obras em processo
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Alguns dos
poemas deste livro foram publicados em
revistas e jornais tais como: TriploV,
Decires (Argentina), Jornal de Poesia
(Brasil) Velocipédica Fundação, Botella del
Náufrago (Chile), El Establo de Pégaso
(Espanha), DiVersos, Carré Rouge (França),
Saudade, De Puta Madre (Espanha), Sibila
(Brasil), Abril em Maio, La Otra (México),
António Miranda (Brasil).
(Casa da
Muralha, Arronches, Dezembro de 2009) |
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PESSOA INÚMERO E OUTROS
POEMAS
PESSOA
INÚMERO
PRECE
PARÁBOLA
GENEALOGIA |
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PESSOA INÚMERO |
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aos Irmãos
de H. |
O que me interessa em Pessoa (máscara)
seja ele Fernando, Alberto ou Álvaro
é o ar grego e geométrico da sua casa
- casa dos seus versos exteriores -
onde as plantas terrenas, totalmente
terrenas
com que enfeitou os seus dias e noites
aguardam sonolentas no calor do dia
a música, as abelhas, a lenta putrefacção
da clara Natureza na noite nascente.
Parece que escrevia bem o inglês
(descobriram isso, embora não seja seguro
depois de falecer)
tão bem que os rostos de Tennyson,
Shelley, Whitmann, Shakespeare
e alguns outros indistinguíveis
vieram pousar sobre o seu rosto engelhado:
numa aldeia galesa os habitantes
julgam recordar-se dum fantasma de gabardina
que numa tarde foi segundo consta avistado
por velhos, crianças e amáveis mulheres
andando entontecido pelas ruas sem destino
sombra aqui, sombra acolá
- o que era, aliás, apenas fingimento.
Por cá evidentemente sua-se de novo
o ranho, o esperma e o sangue dos poetas
(carrascão, ginjinha, uísque e soda?)
a sério e a brincar
o que dá jeito expressão serenidade.
Algures, num jardim real, o neófito agoniza
ombro com ombro, barba com barba
para que a chama da candeia luza ainda
numa rua onde nunca choverá
Algures, um laranjal incendeia-se de repente
e as aves partem em bando
mas já frias como dobrada à moda
de nenhures. Numa sala
um gato absorto olha o mostrador dum relógio
olha sem entender
e numa certa janela um lenço acena de vez
E a figura de arame de Pessoa (máscara)
dentro dum automóvel de brinquedo
na velha estrada de Sintra
que não existe, nunca existirá
- e por isso, ó minha alma, é bem real -
despenha-se explodindo no coração
do Mundo (ausente). |
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PRECE |
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O senhor Marcelo
o senhor Gonçalves
o senhor Ramiro
que dá passos que ressoam.
A senhora Adelaide
a menina Cecília
o gato do senhor Victor
um ronco muito ligeiro sobre o ar, sobre as
flores.
A tinta no meu peito espalha-se no vosso
rosto
canta como um galo saudado o intervalo
entre os meses, os grandes meses bravios
em que acordais de repente, surpresos como
os arcanjos.
Senhor Marcelo, protegei-me
dai-me o fruto do vosso dia impoluto
Menina Cecília, por favor por favor
dizei-me que a imensa floresta me será
sempre propícia.
As árvores, as grandes árvores solitárias
suspensas como ruas que tremem quando
amanhece
que tremem como vós, senhor Ramiro, velho
compincha
quando ao pequeno almoço ergueis a vossa
face lívida.
Meus amigos, meus amigos, pequenos animais
nocturnos
frutos como eu indistintos minúsculos
pedaços de acasos. |
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PARÁBOLA |
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O verde está ao norte na esplanada da manhã.
O azul por dentro da camisa do primeiro
barítono.
O castanho debaixo duma carta dum primo
distante.
O preto ficou parado: estendeu-se sob uma
laranjeira.
O anil, por seu turno, nada fez.
O violeta censurou-lhe a preguiça e agora
vão os dois de braço dado.
O cinzento mora no sovaco de um cardeal
francês e ressona.
O amarelo foi devagarinho aninhar-se por
detrás duma garrafa de conhaque.
Algumas outras cores dançam de roda. Duas
delas cantam:" naquele dia
o meu amor nadou sete quilómetros/ ao longo
dum rio caudaloso
e os girassóis estremeceram/ cheínhos de
saudade".
Uma cor pequena e modesta subiu para cima
duma cadeira
e pediu atenção. "Era uma vez", disse com
voz clara e sóbria
- e todas as cores, sonolentas, desataram a
sorrir. |
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GENEALOGIA |
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Meu tetravô de Pontevedra que agora sei que
existiu
teria conhecido um dia os pinheirais de São
Mamede?
Dessa terra de meigas trouxe decerto
recordações
quando foi para Alburquerque para casar por
amor
com uma Ana de Cáceres, como o Livro me diz
- o que os meus filhos me deram por
lembrança da mãe
como presente de Natal – genealogias
fecundas
do coração do tempo. Teria alguma vez andado
por estas ruas
ou mesmo pelos meandros do Reguengo?
Ele, que era hortelão, como meus
antepassados
mais antigos, que sonhos acalentou
pelos dias, pelas noites duma terra
diferente?
Já nestas terras alentejanas, chamar-lhe-iam
talvez
o espanhol, mas sem maldade, antes de lhe
nascerem netos
como ele se calhar com sotaque galego
e memórias de lugares onde seus pais se
criaram.
Meu tetravô que buscava nos campos
portugueseses
- o amor da aventura, a procura do pão
ou apenas horizontes gratos ao seu coração
de rapaz novo e forte com sede de conhecer
outros rumos e gentes, desconhecidas raízes?
Bailaria nas festas? Olharia os caminhos
tão velhos e tão novos da planície e da
serra?
Guardaria num baú utensílios da infância
que sempre nos acalentam, sempre nos
enternecem?
Meu tetravô de Pontevedra, meu quintavô já
velho
de anos depois lançados na lembrança dos
meses
que jamais nos devolvem o passado que
tivemos
agora vive em mim, agora sei que existiu
como depois dele houve os Gonçalves, os
Garções
e muitos mais do futuro que depois de mim
virão.
Meu sextavô espanhol, lá da terra das meigas
saúda-me decerto, saúda-me dos longes
com indistinta voz em surdina, galega
mesmo já do além ou de dentro dum livro
- ao hortelão-poeta que agora aqui o lembra
que agora aqui o escreve
emocionadamente. |
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Revista TriploV de Artes, Religiões e
Ciências, 5, Abril de 2010 |
NICOLAU
SAIÃO [FRANCISCO GARÇÃO]
[Monforte do
Alentejo,1949, Portugal]
Poeta,
publicista, actor-declamador e
artista plástico. Efectuou palestras
e participou em mostras de Mail Art
e exposições em diversos países.
Livros: “Os objectos inquietantes”,
“Flauta de Pan”, “Os olhares
perdidos”, “Passagem de nível”, “O
armário de Midas”, “Escrita e o seu
contrário” (a publicar). Tem
colaboração dispersa por jornais e
revistas nacionais e estrangeiros
(Brasil, França, E.U.A. Argentina,
Cabo Verde...).
CONTATO: nicolau49@yahoo.com |
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