Revista TriploV DE Artes, Religiões e Ciências

Direção|Maria Estela Guedes & Floriano Martins

PÁGINA INDEX NÚMERO 05|ABRIL 2010

  NÚMERO 05

ABRIL 2010

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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LUÍS COSTA

 

MUNDO, MEMÓRIA, METÁFORA

Vivemos no tempo e no espaço por isso nada é eterno, o que agora é já deixou de ser: Pantha Rhei! E como Camões já cantava:
 
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

 
De facto tudo é transformação, tudo se encontra sobre o signo da mudança, quer dizer, no fluxo do tempo cada momento é um nada. A eternidade, racionalmente analisada, seja do que for, é uma utopia. A causalidade, uma quimera.
  
Diz-nos Heráclito de Éfeso que:
 
 "Todas as coisas são uma troca do fogo, e o fogo, uma troca de todas as coisas... „

Contudo a nossa memória, enquanto existentes, tem o poder de guardar cada um dos momentos dessa troca de fogo, ou seja, da nossa vida: os mais felizes e os menos felizes (estes na maior parte dos casos no inconsciente ou subconsciente).

A memória torna-nos por este modo reais, deixa-nos sentir que somos deste mundo como se o mundo nos pertencesse e nós pertencêssemos a esse mundo. A memória dá-nos uma identidade, povoa o vazio da máscara. A memória deixa-nos organizar em imagens o EU, ou seja, dá-lhe consistência. Aquele EU que sem os prodígios da memória não passa para lá de um enxame de ilusões, um vazio, isto é, a memória salva o EU. Se apagarmos a memória apagamos a existência das coisas. A memória é assim a aliança, o elo que torna a corrente possível, unidade. Por isso cada instante da nossa vivência continua a existir para lá do tempo e do espaço histórico em que viram a luz do mundo, uno, em nós. A memória liga o presente e o passado. Torna-os numa espécie de presente contínuo. Ela é: continuidade. E isto é mais real que o próprio real que se nos mostra sempre como um jogo dialéctico e antitético.  

De cada momento que passa, de cada momento em que metemos os pés na correnteza do rio de Heráclito, só a memória, o seu mágico substrato, o miolo, permanece na presença da ausência que a palavra cria em nós, salvando assim essa memória das trevas do esquecimento.

No aspecto colectivo, histórico de um povo, é igualmente a memória que estabelece os laços identitários entre os indivíduos desse povo: mitos, religião, os costumes, a moral etc. laços que, embora pesando todas as diversidades, mantém esse povo como um corpo unido, coeso, levando-o nos momentos mais críticos a se reunir em defesa da independência da sua identidade (nacionalidade), mas também nos momentos vitoriosas (por exemplo quando uma selecção de futebol ganha um europeu ou um mundial) a festejarem em uníssono.

A memória de um povo pode ser dada oralmente, mas é na escrita, nos livros e documentos que ela atinge um poder sagrado, quase indestrutível.

Nos tempos antigos e nos estados repressivos uma das coisas que os usurpadores do poder tinham por hábito era destruíram todos os escritos adversos ao seu pensamento e ao quais os adversários poderiam recorrer em defesa dos seus direitos, e que por isso eram perigosos. Destruindo esses livros, ou seja, a memória jurídica, moral e religiosa, bem como as tradições etc. dos seus adversários, o ditador destituía-os igualmente do direito ao passado mítico ou factual, encontrando-se assim em pleno direito de ser ele próprio a edificar uma nova ordem: uma nova memória, escrita, cimentada na sua pessoa, uma memória do futuro.

Um dos casos, talvez o mais radical da história da humanidade, que exemplifica o que acabámos dizer, aconteceu na china de Qin Shi Huang Di, o iniciador da construção da grande muralha e fundador do império chinês unificado.

Durante a unificação do império chinês, Qin Shi Huang Di, que abole o sistema feudal, ordena em 213 a. C., que se queimem todos os livros existentes nas escolas, à excepção dos livros de filosofia estatal. O destino de todos aqueles que escondessem livros era brutal: depois de marcados com um ferro em brasa eram condenados a trabalharem na construção da Grande Muralha até ao resto dos seus dias.

Com esta medida, como repara Jorge Luís Borges no seu ensaio o Muro e os Livros, Qin Shi Huang Di decidira que a história da china deveria começar a partir dele. Quando ele decide isto já a cronologia chinesa tinha cerca de 3000 anos e no espaço desses anos haviam vivido um imperador amarelo, um Tschuang –Tsu, um Confúcio e um Lao-Tsé. Ora então, o único meio de realizar o seu empreendimento, tão ousado, seria precisamente apagar a memória, ou seja, o passado identitário desse povo. Só destruindo a memória desse povo (os seus documentos e livros) este imperador poderia ter a certeza de que a História começaria, oficialmente, a partir dele. E graças à megalomania deste acto, representado em feitos como o início da Grande Muralha (que pode ser vista sob este aspecto como uma metáfora), mas também na unificação da escrita, ele, ainda depois de morto, continuaria a viver na presença da ausência, isto é, na memória do seu povo. Se a suposta obsessão paranóica deste imperador chinês em atingir a imortalidade, não se realizou no aspecto corporal, já graças à obra, a sua memória continuou a viver através dos tempos. A verdade é que o império chinês, por ele iniciado, durou até 1916 e a grande muralha lá está e lá continua a brilhar nos nossos dias.
  
Como também Jorge Luís Borges diz, logo no início do ensaio - A Esfera de Pascal:
 
“ Talvez a História Universal seja a história de um punhado de metáforas.”

De facto, depois de tudo o que dissemos atrás, parece-nos ser o poder metafórico da palavra (a palavra como acto mediador) que cria o momento histórico e ao mesmo tempo torna possível que a memória ultrapasse esse mesmo momento histórico, factual, dando ao homem uma espécie de unidade cósmica, um direito de ser, para além de cada momento no fluir do tempo, que é sempre passado, que imediatamente deixa de ser, porquanto por meio desse poder metafórico podemos estabelecer a unidade:
 
- Estou no mundo, pois fui isto ou aquilo, pois fiz isto ou aquilo, por isso sou isto ou aquilo.

Do: “ Caderno de Buridan “
Luís Costa, 2009

 Luís Costa (17 de Abril de 1964, Carregal do Sal. Portugal).
Tem vindo a editar trabalhos em revistas e sites digitais como: revista Conexão Maringá, revista Zunái, jornal Triplov, site Triplog e revista Agulha.

Blogue pessoal: http://oarcoealira.blogspot.com/
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