Sou eu,
pai! Estive com umas amigas. Fui com elas
Ao cinema.
Vim pela rua do Bairro Alto.
Como a
cidade
Estava
bela com a noitinha a entrar. Ao pé do
Castelo
Um anjo
rebrilhava coberto de lantejoulas
Como as
dos desenhos do tio Julio.
Comeste,
pai? O que é que a dona Rosalina nos mandou?
Eia, pai –
jardineira! E leite-creme como tu gostas. E
figos
- num
prato ratinho dos teus preferidos!
Deixa. Eu
coloco na mesa. Tu continua a sonhar
Aí junto à
varanda, na cadeira velha de verga.
Já
reparaste?
Que de
luzes que aqui se juntam! Ficam tão bem
À minha
blusa amarela. Sim, tu bem o sabes, a noite
vai ser longa
Mas um
novo planeta nos espreita lá de cima.
Não tenhas
medo, pai!
Eles não
andam no quintal. Eu disse-lhes
Que não
andassem no quintal, mesmo em Vila do Conde.
Logo
terás, depois da música
Areias do
deserto e os ventos da beira-mar. E olha
Consertei-te o coração
E o teu
boneco estripado.
Pai: ontem
um moço, na rua
Olhou para
mim e eu
Pensei de
repente em coisas - borboletas sobre um
prado,
Um grilo
tenor em alvoroço, rios correndo – em coisas
que tenho
Pudor de
contar a outras gentes. Que tolice, pai, não
é?
Mas ele,
se assim o digo, parece gostar de mim. E
estou um pouco feliz.
E peço-te
já versos para ele. Como os daquele príncipe
Que todo
se danava se acaso a lua não vinha. O meu
rapaz
Tem um
sorriso esquisito
E uns
olhos azuis-lilases.
Pai, a
casa – esse navio – vai partir. Olha, ao pé,
a tua estrela
Do teu
menino ausente. Não te entristeças, pai.
Estou tão contente!
Dá-me a
tua tablete
De
chocolate, dá-me a Nossa Senhora, dá-me a
tua caneta
De
estudante: com ela farei versos
Que tu me
invejarás. Estou a meter-me contigo, pois
então!
Como tu,
também sei pelo caminho quais os passos
Que vão
dar aos meus próprios lados. Quando dormires
Eu te
velarei. E vejo-te sempre como tu me vês
Pelas
pálpebras mal cerradas.
Teremos
luz e calor, pai
Como tu
bem mo quiseste revelar. Os deuses, coitados
deles
Não terão
mais remédio
Que ler
teus livros inteiros. (Um dia
Pedir-lhes-ei alvíssaras).
Não temas,
pai. Eu estou aqui. Sempre estarei aqui.
Guardo comigo
As rosas
desfolhadas
E o meu
vestidinho branco. E agora
Vamos,
pai. Deixa lá as escritas, escreverás o
resto do teu conto
Lá p’ra
mais tarde.
(É sempre
p’ra mais tarde que se escreve). Vamos agora
passear.
Que a
grande voz do mundo
Eu já ao
longe a ouço. |