Entre entretenimento e
cultura, é nesta e não naquele que cabe,
primordialmente, ao Estado, mesmo numa
óptica de economia de mercado, o dever de
intervir para corrigir um sector em que o
dito mercado por si mesmo não funciona. Mas,
no caso concreto da vida teatral portuguesa,
o Estado anda mas é a “entreter-se-nos” com
alternativas a uma verdadeira política de
intervenção cultural estruturante e
estruturada!...
Vejamos: naturalmente há mais
alunos até à escolaridade obrigatória do que
no ensino superior; e, neste, menos os
alunos que o completam, menos os que se
tornam Mestres, menos ainda os Doutores… Mas
imagine-se por uns momentos que, apesar
disso, havia mais professores universitários
(ou que assim se auto-intitulavam, para
maior rigor nesta analogia) para dar aulas
do que no ensino básico!
Esta seria, como está bom de
ver, uma situação reconhecidamente absurda.
Mas é o que, de certa maneira, se passa no
teatro português! A nossa produção teatral é
uma pirâmide invertida e, por essa
razão, coisa completamente desequilibrada,
pronta a estatelar-se ao mais pequeno sopro
de uma tentação ultra-neoliberal para
entregar a produção teatral a contas consigo
mesma! O caso da
política teatral no Porto ao nível do Poder
Autárquico é em si mesmo um aviso que devia
ser levado mais a sério, reflectindo-se
profundamente sobre os porquês a montante
dela e não apenas criticando
superficialmente os quês a jusante…
Normal seria um tecido
teatral em que o número de espectáculos
populares e acessíveis fosse em grande
quantidade, seguindo-se um teatro de
reportório, com naturais gradações de
exigência artística e cultural e, por
último, de forma reduzida, a experimentação
e/ou reportórios alternativos. Porém, entre
nós, passa-se o contrário! Com a aceitação e
estímulo a que assim seja por parte de uma
certa opinião feita que persiste nos
bastidores do Ministério da Cultura e em boa
parte da intelectualidade que o “informa” e
“enforma”, sejam lá quem os Ministros forem
e de que partido são:
1º Não existe um plano que
beneficie o surgimento e alargamento do
teatro comercial. Excluído do apoio
financeiro directo (o que me parece lógico),
ele poderia contar com benefícios fiscais,
empréstimos bonificados ou apoios em
equipamentos, mediante um conjunto de
obrigações e compromissos, tal como em
Espanha há 30 anos se fez… Para (re)lançar
um tecido empresarial teatral consistente,
mesmo que no mero âmbito do entretenimento.
2º Os critérios de avaliação
e atribuição dos financiamentos directos ao
sector privado fazem-se privilegiando
experiências pseudo-alternativas sem público
e, a mais das vezes, de duvidosíssima
qualidade artística e técnica e de dimensão
muito pouco profissional. A tal ponto que,
não raras vezes, tais tentações se espelham
no ensino do teatro, “oficializando-as”, e
abraçam certas parcerias dos Teatros
Nacionais, constituindo-se em balões de
oxigénio de projectos de per si
inexistentes de facto!...
3º Desapareceram todas as
formas de apoio ao teatro de amadores (de
matriz mais ”civilista” e/ou no sector
“estudantil”), o que provoca que os
projectos deste tipo se reconduzam para os
concursos que deveriam estar reservados ao
teatro profissional (in nomine
estão, mas na prática não), dispersando e
misturando verbas num terrível caos.
Todavia a
(ir)responsabilidade não é só do Estado. No
próprio meio teatral desconhece-se na
maioria das vezes o “mercado” em que se
actua, ignora-se o público a quem se (não)
dirige a criação e compraz-se o criador
“macaqueando” modas, vindas por canais de
duvidosa credibilidade, que alguém disse ou
interpretou ser a “vanguarda” estrangeira!
A mim, como criador, não me
interessa percorrer os caminhos de um teatro
comercial ligeiro e, como cidadão,
intransigentemente defendo que outros são,
ao nível da intervenção estatal,
prioritários. Mas no desenho de uma
estratégia de desenvolvimento sustentado
da nossa produção teatral não se pode
desconhecer o significado real no
contexto real da nossa vida teatral
desse sector.
O teatro – quer como
expressão de mero entretenimento ou de mais
sofisticados modelos de expressão artística
de vanguarda (mas sem as aspas) – pede, para
se desenvolver, uma pirâmide com uma base
sólida e alargada que sustente o restante
edifício em direcção à especialização, à
inovação, à pesquisa, à “contra-corrente”!
No quadro concreto, os tão
queridos e tão protegidos projectos
“alternativos” são alternativos de quê, se
não há um tecido produtivo normal? De si
mesmos?... |