
casamento. Brincámos de papá e mamã. Nesse
dia, lhe mostrei a minha pila. Ela disse:
“Ih, tão pequenina!” Depois levantou as
saias: as suas cuecas floridas deixaram-me
paralisado de admiração. Quando quis lhe dar
um beijo, como aqueles que meu pai dava na
empregada, quando a minha mãe não estava em
casa, ela fugiu. Durante uma semana, não
apareceu na minha casa”. (p.96).
Por aqui se vê o estilo ágil e moderno de
João Melo. E, se o final não se adianta
aqui, é porque ao resenhador não é lícito
antecipar os epílogos dos contos e romances
que resenha. Ao final deste livro, há ainda
um glossário indispensável não só ao leitor
italiano como ao lusófono pouco acostumado à
história e à geografia de Angola. Muitas
expressões do coloquialismo do português
escrito em Angola ficaram de fora deste
glossário, mas o seu significado o leitor
pode intuir a partir do contexto de cada
conto.
Como se sabe, o português na África é uma
língua restrita a escritores, jornalistas,
pessoal do governo, professores e alunos, ou
seja, àqueles que a escrevem. Até porque a
imensa população é lusógrafa (para citar
aqui uma expressão criada pelo mestre
francês Jean-Michel Massa), não luso-falante.
Cada grupo étnico fala a sua própria língua
entre si e sempre que um estranho ao ninho
deixa o recinto. Era isso o que este
resenhador percebia quando, na casa de
amigos angolanos, em Oeiras, ausentava-se
para ir à casa de banho.
|
|
IV |
Jornalista,
publicitário e professor, João Melo estudou
Direito na Universidade de Coimbra e em
Luanda. Graduou-se em Comunicação Social e
fez mestrado em Comunicação e Cultura no Rio
de Janeiro. Membro-fundador da União dos
Escritores Angolanos, ocupou vários cargos
nessa entidade. Atualmente, é diretor de uma
agência de comunicação, além de ensinar numa
universidade privada. É deputado no
Assembleia Legislativa angolana.
Representante
da “geração das incertezas”, expressão
alcunhada pelo grande crítico angolano Luis
Kandjimbo, também poeta, João Melo começou
sua trajetória literária na poesia, nos anos
1980, tendo lançado oito livros: Definição
(1985), Fabulema (1986), Poemas Angolanos
(1989), Tanto Amor (1989), Canção do Nosso
Tempo (1991), O Caçador de Nuvens (1993),
Limites e Redundâncias (1997) e Auto-Retrato
(2007). Como contista, lançou mais três
livros: Imitação de Sartre e Simone de
Beauvoir (1998), The Serial Killer e outros
contos risíveis ou talvez não (2000) e
Filhos da Pátria (2001). Na área de ensaios,
publicou Jornalismo e política (1991). |
|
GONÇALVES, Adelto. Gonzaga, um Poeta do
Iluminismo, Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1999.
FURTADO, Joaci Pereira. Uma república de
leitores: história e memória na recepção das
Cartas Chilenas (1845-1989). São Paulo:
Hucitec, 1997.
OLIVEIRA, Ronald Polito. A Conceição: o
naufrágio do Marialva. São Paulo, Edusp,
1995.
OLIVEIRA, Tarquínio J.B. de. As Cartas
Chilenas: fontes textuais. São Paulo,
Editora Referência, 1972. |
Revista TriploV DE Artes, Religiões
e Ciências: 5: Abril de 2010 |
Adelto Gonçalves (Santos, Brasil).
Doutor em Letras na área de
Literatura Portuguesa e mestre em
Língua
Espanhola e Literaturas Espanholas e
Hispanoamericana pela Universidade
de São Paulo (USP). É autor de
Bocage: o perfil perdido (Lisboa,
Caminho, 2003), Gonzaga, um poeta do
Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1999), Barcelona
Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada,
1999; São Paulo, Publisher Brasil,
2002) e Fernando Pessoa: a voz de
Deus (Santos, Universidade Santa
Cecília, 1997), Os vira-latas da
madrugada (Rio de Janeiro, José
Olympio, 1981) e Mariela morta (Ourinhos-SP,
Complemento, 1977). É colaborador da
revista Vértice, de Lisboa, desde
1994. Escreve também no quinzenário
As Artes Entre as Letras, do Porto,
e na Revista Forma Breve, da
Universidade de Aveiro, No Brasil,
escreve na Revista Brasileira, da
Academia Brasileira de Letras, no
Jornal Opção, de Goîânia, e na
Revista Philologus, do Círculo
Fluminense de Estudos Filológicos e
Lingüísticos. É membro da Academia
Brasileira de Filologia (Abrafil). É
professor de Jornalismo na
Universidade Santa Cecília, de
Santos, e no curso de Direito da
Universidade Paulista (Unip), campus
Rangel, em Santos. Ganhou os prêmios
Assis Chateaubriand, de 1987, e
Aníbal Freire, de 1994, da Academia
Brasileira de Letras, e Ivan Lins de
Ensaios, de 2000, da Academia
Carioca de Letras e União Brasileira
de Escritores, do Rio de
Janeiro.Escreveu prefácios para dois
livros de contos de Machado de Assis
publicados em 2006 e 2007 pelo
Centro Lusófono Camões da
Universidade Estatal Pedagógica
Hertzen, de São Petersburgo, Rússia,
em edição bilíngüe russo-portuguesa.
Jornalista desde 1972, trabalhou em
O Estado de S.Paulo, Folha de
S.Paulo, Editora Abril e A Tribuna,
de Santos. Foi correspondente em
Lisboa da revista Época em
1999-2000. |
|
|