1. (a)
A – não o
simples começo
do amor
alevantado da árvore que se descobre
sobre a
cabeça
num
espanto de olhos de quem
se ama no
chão do campo
ou de pé
na penumbra numa viela esconsa.
(Que aí
seria mais
o vulto
escuro
de casas
na neblina ou o vidrado
de
anónimas janelas). Mas sim
o
a
de abrir
de ficar
com o alto das coxas preparado
para
maiores desvelos, sem que a mão
por
detrás pela frente
atabafe o
grito inocente de alguém
virgem
ainda ou hábil fugazmente
num ardil
de maior gozo. O
a
do fim
da meia
preta se possível, ou de grosseira lã com
seu til
sensual
mais o resto da roupa lá no centro
do espasmo
ou da voragem.
O
a
que se exerce na palavra pássara
nosso
amorável gosto de beijar de ter
o vôo ao
rés da boca nos sentidos
de um
abalar da língua p’ra norte ou ocidente
com a
tensa amargura de tudo se acabar.
O
a
da salvação de enormíssimas tardes
do
passado da aventura rara
que jamais
se esqueceu
porque foi
a nossa dura condição. O
a
do gato
da tímida
coelha ou do cavalo
do cão
fremente na rua sem que uma voz
reparo lhe
faça por animal o ser. Ou o
a
alucinado do enamorado por amor se
perder
- um
destino arrancado
do denso
doce pecado
no meio do
coração.
E o
a
do não
do nunca
mesmo nunca poder ser
de jamais
a dois
nos tempos
do Tempo se acordar
e voltar a
arder.
O
a
sagrado e ferido
enfeitiçado dividido
de se
matar de se morrer.
2. (b)
Já
reparou, disse Jolce,
que não há
algarismos nem números começados por bê? Ora
pense um bocadinho…Para ter um bê precisa de
chegar ao bilião. Quase o tempo da Terra!
Tem
razão, respondeu Belinda um pouco
admirada depois de alguns segundos de
silêncio. Porquê aquele raciocínio
naquela altura da conversa? pensou de si
para si. Um pequeno mistério que deslindaria
mais tarde, quando Jolce já não constituísse
para ela qualquer segredo, quando o tivesse
reduzido à condição que lhe competia de
fogoso cobridor, de doce urso roncante sobre
a cama de casal – larga e resistente como
ela gostava, como ela exigira no seu quarto
de meiga aventureira para viagens sem
retorno quando as férias parece que são para
sempre.
A verdade
é que aquele homem a intrigava desde o
princípio. Com o seu rosto cinzelado de
arcanjo um pouco brutal e o torso de
pugilista amador, assim que o vira no átrio
do hotel ficara a cismar. Caçadora de
férteis recursos, não lhe passara
despercebido o olhar algo febril e o vulto
que se recortava, pujante, sob os calções de
banho. Ele transportava na mão esquerda um
copo de curaçau gelado que fora buscar ao
bar e quando os seus olhares se cruzaram ela
percebeu que tinha ali um bocado de destino.
Seguira-o até à piscina. Chegar a um jantar
a dois fôra uma simples naturalidade de
fêmea acelerada e experiente nos seus trinta
anos de gozadora de rins másculos e
sapientes.
E
notou ainda, disse ele com a sua voz de
baixo enquanto a olhava bem de frente, a mão
arrepanhando um pouco a toalha cuja alvura,
nem ela sabia porquê, lhe perturbava os
sentidos alerta, que algumas das palavras
mais inquietantes, mais significativas, é
por bê que começam? Beemoth, bendito,
Babilónia, bondade, bifronte… Já tinha
reparado?
Sob a
mesa, com o seu pé Belinda tocou no pé de
Jolce. Pisou-o mesmo com decisão e a dureza
sentida deixou-a um pouco admirada.
Mas
há outras palavras, pelo menos tão
significativas embora bem menos
inquietantes, que começam por outras letras, disse pausadamente com a voz um pouco rouca. E atacando sem retóricas
escusadas e paninhos quentes: Palavras
como possui-me, como vem-te dentro de mim,
como mete-mo também aí… Não acha?
Sentira
chegada a altura de lhe testar de caras a
qualidade de macho esclarecido, de jogador
de entendimentos e de mundanais sabedorias.
Estendeu a mão e agarrou na mão dele, junto
da garrafa de Chateau-Yquem e do copo de
vidro facetado a que uma suave coloração
cor-de-rosa pálido dava uma ténue luz.
Olhou
Jolce e estremeceu. O seu rosto parecia ter
ganho uma doçura insuspeitada: os traços
mais suaves e ao mesmo tempo estranhamente
endurecidos tinham ficado como que imersos
numa ligeira sombra, tal qual sucede no
princípio do entardecer às coisas que nos
envolvem. Na testa que os cabelos castanhos
claros coroavam parecia ter-se iluminado, de
repente, uma pequena estrela.
No
pulso, ao rés das veias salientes, ela
apalpou uma leve rugosidade e depois
distinguiu - enquanto a respiração se lhe
adensava - um sinal diminuto, que contudo se
percebia ser constituído por três letras
muito juntas, num relevozinho finamente
traçado: o bê, o duplo fê e o él.
Quando
levantou os sugestivos olhos doirados viu
então, talvez só com um leve toque de
surpresa, enlevo e algum terror, que os
olhos esverdeados de Jolce a miravam fundo,
bem fundo, com todo o conhecimento e uma
absoluta melancolia. |