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FOLHETIM
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Número 03 |
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Maria Estela Guedes
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Floriano Martins
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ADELTO
GONÇALVES
Apelo
africano
2.
Casamansa,
um grito de liberdade sufocado |
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A situação dramática
vivida por uma província do Senegal
é mais um exemplo da herança deixada pelos
colonizadores europeus |
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E, no entanto, a fronteira entre a Casamansa,
província do Senegal, e a Guiné-Bissau, na
África Ocidental, vive hoje momentos de
desespero, com mais de cinco mil de pessoas
em fuga pelo campo, atemorizadas com as
hostilidades que opõem o exército guineense
a uma ala do Movimento das Forças
Democráticas da Casamansa (MFDC). Há mais de
2.500 refugiados, segundo a Cruz Vermelha, e
a Anistia Internacional já recebeu denúncias
de violações dos direitos humanos de civis.
Tanto na Casamansa como na Guiné-Bissau
fala-se português. Não é incrível que, no
Brasil, não se escreva uma linha a respeito
de um drama que envolve povos que falam a
língua de Camões e Machado de Assis?
Os confrontos começaram no dia 16 de março,
quando guerrilheiros do MFDC lançaram um
ataque suicida na cidade de São Domingos e
13 rebeldes morreram. O exército guineense
respondeu com artilharia pesada contra a
base dos guerrilheiros a cerca de 130
quilômetros de Bissau, capital do país, e a
menos de seis da fronteira com o Senegal. Os
bombardeios têm como alvo bases do
comandante Salif Sadio, líder de uma facção
do MFDC, a Frente Sul, que se recusou a
assinar um acordo de paz em dezembro de 2004
com o governo de Dacar.
Pressionadas pelo exército senegalês, as
forças de Sadio deixaram a Casamansa,
refugiando-se na Barranca da Mandioca, na
Guiné-Bissau. Agora, o exército guineense
promete expulsar até o último intruso.
“Vamos fazer uma operação limpeza para tirar
essa sujeira de nosso território”, prometeu
Antônio Indjai, chefe do comando militar
estacionado em São Domingos. “Os rebeldes
não vão aceitar ser capturados como
galinhas”, respondeu Zacarias Goubiaby,
lugar-tenente do comandante Sadio. “Vamos
combater como leões”.
Esse conflito seja recente. É resultado de
outro que começou em 1982, quando uma
manifestação em Zinguinchor, capital da
Casamansa, reuniu mais de 100 mil pessoas de
várias etnias reclamando a independência da
província. Houve repressão e mais de mil
mortos.
Foi a partir de então que o MFDC partiu para
a luta armada contra o governo de Dacar. Os
32.350 quilômetros quadrados do território
da Casamansa contam com vastas reservas de
petróleo, o que tem atraído a cobiça de
empresas estrangeiras, inclusive uma da
Malásia, que adquiriu recentemente do
governo senegalês os direitos de exploração.
Já o resto do Senegal é rico apenas em
fosfato e o país sobrevive com a ajuda que o
governo francês envia regularmente. Só que a
maior parte desses recursos fica em Dacar,
segundo a queixa que se ouve na Casamansa.
Isso explica em boa parte as razões
históricas do conflito.
Desde 1982, as hostilidades dos separatistas
da Casamansa são contra o governo de Dacar,
mas, devido à fronteira, sempre ocorreram
incursões no território guineense, inclusive
com a tomada de “tabancas” (aldeias),
seqüestros e mortes. A incursão maior
ocorreu em 1998, quando as forças
separatistas da Casamansa ajudaram o
falecido brigadeiro Ansumane Mane a afastar
do poder o presidente João Bernardo Nino
Vieira. Depois, com Kumba Ialá na
presidência, os separatistas passaram a
contar com o apoio estratégico da
Guiné-Bissau.
De volta ao poder em Bissau, depois das
eleições presidenciais de junho de 2005,
Nino Vieira acertou com o presidente do
Senegal, Abdoulaye Wade, uma operação
conjunta para acabar com o foco
guerrilheiro. Para tanto, Vieira e Wade
contam com o apoio do comandante César
Badiate, que se opõe a Salif Sadio dentro do
MFDC e assinou o acordo de paz de 2004.
Resolver a questão da Casamansa, inclusive,
é uma promessa de campanha de Wade, eleito
em 2000 e candidato à reeleição em 2007.
O bom relacionamento entre os países
vizinhos é visto como fundamental para que o
petróleo comece a ser explorado em maior
profusão. Mas a posição política de Nino
Vieira não é sólida: em março, enquanto
estava em Lisboa para a posse do presidente
português Aníbal Cavaco Silva, correram
rumores de uma tentativa de golpe de Estado.
Antes, Vieira havia acusado algumas altas
patentes de “conivência” com os rebeldes da
Casamansa, enquanto o porta-voz do
estado-maior do exército, tenente-coronel
Arsênio Balde, desmentia que chefes
militares tivessem recebido dinheiro do
governo do Senegal para aniquilar a
rebelião. Já dissidentes do PAIGC, principal
partido do país, acusam Vieira de promover
uma “caça às bruxas”, de pressionar cidadãos
independentes e de manter “prisioneiros de
guerra”.
A ajuda humanitária internacional começou a
chegar a Casamansa e a Guiné-Bissau, mas
ainda em quantidade reduzida. Vilas como
Susana e Varela estão isoladas desde que os
rebeldes colocaram minas na estrada que as
liga a São Domingos. Uma dessas minas
explodiu e provocou 12 mortos nos primeiros
dias dos confrontos.
Até agora, o conflito só tem recebido
indiferença por parte de Portugal e Brasil.
Em razão da ajuda financeira que recebe da
União Européia, o governo português,
aparentemente, teme incomodar os interesses
da França na região.
Também a Comunidade de Países de Língua
Portuguesa (CPLP), até agora, não se
manifestou. A entidade reúne Portugal,
Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde,
Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor
Leste e, em tese, poderia abrigar uma
Casamansa independente. Para mediar o
conflito, o chefe de Estado do Senegal, com
o apoio da Guiné-Bissau, preferiu convidar o
presidente da Gâmbia, Yaya Jammeh. |
Um drama esquecido
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O domínio do Senegal na região vem sendo
contestado há muito tempo, mas recrudesceu
quando, entre 1974 e 1975, as antigas
províncias de Portugal no Ultramar
tornaram-se nações independentes e as forças
políticas da Casamansa viram no movimento
uma oportunidade de reivindicar a sua origem
de “ex-colônia portuguesa”.
Faz quase um século que a Casamansa deixou
de ser colônia portuguesa: em 1908, os
portugueses foram obrigados a ceder
definitivamente a região à França, passando
a ocupar apenas a Guiné. Mas, desde
1884-1885, os franceses vinham tentando
resolver a questão a seu favor, pressionando
Portugal no âmbito da Conferência de Berlim,
que dividiu a África entre ingleses,
franceses, belgas, alemães e portugueses.
Historicamente, os portugueses chegaram
primeiro. Foi em 1445 que o português Diniz
Dias “descobriu” a Casamansa, que, na
linguagem do país, significa rei do rio dos
Cassangas, porque a palavra mansa quer dizer
rei ou senhor. Mas há historiadores que
afirmam ter sido em 1446 que a região foi
“descoberta”, quando Antônio de Nolle e Luís
de Cadamosto, por ordem do infante Dom
Henrique, percorreram a costa do rio Geba.
A colônia nasceu a partir de uma feitoria em
Zinguinchor — hoje uma cidade com cerca de
um milhão de habitantes —, criada para
intensificar o comércio de escravos com o
Império Gabu, reino que englobava, além da
Casamansa, a Guiné-Bissau e a Gâmbia,
reunindo várias etnias, como a jola — que
sempre foi majoritária —, a fula, a banta e
a manjaco.
Os franceses, atraídos pelo florescente
comércio de carne humana, chegaram em 1459.
No século XVIII, franceses e portugueses
combateram entre si na região. A partir de
1908, a Casamansa tornou-se colônia
francesa, mas não integrada ao Senegal.
Depois da Segunda Guerra Mundial, foi criada
a Federação do Mali, que reunia também
Senegal e Casamansa. Em 1947, com a
liberação das atividades políticas pelas
autoridades coloniais, surgiram o Bloco
Democrático Senegalês, comandado por Leopold
Senghor, e o MFDC, que só optou pela luta
armada a partir de 1982.
Proclamada a independência da Federação em
1958, o Mali, dois anos mais tarde,
retirou-se da aliança porque exigia que a
capital fosse Bamako em vez de Dacar.
Casamansa ficou, então, unida ao Senegal por
um documento que previa a coalizão por duas
décadas. Mas, em 1980, Senghor entendeu que,
“para o bem das duas nações”, a Casamansa
deveria continuar unida ao Senegal. Quando
ele já não estava no poder, ocorreu a
tragédia de Zinguinchor.
Dos 3,5 milhões de habitantes, apenas 10%
são alfabetizados e aprenderam
obrigatoriamente um pouco de francês. O povo
fala mesmo o idioma jola e o crioulo
português. Só alguns integrantes da elite,
que estudaram na França, usam o francês. As
ligações com o mundo lusófono são mais
fortes. Até porque Portugal esteve lá 462
anos, enquanto a presença francesa não
passou de oito décadas.
Apesar do esforço de Dacar para erradicar a
cultura lusa, há alguns monumentos em ruínas
que testemunham a presença portuguesa. Mas,
em razão da repressão, não há na Casamansa
nenhum jornal ou emissora de rádio em língua
portuguesa. Só entram jornais em francês
impressos em Dacar. |
Publicado na Revista Fórum, de São
Paulo, ano 4, nº 39, junho 2006, pp. 42-43 |
Revista
TriploV de Artes, Religiões e Ciências, 4,
Março de 2010 |
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Adelto Gonçalves (Santos, Brasil).
Doutor
em Letras na área de Literatura Portuguesa e mestre
em Língua
Espanhola e Literaturas Espanholas e
Hispanoamericana pela Universidade de São Paulo (USP).
É autor de Bocage: o perfil perdido (Lisboa,
Caminho, 2003), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio
de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona
Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002) e Fernando Pessoa: a voz de
Deus (Santos, Universidade Santa Cecília, 1997), Os
vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José
Olympio, 1981) e Mariela morta (Ourinhos-SP,
Complemento, 1977). É colaborador da revista
Vértice, de Lisboa, desde 1994. Escreve também no
quinzenário As Artes Entre as Letras, do Porto, e na
Revista Forma Breve, da Universidade de Aveiro, No
Brasil, escreve na Revista Brasileira, da Academia
Brasileira de Letras, no Jornal Opção, de Goîânia, e
na Revista Philologus, do Círculo Fluminense de
Estudos Filológicos e Lingüísticos. É membro da
Academia Brasileira de Filologia (Abrafil). É
professor de Jornalismo na Universidade Santa
Cecília, de Santos, e no curso de Direito da
Universidade Paulista (Unip), campus Rangel, em
Santos. Ganhou os prêmios Assis Chateaubriand, de
1987, e Aníbal Freire, de 1994, da Academia
Brasileira de Letras, e Ivan Lins de Ensaios, de
2000, da Academia Carioca de Letras e União
Brasileira de Escritores, do Rio de Janeiro.Escreveu
prefácios para dois livros de contos de Machado de
Assis publicados em 2006 e 2007 pelo Centro Lusófono
Camões da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen,
de São Petersburgo, Rússia, em edição bilíngüe
russo-portuguesa. Jornalista desde 1972, trabalhou
em O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, Editora
Abril e A Tribuna, de Santos. Foi correspondente em
Lisboa da revista Época em 1999-2000. |
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