Alguns dos
poemas deste livro foram publicados em
revistas e jornais tais como: TriploV,
Decires (Argentina), Jornal de Poesia
(Brasil) Velocipédica Fundação, Botella del
Náufrago (Chile), El Establo de Pégaso
(Espanha), DiVersos, Carré Rouge (França),
Saudade, De Puta Madre (Espanha), Sibila
(Brasil), Abril em Maio, La Otra (México),
António Miranda (Brasil).
(Casa da
Muralha, Arronches, Dezembro de 2009) |
Às vezes é fácil olhar em volta e ver o quê?
Talvez tudo, talvez nada. O grande e sonoro
mundo das existências desesperadas,
prazenteiras ou sujeitas à confirmação dos
momentos de angústia. Aquilo que, não sem
certa dose de ingenuidade, se costuma
convocar sob o nome de quotidiano
Então, por vezes, aparece a escrita. As
escritas, porque aqui trata-se de existir em
diversos tons.
Mas de que falo eu? Desse excelente amigo um
pouco amável, um pouco cínico, que nos conta
histórias para rir ou para chorar? Ou da
senhora amargurada que nos revela histórias
íntimas e muito cómicas à força de serem
trágicas? Não, seria demasiado simples,
demasiado irrisório virem desinquietar-nos
com semelhantes ninharias. As nossas não são
épocas amenas, o próprio ambiente nos prega
partidas inesperadas, uma parede que cai, um
braço ensanguentado no vão duma porta, um
vulto inquietante lá no princípio do bosque,
aí mesmo, no sítio onde um renque de dálias
nos chama à beleza de um fortuito momento de
plenitude.
E depois há o cansaço. O desapego de muitas
deambulações. Algumas figuras mortas que de
súbito nos pesam como montes de cinza, nos
estorvam como matagais insustentáveis.
E então, de repente, há a poesia.
Não a que se consegue depois de um paciente
exercício de interiores bem habitados, nem
sequer a que nos aparece, sem que a
esperemos, convocada por indizíveis rituais
de amorosa persistência, mas a que de
repente explode e nos aguarda e nos atira um
olhar de viés e se cola aos nossos passos
como se daí dependesse tudo, a nossa vida, a
nossa morte, todo um conjunto de poderosas
nostalgias em que nos sentimos senhores e
servos, o mar e a estepe, a certeza de que
tocámos muitas coisas proibidas. Por
exemplo, a sageza. Ou, o que é o mesmo, a
rota que nos leva do riso desgarrador ao
silêncio mais melancólico.
Nestes poemas coexistem uma raiva e uma
ternura muito peculiares. Elas são feitas de
ritmos em que se misturam coisas grandes e
coisas pequenas, a amargura, a alegria, os
desencontros, a devastação de um mundo, o
medo e a surpresa indemne, o conhecimento
que bem pode por vezes visitar-nos. Mas
nunca o desencanto. E nunca a indiferença.
Mas também o amor. Se não em existência,
pelo menos em potência. Ou em expectativa.
Ou em perfil, ainda que feito só de penumbra
ou, até, de irrisão. Porque somos feitos de
muitas ausências, será bom que nos
precatemos. À solta, muitos animais
incoerentes arrastam-se dissimuladamente na
nossa direcção. Há que responder-lhes, não
deixando para trás numerosas e sólidas
figurações com que nos possam fixar. Neste
terreno de suspeitas e escaramuças,
conservemos a nossa boa estrela.
Porque o silêncio vazio tenta por vezes
situar-nos e nós fomos feitos para as vozes.
Ainda que tenuemente, ou melhor, sem vermos
que rente ao nosso corpo corre já uma outra
luz, ou outro sopro de vento que nos dará,
compassivamente, alguns minutos mais para
nos acrescentarmos à existência. Porque se
trata de existir tanto quanto possível em
plenitude.
E ela, acreditai-me, significa.
La Jolle (Toulouse), Junho de 2008
Trad. JOÃO GARÇÃO |