Reflexões sobre o ensino da Geologia

 

 

A.M. GALOPIM DE CARVALHO

REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DA GEOLOGIA
NO BÁSICO E NO SECUNDÁRIO

Mesmo durante os 40 anos em que ensinei nas licenciaturas em Geologia, na Faculdade de Ciências de Lisboa e nas Universidade do Algarve e dos Açores, e na licenciatura em Geografia na Faculdade de Letras de Lisboa, nunca deixei de estar muito próximo das nossas escolas, agora ditas do básico e do secundário. Quer como orientador de estágios pedagógicos, anos a fio, quer proferindo palestras e dando aulas, a convite dos professores, por todo o País, de Norte a Sul, nas Ilhas e, até, em Macau. Continuo a fazê-lo por dever cívico, independente de tutelas, pelo que me sinto capacitado para partilhar com os leitores as reflexões que aqui deixo à atenção dos interessados.

Num país, como Portugal, onde a investigação científica e o ensino superior da Geologia estão ao nível dos que caracterizam os países mais avançados, é confrangedor assistir à iliteracia neste domínio do conhecimento da quase totalidade dos portugueses, incluindo os das classes sociais ditas cultas, e constatar a pouquíssima importância, nos ensinos básico e secundário, deste mesmo domínio científico, essencial como motor de desenvolvimento, mas também como componente da formação cultural do cidadão.

De há muito que venho alertando, em textos escritos e em conversas públicas, para a pouca importância dada ao ensino da Geologia nas nossas escolas dos ensinos básico e secundário. Isto porque, em minha opinião, quem decide sobre o maior ou menor interesse das matérias curriculares, parece desconhecer que a geologia e as tecnologias com ela relacionadas estão entre os principais pilares sobre os quais assentam a sociedade moderna, o progresso social e o bem-estar da humanidade.

As minhas repetidas e insistentes diligências junto dos sucessivos governantes, no sentido de inverter esta deplorável situação, nunca surtiu efeito, o que é desesperante e lamentável.

Exceptuando aqueles que, por formação académica e profissional, possuem os indispensáveis conhecimentos deste interessante e útil ramo da ciência, a generalidade dos nossos ministros, secretários de estado e deputados não conhecem nem a natureza, nem a história do chão que pisam e no qual assentam as fundações dos edifícios onde vivem e trabalham. Uns mais, outros menos, sabem o que neste território se passou desde a fundação da nacionalidade, centenas de anos atrás, mas muitíssimo pouco ou nada, sobre os milhões de anos de história deste torrão que é o nosso.

Não sabem que o lioz, ou seja, a pedra calcária usada na cantaria e na estatuária de Lisboa e arredores, nasceu num mar que aqui existiu há cerca de 95 milhões de anos, um mar muito pouco profundo e de águas mais quentes do que as que hoje banham as nossas praias no pino do verão. Não sabem que o basalto das velhas calçadas da capital brotou, como lava incandescente, de vulcões que aqui extrudiram há uns 70 milhões de anos, nem que o granito, a pedra que integra o belo barroco da cidade invicta, tem centenas de milhões de anos. Não imaginam que o Tejo já desaguou mais a Sul, por uma série de canais entrançados, numa larga planura entre a Caparica e a Aldeia do Meco. Não sabem que a serra de Sintra é o que resta de uma montanha bem mais imponente e ignoram que, por pouco, não rebentou ali, há uns 85 milhões de anos, um grande vulcão.

Sou levado a pensar, e não estou só nesta ideia, que grande parte da confrangedora situação que caracteriza o ensino da Geologia em Portugal radica, precisamente, no conjunto dos que, pedagogicamente têm assessorado o Ministério da Educação neste domínio. Nunca conheci nenhum destes elementos, mas é a eles e, também, necessariamente, a quem lhes foi dando posse, que se deve este estado de coisas que, oiço dizer, não é exclusivo da disciplina pela qual me venho batendo há décadas.

É, pois, preciso e urgente olhar para esta realidade do nosso ensino. É preciso e urgente que o Ministério da Educação chame a si meia dúzia de professores desta disciplina capazes de proceder à necessária e profunda revisão de tudo o que se relacione com o ensino desta área curricular, a começar nos programas, passando pelos livros e outros manuais escolares, pela formulação dos questionários nos chamados pontos de exame e, a terminar, na conveniente formação dos respectivos professores.

A imagem que aqui mostro (capa de uma publicação do Gabinete de Avaliação Educacional, do Ministério da Educação) confirma o que ando a dizer há anos: Mercê dos programas, dos manuais usados, das orientações superiores e do tipo de exames, os professores, em vez de poderem ensinar e formar cidadãos, são levados a “amestrar” os alunos a acertar nas questões que lhes são colocadas nos exames. É bom para as estatísticas, mas é mau para os alunos e para o País.


A.M. GALOPIM DE CARVALHO