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JOÃO SILVA DE SOUSA
Assinalando
os 550 Anos da Morte do
Infante D. Henrique
(1460-2010):
Do
ducado de Viseu ao Condado
de Tarouca
(antes de 1437-1499) |
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Conferência no Museu de
Lamego, 13 de Março de 2010 |
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1. |
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A primeira delimitação do
património do Infante D. Henrique em bens
fundiários, ou seja, em terras para
exploração nas mais diversas formas sem
qualquer restrição, tomou lugar a 17 de
Abril de 1411, quando, seu pai, o rei D.
João I, despachou um documento, com o acordo
de sua mulher, a rainha D. Filipa de
Lencastre e de seu filho mais velho, o
príncipe herdeiro do trono, D. Duarte.
Abrangia aquele espaço
demarcado uma boa parte da Comarca da Beira
de então, incluindo imóveis nos três
almoxarifados: Guarda, Viseu e Lamego.
Imaginemos nos dias de hoje, as Províncias
da Beira Alta e a da Beira Baixa juntas, e
três distritos que a compunham: o da Guarda,
o de Viseu e o de Lamego. Quer dizer, o
Infante passou a poder administrar mini ou
latifúndios, honrados pelo rei de Portugal,
de D. João I a D. Afonso V, passando por D.
Duarte, seu irmão, pelo próprio Infante D.
Pedro, outro dos seus irmãos, o qual
governou o País de 1438 a 1448, ou seja,
durante a menoridade do novo monarca, seu
sobrinho.
Ao falarmos que os
minifúndios ou os latifúndios eram honrados
pelo rei de Portugal, queremos deixar
sublinhados todos os privilégios que,
ordinariamente, acompanhavam uma honra ou um
couto: a isenção de alguns impostos,
administração da terra pelo seu possidente,
sem que a Coroa tenha nela qualquer género
de intervenção, e imunidades que eram também
ínsitas a este, a seus mordomos, caseiros,
criados, agricultores e apaniguados, como se
designavam de um modo geral, com uma
abrangência muito lata, como se presume.
Teriam também tribunal próprio e praticavam
a justiça dentro dos limites que a lei
permitia, o mesmo é dizer que detinham o
misto império, o cível e o crime, excepto
crimes de sangue que teriam de passar pelo
tribunal do Rei.
Além disto, o papa Martinho
V, ao aprovar a nomeação do Infante D.
Henrique para a administração da Ordem de
Cristo, a 25 de Maio de 1420, através de uma
bula (In apostolice dignitatis specula),
permitiu ao Infante reger, a seu bel prazer,
as comendas desta importante instituição.
Ora o presente facto aumentou imenso a
jurisdição ou o poder, a todos os níveis,
que passou a deter o Navegador na referida
Comarca e, naturalmente, noutros lugares do
Reino, como já antes referimos.
Contudo, a grande
concentração fez-se aqui, na Beira, nesta
parte do nosso País à qual chamamos hoje de
Beira Interior e numa área essencialmente
triangular que unia Viseu à cidade da Guarda
e desta partia para Lamego, incluindo a
maior parte do seu aro que compreendia,
Tarouca, Baldigem e Lalim.
Em todo este extenso feudo, o
Infante D. Henrique detinha:
. Direitos Reais:
ou seja recebia tributos e exercia funções
que só o rei podia receber e deter, mas que
o monarca lhe tinha dispensado de si
próprio, para lhe dar maior poder nas
terras onde o Infante exercia a sua
jurisdição;
. Direitos
Senhoriais, isto é, como qualquer senhor nas
suas terras, podia administrá-las, do mesmo
modo que o rei de Portugal o mandava fazer
nos seus domínios pessoais;
. E ainda Direitos
Dominiais, que provinham da exploração da
terra: exploração avícola, agrícola,
pastoril, apícola e piscatória.
Ora todos estes lhe eram
pagos pelos que trabalhavam as suas terras
ou apenas em parte delas, dando à Casa do
Infante porções ou fracções de géneros
alimentares que vinham de todo o lado e
prestando serviços de atalaia (velas e
rondas) e de reconstrução de pontes, muros,
caminhos… (a anúduva).
Numa Inquirição mandada levar
a cabo por D. Duarte aos almoxarifados de
Lamego e Viseu, em 1433-1434, pode ver-se
que os colonos solviam, de preferência,
percentagens do que colhiam da terra e não
quantidades certas, o que para eles era
muito mais conveniente, pois, produzindo
muito ou pouco, podiam sempre pagar. Isto é,
podiam sempre liquidar ao mordomo henriquino
metade da produção do cereal fosse ela fraca
ou abundante. Se lhe exigissem porções
certas, por exemplo, de um cereal de que não
produzisse o suficiente, teria de tentar
deitar mãos a processos que lhe permitissem
obter a quantidade exacta, como a troca e a
venda, o que se tornava de todo impossível,
em anos de intempéries generalizadas e de
consequentes más produções.
D. Henrique tinha em funções
continuadas os seus juízes e tribunais;
recebia coimas em dinheiro, naturalmente,
por crimes praticados; e, entre outras
fontes de rendimento, toda uma grande
variedade de monopólios de fabrico de bens
utilitários e de consumo, e o exclusivo da
venda dos mesmos.
As coimas eram, geralmente,
elevadas quantias em numerário e não
evitavam nunca a pena física de que o
criminoso havia sido alvo: estas podemos
considerá-las como das melhores e mais
certas fontes de rendimento, dado que gente
com comportamentos irregulares era o que
mais se encontrava em todo o Reino.
Recordemos, nos forais, os escalonamentos
das penas pagas em dinheiro e que vão servir
para ser postas em práticas nos séculos
seguintes.
Há os que reduzem a multa em
dinheiro ao pagamento em trigo, o que não
seria menos difícil de cumprir, dado que a
produção deste cereal em anos de fartura não
ultrapassava os 7% do conjunto dos demais:
centeio e cevada.
As penas são muito curiosas e
indicam-nos também alguma tipologia de
crime. Por exemplo:
Por morte de alguém pagava-se
sempre menos do que se se cometesse algum
crime patrimonial, como, por exemplo, se se
invadisse terreno e casa alheios e se se
cometesse o crime de roubo. Se invadissem
fundus e se se estragassem árvores de
fruto.
Se se atacasse algum com um
punhal pagava menos do que se a pessoa fosse
atacada com uma lança. Se esta fizesse
ferida, pagava-se X, se saísse do outro lado
do corpo, podia pagar-se cem vezes mais.
Se alguém ficasse sem um
dedo, a pena ia corresponder a cada um dos
cinco dedos da mão especificamente. Se
ficasse sem dois, somavam-se os valores, e
se acaso ficasse sem os cinco ou os dez, o
resultado seria apenas uma questão de fazer
as contas também.
E fiquemo-nos por aqui.
Daí, sabermos também que D.
Henrique tinha cadeias nos principais
lugares que estavam sob a sua administração,
tendo, por isso, de ter carcereiros que
recebiam o imposto da carceragem que saía
dos cofres do concelho ou do Infante. Era o
processo de pagamento, sustento e manutenção
destes homens e das correspondentes
infra-estruturas, auxiliados pela figura do
besteiro do monte que vigiava as matas
cruzadas pelos caminhos calcorreados pelos
criminosos presos em suas cadeias, tendo os
mesmos ainda como missão proteger quem
transitasse com dinheiros públicos.
Repare-se que utilizámos a palavra cadeia em
dois sentidos distintos: um seria uma
espécie de prisão fixa. Outras eram os elos
de ferro que uniam os homens uns aos outros:
uma cadeia ou corrente, usada nas
deslocações de terra em terra.
Das suas tarefas que ele
mesmo escolheu, destacou-se a movimentação
oceânica pela costa ocidental africana, em
empresas de reconhecimento geográfico, de
guerra e comércio ou troca de produtos. Teve
de auxiliar o rei nas conquistas no Norte de
África, sendo Ceuta a primeira empresa
militar em solo norte-africano, o que lhe
permitiu receber o título de duque de Viseu
(1415) e a respectiva alcaidaria da cidade
(1416), ainda o senhorio da Covilhã (1415),
e, com o tempo, imóveis que se iam
multiplicando pelo território português,
sendo-nos possível destacar três zonas de
residência preferenciais: a Corte, onde ela
se situasse (1411-1433); o Algarve – de
Silves ao Cabo de São Vicente (1433-1460) –
e a Beira Alta – de Viseu a Lamego,
incluindo Tarouca, Baldigem e Lalim (em
momentos de sua vida muito variados).
Quantas mais empresas e missões
desempenhasse ou organizasse, bem ou mal
sucedidas, o Infante ia ganhando da Coroa
proventos em terras e monopólios. Parece um
tanto contraditório referir fosse ele bem ou
mal sucedido. O facto é que o caso exemplar
do desastre de Tânger muito contribuiu para
engrossar o seu feudo funcional e
territorial, dado o perigo em que se
encontrara aquando do ataque a esta
fortaleza. |
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2 |
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Os seus itinerários, ou seja
os lugares por onde andou no Reino são
maioritariamente conhecidos, pois já os
traçámos há 20 anos, como também pode
dizer-se o mesmo, relativamente aos 886
mulheres e homens que compuseram a sua Casa,
entre cavaleiros-nobres, escudeiros e
criados, de que muito se orgulhava, até
gente miúda que era recrutada para trabalhos
importantíssimos que desempenhavam nas zonas
portuárias, na complicada azáfama da
construção de caravelas, de panos para as
velas e de cordas, conservação de carne e
peixe, pão comum e biscoito – pão que era
cozido duas vezes para durar mais tempo (bis
+ cauctum) –, água e vinho e animais
vivos. Também na preparação de homens para
as viagens pelos capitães e pilotos cujos
nomes os sabemos em várias empresas
sucessivas.
Aproveito para fazer aqui um
parêntesis e explicar o que entendemos por
criados e criadas. Não eram propriamente
serviçais, pois serviçais eram todos, mesmo
os cavaleiros-fidalgos. Quem servia outrem,
quem estava permanente ou ocasionalmente a
disposição de um seu superior, era um
serviçal.
Todavia, o criado de um
senhor, como, por exemplo de D. Henrique,
era o homem que tinha sido da criação do
Infante, isto é tinha crescido, tinha sido
alimentado e educado junto com ele e o
servia, na maior das confianças mútuas, ou
recíprocas. Digamos que agia na puridade ou
na intimidade do seu senhor. E a sociedade
que se movia numa Casa Senhorial tinha
destas coisas: um pajem, um estribeiro, um
monteiro que o acompanhasse na caça podiam
ter uma maior acessibilidade (porque mais
frequente) e, por isso, um melhor
conhecimento no dia-a-dia e,
consequentemente, vir a obter a concessão de
favores para si ou para um dos seus, com uma
maior facilidade que um homem do seu
conselho ou o chanceler de sua Casa. As
funções eram, naturalmente distintas: na
política, estes teriam um maior valimento.
Nas pequenas coisas do quotidiano, seria
difícil alguém aceder ao Senhor com uma
maior facilidade, rapidez e frequência do
que o seu estribeiro, por exemplo.
E sabemo-lo pelo facto de, no
próprio diploma de concessão de privilégios,
nos aparecer gente miúda da Casa de alguém,
como intermediária ou intercessora em favor
de terceiros. Curiosamente, não queremos com
isto afirmar que fosse sempre assim: o
Senhor quando pedia, requeria para si
próprio, solicitando o que fosse para seus
caseiros e apaniguados o que queria dizer
que, facilitando a vida, dos seus
dependentes com certo tipo de isenções,
obtinha deles consequentes vantagens para o
seu trabalho e para a cobrança dos impostos
em maior número de géneros ou em mais
elevadas porções dos que mais lhe
interessavam. Curiosamente este facto fazia
depender-se do papel do ucheiro ou uchão, ou
despenseiro que sabia o que tinha a mais na
cozinha aquilo de que necessitaria para
cobrir as necessidades da mesa senhorial ou
régia, em particular.
Quanto aos 886 elementos que
encontrámos figurando na Casa do Infante, ao
seu serviço ou nas empresas de sua
iniciativa, embora estas mais de oito
centenas de homens e mulheres, quando
comparadas com os que nos foi possível
verificar para outras Casas Senhoriais, se
nos apresentem como um número muito elevado…
o facto é que o Infante teria muitos mais,
dado que, entre eles, nos aparecem nomeados
um sapateiro, um alfaiate, dois cerieiros,
um peliteiro, um número muito reduzido,
quanto a nós, de capitães e pilotos, um
quadro praticamente inexistente de pedreiros
e carpinteiros…
Assim, na maior parte dos
casos, os citados documentalmente têm para
nós não a vantagem de lhes sabermos o número
exacto, mas as profissões que exerciam.
Depois é multiplicar por quatro ou cinco o
número de cada profissional que o servisse
em todas as suas terras que eram imensas e
no período decorrente entre 1411 e 1460, ou
seja, durante meio século de actividade, se
nos lembrarmos que, em 1412, já D. Henrique
coordena festas em Viseu-Lamego, por ter
sido consentido por seu pai o ataque à praça
de Ceuta, em Marrocos que estaria preparado
e calendarizado para bem.
Subsidiado pela Coroa, da
maneira possível, o Infante recebeu um
extraordinário número de rendimentos que o
monarca lhe atribuía, aumentando de dia para
dia, através do desenvolvimento das
“fábricas” da época, que iam das saboarias
(do sabão preto e do branco) aos moinhos de
barcas e nas fozes dos rios. Da manufactura
de tecidos à tinturaria dos mesmos; do
açúcar puro e simples, aos frutos
conservados que iam à mesa senhorial…Ainda a
pesca e a pastorícia, para cuja
regulamentação contribuiu, a fim de não
faltar aos que podiam ver-se privados das
suas explorações. Cortavam-se compridas
linhas de água do Tejo, onde ele teria o
monopólio da pesca e atribuíam-se-lhe
pesqueiras, no Douro, por exemplo, para as
quais eram necessários boas pranchas de
madeira, redes de malha fina ou mais larga e
o trovisco. Também o fabrico e a venda do
sabão preto e do branco. Mais ainda: a
produção de vinhos, especialmente apurados e
de muito boa qualidade, entre o Dão e o
Douro, embora as formas de conservação,
fabrico e armazenamento não permitissem
grande durabilidade e garantias dessa boa
qualidade que os caracterizavam, por muito
tempo. O mesmo sucedia com o fabrico do mel
(o adoçante da época), da cerveja e de
vinhos adocicados, para os quais se
colocavam pisões nos referidos moinhos que,
na Beira – nos rios Tejo, Dão, Douro,
Balsemão e no Barosa e no Barosela por
Tarouca, lhe permitiam avultados
rendimentos, também no fabrico da cerveja.
Pelo monopólio do relego em
Viseu, nos seus termos e nas demais terras
beirãs e nos alargados aros das mesmas que
eram em grande número (e lembramos sempre
este facto), o Infante, entre Outubro e
Dezembro tinha o exclusivo da venda e do
comércio da uva. De 1 de Janeiro a 1 de
Abril, cabia-lhe o exclusivo do fabrico do
vinho e da venda do mesmo. Nestas terras, só
após industrialização do vinho, seu
consumo e comércio, podiam os outros
fazê-lo.
Às matas comunais e às que
pertenciam aos concelhos e ao Infante ia-se
buscar tudo: desde os adubos para o cozido e
o assado, à bolota e castanha para o fabrico
do pão, o peixe que passava pelos cursos de
água, a caça, as madeiras e o colmo, cardas,
cogumelos, tintas… tido aquilo que sabemos
que nasce e cresce, ainda hoje, sem que o
homem contribua para tanto. Uma boa fonte?
As Inquirições dos séculos XIII e ss. e os
livros de Aquilino (quase dos n/ dias).
Se não conhecemos os valores
no que respeita a números certos em reais
brancos e pretos (a principal moeda da
época), basta relembrar que o seu herdeiro,
seu afilhado, o Infante D. Fernando, fora o
nobre, a cujo assentamento nenhum rei na
Europa poderia tentar comparar-se, no dizer
do Cronista, autor da Crónica de Guiné,
Gomes Eanes de Zurara, e cujo tema foi
estudado à exaustão pelo nosso falecido
colega Dr. João Cordeiro Pereira, ascendia o
dito assentamento anual a 2 208 561 reais
brancos, sem contar com “distritos” cujas
indicações desapareceram.
E… ainda, pelo número
avultado de pessoal que dele recebia
moradias, casamentos, tenças de ordem vária
que prometia – umas concretizava outras não,
aos seus servidores. Como facilmente se
compreende, uma moradia era uma quantia que
se pagava a alguém que tinha de abandonar os
seus afazeres normais nas suas terras e
junto da Família, para vir a servir no Paço
ou em qualquer missão de que D. Henrique o
incumbia.
Casamento, entendido como
contia monetária, era também uma quantia
paga, aquando do casamento de alguém que
dele dependesse e a quem ele desejava
agraciar.
A sobrecarregá-lo,
encontramos igualmente os incalculáveis
gastos com a marinharia, dado que colocou em
prática dezenas de viagens, na maior parte
das vezes pouco rentáveis. Até 1434, há
indicações de 20 partidas de Lagos; após Gil
Eanes ter dobrado o Cabo Bojador, em 1434 e
até ao ano da sua morte, verificada em 1460,
quando chegámos, sensivelmente à latitude da
Libéria, mais umas oitenta. Ao todo,
ter-se-iam organizado 100 empresas por mar.
Traziam-se para o Reino lobos-marinhos,
peixes gigantes, no dizer de Cadamosto, e
ouro de aluvião. Foi também o início do
comércio de escravos, sobre o que Zurara
pinta um quadro absolutamente abominável,
embora esta nova actividade estivesse ainda
muito no seu início.
Vêm sobretudo a ser Viseu,
Lamego e Tarouca as áreas de onde advinha
maior riqueza, capaz e pôr barcos nas águas
atlânticas, não só pelo número de operários
e operárias, e de matérias-primas enviadas
em grandes quantidades: o sisal para as
cordas, o bragal e linho para as velas,
madeiras que daí vinham, embora se fale mais
relevantemente dos pinhais do Ribatejo, cuja
exploração detinha como outro dos seus
monopólios mais importantes. |
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3. |
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Um dos seus oficiais nobres
mais conhecidos foi D. Pedro de Menezes,
que, após o regresso do exílio na Galiza,
veio com alguns parentes, entre eles, sua
mãe, D. Mayor Portocarreiro, sem pai que
fora morto durante o extenso e complicado
período de indefinição política de 1383, em
diante. Seu pai era D. João Afonso Telo de
Menezes, antes da traição, fora Conde de
Ourém e Conde de Barcelos.
Verificamos, à semelhança do
que iria suceder em Alfarrobeira, em 1449,
que o perdão geral da arraia-miúda se
verificou ao fim de dois anos e, quanto a
exilados nobres, laicos ou eclesiásticos,
foi o mesmo seria tão-só deferido após cinco
anos. Não havendo lei que tal regulasse,
demos conta de uma prática que teria de
resultar nesta circunstância
compulsivamente: o País, a propriedade
reguenga e foreira do monarca, a economia do
Reino, em geral, as terras dos novos
elementos pertencentes aos mais altos
estratos da nova Sociedade política e
administrativa central e local, nas cidades,
vilas e lugares em todo o território de
Norte a Sul precisavam de ser povoados e
reorganizados, caso contrário, tudo quanto
tentava fazer-se no Exterior não assumia
qualquer explicação razoável nem lógica, nem
possível, se a Coroa se desleixasse com o
restauro das instituições disseminadas pelas
vertentes necessárias para o bom
funcionamento da interioridade do Reino. Os
Teles de Menezes eram, de longa data, uma
família com uma Casa das mais importantes,
dada a ligação à rainha D. Leonor Teles de
Menezes, com dotações imobiliárias
absolutamente impressionantes. Inclusive,
detinham grandes interesses na região de
Santarém que era, de ordinário, da
propriedade régia, monopolizadas as suas
explorações agrícolas e pastoris,
cerealíferas e frutícolas pelos oficiais do
soberano, em proveito do Paço Real em Lisboa
ou mesmo, em anos de peste, na própria vila
de Santarém. Ainda assim, detiveram grandes
interesses, dado que D. Fernando I havia
doado a D. João Afonso Telo, conde de
Barcelos e de Ourém e tio da monarca, por
jur de herdade, a rica lezíria do
Galego, que já possuía, desde 1367,
“enquanto sua mercê fosse”. Ao conde e a sua
mulher, D. Guiomar de Villalobos (ou seja, a
avó de D. Pedro de Menezes e tetravó do 1.º
conde de Tarouca, D. João de Menezes),
pertencia ainda a quinta do Cortelo, nos
termos da importante vila. Em 1380, fundam o
Convento da Graça, o que consolida o seu
poder material e simbólico em Santarém.
Até vir a falecer o Infante a
13 de Novembro de 1460, entre 18 de Setembro
e 28 de Outubro desse ano, D. Henrique ditou
à sua Escrivaninha, 18 peças testamentárias
que compõem aquilo a que chamamos de seu II
Testamento, o qual veio modificar as suas
disposições do I, que datava de Estremoz, de
7 de Março de 1436, em que fazia seu
herdeiro único o Infante D. Fernando, seu
sobrinho, filho do rei D. Duarte.
Vinte e quatro anos depois,
tudo se modificava. Das duas uma: o rei D.
Afonso V queria que os bens de seu tio D.
Henrique voltassem à Coroa em termos
definitivos, até porque seu irmão, D.
Fernando, duque de Beja, senhor de Serpa e
Moura e Administrador da Ordem de Santiago,
não necessitaria de mais nada. Ou, então,
estamos perante uma praxis, que se
traduz num voltar dos bens do Trono à Coroa
ao Rei, para depois o soberano vir a
entregar, paulatinamente, ao herdeiro
henriquino, o Infante D. Fernando, duque de
Beja e administrador da Ordem de Santiago,
que havia sido confirmado por D. Duarte e
pelo próprio Africano, que excluíram o
Infante D. Henrique das obrigações impostas
pela Lei Mental que havia sido promulgada em
1434.
No entanto, casos houve em
que o dito rei D. Afonso V, vulgarmente tido
como um mãos largas, veio a destinar bens de
grandes senhores seus oficiais, homens do
seu Conselho, para virem a ser entregues a
outros, após a morte dos primeiros.
Recorde-se o caso de Diogo Soares de
Albergaria, nobre aqui da região de Lamego,
– cavaleiro-fidalgo da Casa do rei,
alcaide-mor do castelo da Guarda,
fronteiro-mor da Guarda, fronteiro-mor e
vedor das obras da Comarca da Beira – que,
após a sua morte, todo o “seu” património
foi entregue a D. Luís da Cunha, um outro
nobre desta mesma região, do qual pouco
sabemos, ficando a irmã, D. Mécia Soares, e
sobrinhos do primeiro apenas com a beetria
de Óvoa, de que, inevitavelmente, o rei de
Portugal não podia dispor.
Uma beetria – como era o caso
– resultava da incomunicação espontânea dos
habitantes de Óvoa, neste caso concreto, a
Diogo Soares e na família teve de
permanecer, enquanto fosse o desejo dos
moradores e vizinhos da terra, pois D. Mécia,
sua irmã, a teve como beetria de linhagem.
Diga-se a título de curiosidade que, nesta
região, eram beetrias o Aro de Lamego, da
família dos Coutinho, Britiande, de D. Pedro
Afonso, filho natural e legitimado de D.
Dinis, Gestaçô de Martim Afonso de Sousa.
Não seriam as únicas mas as mais famosas por
aqui na área entre Lamego e Tarouca e que
maior número de problemas causaria ao rei,
pelos tempos fora. No século XVII, ainda
andavam pendentes ou por resolver casos de
beetrias que o rei de Portugal pretendia
reaver e sem solução possível.
Óvoa, por exemplo, no actual
concelho de Santa Comba Dão, como beetria
que era, a par de outras, são demonstrativas
de que Afonso V, após a publicação da Lei
Mental por seu pai D. Duarte, em 1434,
detinha armas para dar o destino que
quisesse aos bens de quem falecia sem deixar
filho varão que herdasse os bens da Coroa,
porque, quer queiramos quer não, o facto é
que quanto o rei doava ou distribuía da
propriedade da Coroa, não deixava de ser
património desta, daí os termos variados em
que as cartas de doação regulavam o destino
da posse dos bens, geralmente atribuídos de
dois modos: como recompensa por feitos
praticados, ou porque o rei contava com a
pessoa em causa, para um difícil e incómodo
desempenho de uma função.
Falámos acima de D. Pedro de
Menezes. Fora representante em Ceuta, não
exactamente do rei de Portugal como o
afirmam vários autores, mas do Infante D.
Henrique que detinha o senhorio de Ceuta que
lhe tinha sido atribuído por seu pai, D.
João I. Ao falecer D. Henrique, em 1460, em
Lagos, D. Fernando, em quatro anos, veio a
herdar quase tudo quanto seu padrinho havia
disposto para si, excepto a terça que se
vinculou à Ordem de Cristo, ao Cabido da Sé
de Viseu, ao lente da Cadeira de Teologia,
da Universidade, então, na cidade de Lisboa
e de cuja Universidade o Infante fora seu
protector, sucedendo no cargo ao Doutor João
das Regras, ao Convento de Cristo em Tomar,
ao Mosteiro de Santa Maria da Vitória da
Batalha, a fazer face a milhares de
sufrágios por sua alma (para cima de 4 000
missas anuais previstas), dos servidores da
Ordem de Cristo e de seus criados até então
falecidos e quando viessem a morrer. Numa
inquirição datada de 10 de Novembro de 1433,
que se levou a cabo às terras da Casa do
Infante, no almoxarifado de Viseu, ficaram
em cadastro, além de outras, exactamente as
referidas acima: Baldigem, Valezim, Lalim e
Tarouca.
Na verdade, remontam, pelo
menos, ao início da Expansão, os débitos do
Infante a D. Pedro de Menezes, 1.º Capitão
de Ceuta, 1.º Conde de Vila Real e 2.º Conde
de Viana do Alentejo, os quais não chegaram
a ser totalmente amortizados, até ao
falecimento do credor, ocorrido em 22 de
Setembro de 1437. Já quatro anos antes, D.
Henrique, por alvará datado de Belas de 18
de Agosto de 1433, mandava que lhe pagassem
de tença 1 283 323 libras, ou seja 36 666
reais brancos e 13 pretos, pelas muitas
coisas e dívidas que tinha de solver. E
vejamos: a libra nesse tempo, achava-se
desvalorizada 500 vezes, pelo que cada libra
antiga e agora referida nos documentos da
época teria de ser paga por 500 libras que
eram as que lhe correspondiam. Não há contas
possíveis para serem apresentadas numa
comunicação: o seu total é imenso e há que
ser multiplicado pelo correspondente índice
500.
Noutro texto, de 8 de Abril
de 1434, lia-se que entregara D. Henrique ao
governador de sua casa e por conta de D.
Pedro de Menezes 3 500 dobras, isto é, 420
000 reais brancos, importância muito
superior à que lhe pedia. Em crédito,
restavam, aproximadamente, 383 333 reais
brancos, o que revela, sem qualquer dúvida,
que a dívida do Infante seria muito superior
aos tais 36 000 reais brancos, pois para
pagar estes não se entregam mais de 400 000
reais brancos. Não tem qualquer lógica.
E a explicação é simples:
sabemos, por outro documento, que a tença em
causa era de tal modo avultada que o Infante
não chegou a amortizá-la. Respeitava aquela
importância apenas a uma parte, como
calculámos. E não sendo possível liquidar o
resto em vida do conde, em seu testamento,
lembrava este aos herdeiros de quanto D.
Henrique lhe era devedor ainda: 3 000
dobras, ou seja, para cima de 360 000 reais
brancos, – dado que uma dobra valia 120
reais brancos –, donde poderá compreender-se
que a dívida inicialmente a liquidar seria a
de 780 000 reais brancos, se não fosse mesmo
superior.
Ficou, então, assente que D.
Duarte de Menezes, filho natural do falecido
D. Pedro, recebesse, uma parte, da dívida do
Navegador a seu pai, mandando penhorar as
terras de Gulfar e Penalva do Castelo. Até
1450, parece não terem sido os débitos
saldados, uma vez que, de 23 de Abril
daquele ano, datou uma carta de confirmação,
por D. Afonso V, da entrega das ditas terras
a D. Duarte de Menezes.
No entanto, em relação a
este, e já não a seu pai, o Infante tinha
dívidas acrescidas e pessoais. Além de
quanto acima referimos, um outro encargo
datava do ano em que primeiro lhe prometeu,
como tença de casamento, 960 000 reais
brancos, portanto quase um milhão de reais
brancos, apenas correspondente à tença de
casamento, montante que se juntava ao que
ficara por pagar a seu pai D. Pedro de
Menezes. O restante nunca se liquidou e,
então, supôs-se que poderia ser pago por
proventos obtidos no almoxarifado da Guarda
– que era o maior de todos, tão extenso como
os almoxarifados de Viseu e Lamego, juntos,
como tivemos também ocasião de provar em
outro nosso trabalho. Pagava-se a D. Duarte
de Menezes aquilo que o rei devia aí
receber. Parece que D. Henrique nem sequer
saldou a D. Duarte de Menezes o previamente
combinado, seguro em suas terras
patrimoniais de Tarouca e Lalim.
Falecido o Navegador, e já no
ano de 1462, o conde de Viana de Caminha,
(voltamos a D. Duarte de Menezes) apresentou
ao rei dois desembargos henriquinos, segundo
os quais o débito de sua tença de casamento
totalizava um altíssimo valor e, para poder
o herdeiro do Infante D. Henrique tomar
posse daquelas terras de seu pai adoptivo, o
credor viesse a requerer ao soberano
autorização para que pudesse enviar navios e
mercadorias à Costa de Guiné, recebendo aí
os lucros do comércio, então, já bastante
activo. Deste modo, tentava processar-se o
pagamento da dívida.
Anuiu o Africano.
Organizou-se o modo fiscalizador de todo o
processo, com o objectivo de o rei controlar
a cobrança dos seus direitos, isto é do
quinto das presas e dos lucros das vendas,
além da quinta parte em materiais adquiridos
por compra. As viagens nestas circunstâncias
e com o referido objectivo, teriam a duração
de dois anos, findos os quais, caducava a
autorização régia.
Pensamos que tal processo não
deve ter começado nunca, porque as atenções
para Marrocos valeram a morte a D. Duarte de
Menezes, em Alcácer Ceguer, nos inícios de
1464 e, falecendo o Conde de Viana da Foz do
Lima e, simultaneamente Conde de Viana do
Alentejo, título que havia herdado do pai, à
morte deste, verificada em 1437 em Ceuta,
sem ter retirado o penhor, apresentou-se a
viúva, D. Isabel de Castro, a requerer a
confirmação do diploma afonsino a D. João II,
dada em 14 de Fevereiro de 1464 e renovada
por D. Manuel I, a 6 de Abril de 1494, a
pedido de D. João de Menezes, filho segundo
de D. Duarte de Menezes.
Foram, então, recebendo os
herdeiros verbas correspondentes a parte da
dívida, todos os anos, e como mais uma vez,
as dívidas não foram liquidadas como fora
prometido, foi entregue o senhorio de
Tarouca à viúva de D. Duarte de Menezes que,
posteriormente, o doou a seu filho, D. João
de Menezes que seria feito, desde 1464, por
D. Afonso V, senhor de Tarouca e por D.
Manuel I, por carta de Lisboa, de 24 de
Abril de 1499, o 1° conde de Tarouca (1).
Este soberano renovou os
privilégios à vila, concedendo-lhe Foral
Novo, passado na cidade de Lisboa e,
creio, que revisto e incluído nos
Novíssimos, a posteriori.
Curiosamente, pode
parecer-nos difícil que o Infante tivesse
falecido e deixado tantas dívidas que os
seus herdeiros, o rei e o afilhado, tiveram
de solver, a criados seus, a D. Telo de
Menezes, 3.º senhor de Oliveira do Bairro e
fidalgo da Casa do Africano; ao conde de
Arraiolos, D. Fernando, filho de D. Afonso,
seu meio-irmão e duque de Bragança, 8.º
Conde de Barcelos; a D. Pedro de Menezes,
cujas dívidas remontam ao início das
navegações e que havia perdido a vida em
Ceuta em 1437, devendo ser pagas aos
herdeiros deste; e a D. Duarte de Menezes,
filho ilegítimo do 1.º capitão de Ceuta,
sendo este último também capitão, mas de
Alcácer Ceguer.
Como não pudessem ser
liquidadas dado o seu avultado montante, D.
Duarte de Menezes fica com terras que D.
Pedro, seu pai, deveria ter penhorado. Tendo
D. Duarte de Menezes permanecido até 1460 a
aguardar o pagamento das mesmas e de uma
prometida importância prometida aquando do
seu 2.º casamento, desta feita com D. Isabel
de Castro, filha de D. Fernando de Castro,
1.º Senhor de Boquilobo, resgata da Coroa
aquelas terras, a título de penhora.
D. Pedro de Menezes,
entretanto, havia passado o Condado de Vila
Real e outros bens de raiz a sua filha mais
velha D. Beatriz, casada com D. Fernando de
Noronha, um nobre que, com mais dois irmãos,
veio do Reino vizinho, neto de Henrique II,
rei de Castela, da família dos Trastâmaras.
Trata-se do título de Conde de Vila Real,
feito em D. Fernando de Noronha, irmão de D.
Pedro, arcebispo de Lisboa e de D. Sancho,
1.º Conde de Odemira, ficando o ilegítimo D.
Duarte com a sua Casa própria à qual pôde
associar os títulos de 2.º Conde de Viana da
Foz do Lima e 3.º Conde da Viana do
Alentejo. A ele seriam entregues as terras
beirãs do Infante, hipotecadas, então, de
Tarouca, Lalim e Baldigem.
Ora foram estas as terras que
veio a herdar o seu segundo filho D. João de
Menezes, feito senhor de Tarouca por D.
Afonso V, em 1474 e 1.º Conde de Tarouca, em
1499, por D. Manuel I.
O Condado de Vila Real passou
para uma das suas tias e o senhorio de
Tarouca permaneceu em D. João, protegido de
Afonso V e de D. João II de quem veio a ser
conselheiro e alferes-mor, desempenhando,
ainda e bem, funções, no Norte de África, à
semelhança do avô e do pai, desta feita, em
Arzila e Tânger, ecoando os seus sucessos no
valimento aos Venezianos contra os Mouros,
por toda a Europa, o que significava
restituir às Repúblicas Italianas os mares
Adriático e Jónio para Ocidente e o Tirreno
e o Mediterrâneo, retirados agora das mãos
dos Sarracenos, Árabes e Persas.
Foi Prior do Crato e uma
espécie de tutor de seu sobrinho, um outro
D. Pedro de Menezes, que mandou educar em
Roma, de acordo com as suas preferências
pessoais, cursando Artes.
Era forte a inclinação de D.
João de Menezes pela Literatura e pelas
Artes em geral, não fosse Prior do Crato e,
consequentemente, Prior da Ordem Militar do
Hospital a que aliou a outra faceta de
guerreiro indomável no Norte de África ou
onde o enviassem, a bem do monarca e do
Reino.
Sobrevivendo ao cumprimento
dos desideratos de D. João II que fizeram
sucumbir titulares de Casas de renome da
maior importância no País e de tantos
outros, a que não escaparam dois de seus
irmãos, D. Garcia, bispo de Évora, e D.
Fernando, casado com D. Isabel de Castro,
neta de D. Álvaro Pires de Castro, Senhor
das Alcáçovas e de D. Maria Lobo, filha do
1.º Senhor de Alvito. O senhor de Tarouca
passou, com vida – se me permitem dizê-lo –,
para o governo de D. Manuel I que, com toda
a justiça o fez Conde de Tarouca, tendo sido
pois o 1.º Conde desta nova e importante
Casa que ainda hoje subsiste.
Fixando o Paço na vila, então
no aro de Lamego e desta sede de bispado
dependente, mandou levantar o edifício nos
Corujais, onde ainda hoje há vestígios do
mesmo, pedaços de colunas manuelinas
arrastadas para um canto da quinta e pedra
que lhe serviu a construção do Paço e que
hoje é patente na edificação de casario
abarracado e também este em queda física e
no esquecimento de todos. O Conde deu azo ao
levantamento de uma pequena igreja,
provavelmente batida no lugar onde hoje está
outra feita com restos da pedra primitiva,
naquela extensa quinta, latifúndio
aparentemente ao abandono.
É suposto que os restos
mortais do 1.º titular da nova Casa e de sua
mulher repousem na Igreja de S. Pedro, num
túmulo encimado por uma construção de
invocação manuelina, onde se vêem as letras,
no topo dos entrelaçado do cordame, um D
(mal desenhado) um I e um O, mais um H,
cujos traços de alto a baixo só se vêem por
metade; de Iohanne, ladeado por duas
representações de mercadores orientais
representativos das primeiras comunicações
mercantis do Reino com o Nascente. No meio,
um mural a representar Jesus Cristo
ressuscitado, actualmente restaurado mas
que, a nosso ver, teria sido preferível não
lhe terem mexido.
Tarouca, cidade beirã nos
nossos dias, é marca indelével, naquele
lugar, de uma linha genealógica de capitães
africanos: de D. Pedro de Menezes, espoliado
de altas verbas cedidas ao Infante, de D.
Duarte de Menezes, seu filho, que recebeu
Tarouca como penhora por dívidas ao pai e a
si mesmo, e D. João de Menezes, modo de
desviar da Casa de Viseu, do seu primeiro
duque, o que constituiu a génese da Casa de
Tarouca que, no Continente, foi marca
inquestionável da presença de mais um da
dinastia de capitães norte-africanos. Assim
nasceram ambas, a Casa de Viseu e sua filha,
a Casa de Tarouca, casas senhoriais que nos
fazem recordar a importância que teve a
intervenção henriquina e dos Capitães na
segurança e continuidade das praças à boca
do Estreito. Símbolo principal no brasão dos
três o lobo passante: aliás seis, número
este par, significando, quanto a alguns, a
dualidade: guerreiro/mercador.
Curiosamente, foi também esta
tese que esteve na base dos primeiros passos
dos Portugueses para a globalização e as
primeiras experiências de troca de culturas
de que foram pioneiros e de tão grande
proveito e honra para nós, mulheres e homens
de hoje, com uma língua falada nos quatro
cantos do Mundo e amostragens artísticas
pictóricas e arquitectónicas, por todo o
lado.
Quando não há Economia que se
salve, salve-se a Cultura que não decai com
a mesma facilidade, só se quisermos
voltar-lhe as costas e fazê-la passar ao
esquecimento geral, o que não tem sido o
caso. Um apelo A Portugal, por via das
autarquias e Museus espalhados pelo
território português: não permitam que se
apaguem os autores e as suas obras, os
vestígios ainda hoje patentes por todo o
lado, pois é mais um aspecto – e creio que
dos mais importante – da nossa História
reflectida em todas as suas vertentes. Se
celebrarmos os nossos maiores, estamos a
dignificar o território, ponto por ponto,
terra por terra, como se de um bordado se
tratasse. |
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(1) IAN/TT., Chanc. de D.
Manuel I, l.º 41, fls. 93v-94.”A Dom
Joham de Menezes, mordomo-mor, carta do
título de conde da vila de Tarouca”. |
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João Silva de
Sousa (Portugal)
Professor da Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa.
Académico Correspondente da Academia
Portuguesa da História. |
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