Mário Benedetti, o escritor uruguaio nascido em Paso de los Toros a 14 de
Setembro de 1920, faleceu em Montevideu, há
quase um ano, a 17 de Maio de 2009.
Integrou a célebre “geração de 45”,
juntamente com Idea Vilariño, Juan Carlos
Onetti,
entre outros.
Publicou mais de 80 obras (abrangendo poesia, ensaio, drama, conto,
romance e guiões cinematográficos),
traduzidas em mais de 20 idiomas, sendo
considerado um autor de primeiro plano da
literatura latino-americana contemporânea.
Podemos mesmo considerar que, através do seu
estilo directo, simples, objectivo e
coloquial conquistou o mundo. Em Portugal,
encontram-se traduzidos e publicados pela
“Cavalo de Ferro” dois livros: Obrigada
pelo lume e A trégua.
Antes de se dedicar inteiramente à
escrita, Benedetti exerceu as mais diversas
profissões: trabalhou numa oficina aos 14
anos, foi taquígrafo, caixa, vendedor,
livreiro, jornalista, tradutor, funcionário
público e comerciante. Estes ofícios
possibilitaram-lhe um contacto com a
realidade social do Uruguai, determinante na
modelação seu estilo e na essência da sua
escrita.
Casou-se, em 1946, com o grande amor da sua
vida, a sua esposa eterna, a quem dedicou
dezenas de livros e de poemas: Luz López
Alegre, falecida em 2006.
Benedetti tornou-se, em 1949, membro do conselho de redacção da Número,
uma das revistas mais conceituadas na época.
Além disso,
dirigiu a revista literária Marginalia,
em 1948, e publicou o volume de ensaios
Peripecias y Novela. Mais tarde, em
1960, é editado La Trégua, romance
adoptado ao cinema pelo realizador Sérgio
Rénan.
Colaborou em diversos jornais, tendo dirigido entre 1968 e 1971 o
Centro de Pesquisas Literárias da Casa de
las Américas, de Havana (Cuba) do qual
foi membro fundador.
Além disso, participou empenhada e activamente na vida política uruguaia
e, em 1971, foi nomeado director do
Departamento de Literatura Hispanoamericana
na Faculdade de Humanidades e Ciências da
Universidade da República de Montevideu.
Após o Golpe de Estado de 27 de Junho de
1973, Mário Benedetti renunciou ao cargo na
Universidade, tendo partido para o exílio,
primeiro para Buenos Aires, onde foi
ameaçado de morte, posteriormente, para o
Peru, onde foi detido e deportado. Em 1976,
escolheu Cuba como destino, onde viveu
durante quatro anos, rumando depois a
Espanha, mais concretamente, a Madrid.
Aliás, este último país foi considerado como
um espaço privilegiado, o seu lar adoptivo.
Regressou ao Uruguai em 1983, iniciando o que autodenominou como período
de “desexílio”, motivo de muitas obras.
Nesta esteira, afirmou o autor:
“El exilio es el aprendizaje de la
vergüenza. El desexilio, una provincia de la
melancolia”. Do seu país natal, salienta a
mudança, após a ditadura, paralelamente ao
seu próprio amadurecimento depois de ter
vivido em quatro países tão distintos: “De
los gobiernos no se aprende nada, pero de la
gente de la calle yo aprendí mucho y
entonces volví diferente, más maduro, otra
persona, aunque siempre con el arraigo de mi
ciudad”.
No entanto, foi o exílio que lhe permitiu atravessar todas as fronteiras e
adquirir uma dimensão universal, sendo um
dos temas que impregna diversas obras suas.
Um exílio que pode ser exterior ou interior,
adquirindo, por vezes, uma dimensão
ontológica que ultrapassa o circunstancial.
É a fragmentação provocada pela dor da
separação da terra natal que muitas das suas
personagens evidenciam em Geografias
(1984), colectânea de contos, ou que
transparece nos poemas de Viento de
exílio. Destas obras, emergem também
alguns aspectos positivos do exílio, como é
o caso da compaixão, caridade,
hospitalidade, que transparecem
paralelamente à crueldade do homem para com
os seus semelhantes ao descriminá-los e
proscrevê-los.
Sobre a importância do exílio de teor ontológico em Benedetti - visto que
antes de ser forçado a abandonar a pátria
com a instauração da ditadura, o autor já se
sente “estrangeiro” na sua Montevideu -
refere Miriam Volpe:
Para o intelectual uruguaio, parece haver uma única maneira de viver
sua identidade: como estrangeiro, como
estrangeiro em casa, ou como em casa de
estrangeiros, pois a “estrangeiridade”
se transformou na única casa possível.
Uma casa que parece ser aquela
predestinada para o criador, pois o
exílio não faz mais do que acrescentar
mais uma dimensão, ou um avatar, ao que
já seria seu estado natural e exclusivo.
A condição fundamental da literatura, a
condição autêntica de qualquer escritor
seria uma forma de exílio, de ruptura,
de autoproscrição. Enquanto a crisálida
da criação se libera dentro do artista,
ele já estaria no limiar do exílio.
(Volpe 2003: 49)
Deste modo, através de uma espécie de alienação, no sentido filosófico e
humanístico, o exílio habitaria o autor
antes de lhe ser imposto extrinsecamente.
Sempre fiel aos seus ideais, o poeta foi um acérrimo defensor da liberdade
(em todos os sentidos), da justiça, da
humanidade e da soberania dos povos. O seu
apelo à constante luta, à perseguição dos
sonhos, encontra-se num poema que espelha
uma profunda resiliência, marchetada de
esperança, intitulado “no te rindas” (1956):
“No te rindas,/aún estás a tiempo/De
alcanzar y comenzar de nuevo, /Aceptar tus
sombras,/Enterrar tus miedos, /Liberar el
lastre,/ Retomar el vuelo […]”
Relativamente aos seus mestres, Benedetti não hesita em mencionar Vallejo,
Neruda, Pessoa e Borges.
Em suma, os temas que atravessam a sua obra são precisamente os mesmos que
lhe percorreram a vida: o amor, a infância,
o exílio, o quotidiano, numa constante
partilha com o leitor, através da palavra.
Isto porque, segundo o autor, quando a
poesia abre as suas portas, tudo muda e
mudamos com a própria mudança, sentimos que
o tempo nos abraça, “cuando la poesia abre
sus puertas / es como si cambiáramos el
mundo”. |