CARLOS ACABADO
REDESCOBRINDO UM GÉNIO: O Cinema DE ALFRED HITCHCOCK Num Tempo DE HBOS, NETFLIX, SQUID GAMES E AFINS — TENTAME DE múltipla CONTEXTUALIZAÇÃO 2
Para os anteriores e também à memória de José-Augusto França, recentemente desaparecido
Começo pela opção por um realizador… “antigo”.
“Antigo” era, de resto, uma das palavras mais ouvidas quando, com a inestimável colaboração da Biblioteca da Câmara Municipal (e designadamente da sua infatigável bibliotecária à época) da cidade onde tenho residência; “antigo”, dizia, então era das palavras que mais frequentemente ouvia e invariavelmente no registo pejorativo (ou, na melhor das hipóteses, no tom insuportavelmente condescendente de quem compra, com um ar de europeu entediado e blasé quinquilharia “hand made” numa agitada e ruidosa, exótica, tenda de rua em Marrocos, Tunísia ou Mauritânia) a propósito de filmes desprovidos dos famigerados efeitos especiais.
Recordo, mesmo, noutro âmbito mas no mesmo sentido e alcance, o caso de uma colega que, no contexto, de uma actividade comemorativa do término de um período escolar da disciplina de língua francesa, decidiu presentear os alunos do 9º ano da disciplina com um filme na língua de Molière.
Levada por semelhante lógica… idiomática, optou a docente em causa por exibir perante os jovens ávidos de todo o tipo de “Harry Potters” e “Star Wars” desta vida, nada menos do que o clássico “Ma Nuit Chez Maude” de Eric Rohmer. “porque era um filme (em) francês”, portanto, segundo ela, “à partida”, “próprio para alunos desse idioma”, claro!…
A tempestuosa reacção dos alunos fez história localmente e chegou ao Conselho Pedagógico da escola em que ambos leccionávamos, Conselho Pedagógico esse onde, no termo de um acalorado debate, a colega mentora da iniciativa resolveu apresentar um “sentido pedido” de públicas e “sinceras desculpas” que, devo acrescentar, para sua vergonha, o Conselho aceitou, desculpabilizando os alunos do que me chegou como tendo constituído sonoras risadas da mais insolente mofa acompanhadas dos mais estrepitosos protestos.
Afinal, admitia magnânima a colega, fora sua a “culpa” da escolha de um filme (lá está!) “antigo, a preto-e-branco e ‘par dessus le marché’, «filosófico»”.
Pela minha parte não resisti a intervir em defesa da “minha dama”: sou, com efeito, um confesso e assumido admirador do cinema europeu, designadamente francês mas sou, se me é permitida aqui a nota mais confessional, talvez ainda mais um propugnador da necessidade de preservar a memória não num qualquer museu existencial individual e colectivo mas de uma forma dialéctica interagindo com o Tempo, com a História, e com as respectivas representações ficcionais em permanente diálogo e até mesmo, se e quando necessário, civilizado confronto não apenas consigo mesmas mas, de igual modo, com todas as outras que as antecederam.
Se há, com efeito um traço, um específico próprio do que usualmente se designa por «pós-modernidade», é, do meu ponto de vista, precisamente a aceitação tácita quando não claramente expressa de que “a História começa agora” e que o passado é tão somente uma coisa pitoresca, exótica, perdida numa pré temporalidade completamente irrelevante e mesmo desprezível para a vida cultural, mental (o que quiserem…) de todos nós…
Numa outra nota confessional, atrever-me-ia a acrescentar que, se há coisa que facilmente me “tira do sério”, são as perguntas do género: “Já viste o último do Spielberg?” o “Já leste o mais recente do Bolaño ou do Dan Brown?”
O “mais recente”, o “último”, sempre o «novo», sempre o mesmo reinício do Tempo e da História, imodestamente apropriados um e outra por mentes que “usam a Cultura como se de um Prada ou de uma mala Louis Vuitton se tratasse”.
Um dia numa das sessões do cineclube na Biblioteca, alguém se saiu com a pergunta: “Que é que faz um filme ou um livro escapar-se, evadir-se, recusar ficar refém do sucesso estr(e)itamente epocal?
Não possuo, admito, resposta clara e muito menos definitiva, inargumentável para essa questão. Melhor: Não tenho outra senão a capacidade de esse filme ou desse livro nos interpelarem para lá da estrita (e estreita) circunstancialidade de factos, modos e maneiras, vestes, hábitos, modas-e-modos e por aí adiante.
Os “angry young men” britânicos “pegaram-se” a dado passo com a obra-prima de Lean “Brief Encounter”, filme no qual um Lindsay Anderson, um John Osborn ou um Kenneth Tynan viam plasmada a pulsão autocensória e auto castradora de uma certa maneira muito puritana e moralisticamente “British” de sê-lo, isto é, de ser “British”…
A verdade é que, ainda que, na aparência, isso possa ter acontecido nem a moral social” de inspiração judaico-cristã (sempre às voltas com os horrores do «pecado» e a sua tópica desconfiança do corpo e respectivos ditames e necessidades) mudou assim tanto nem é estritamente imperativo que, sem sobreinterpretação abusiva, leiamos (ou, como prefiro dizer: “leituremos”) o filme como um mero “caso” de “liaisons dangereuses” à la classe petite bougeoise anglaise”.
Há, efectivamente, uma coisa que intelectual e criticamente me estimula e enriquece, de um modo particular, uma ‘coisa’ a que chamo “leituração” e que me permite exactamente levitar critica mas controladamente para fora do «objecto estético, narrativo» colocado na lamela do meu microscópio analítico, fazendo um idealmente fecundo trajecto em direcção à síntese final das conclusões e das ideias—e foi precisamente isso que me propus induzir com a minha focagem, num Autor e Cineasta, para muitos “antigo” e um mero “mestre do suspense”—um Artista que, no seu melhor, teve o inestimável mérito de “levar Freud e Kafka” e toda a problemática que a Obra destes contém, às plateias mais populares do mundo inteiro… (1)
E digo Kafka e Freud como poderia dizer a tradição trágica grega com a Némesis abatendo-se mais ou menos cegamente sobre o ‘herói’…
Este um ponto da contextualização que me pareceu importante fazer da minha opção pelo tema do artigo anterior, onde também referi o caso de um outro Cineasta igualmente genial designadamente no modo como aborda a questão da culpa individual (do eu chamo o «direito básico do indivíduo como tal à sua própria culpa”, algo que é genialmente tratado no soberbo “M..” imperdoavelmente maltratado (escandalosamente atraiçoado!) pelo autor dos títulos castelhano e português. “El Vampiro de Dusseldórfia ”/O Vampiro de Dusseldorf”, título com o qual o filme correu na Ibéria e que era, com efeito, traição que… “não lembrava ao diabo”, excepto se o diabo fosse exibidor e pretendesse atrair as massas com um expediente verbal disparatadamente redutor, epustuflantemente desvirtuador da problemática central do filme (2)…
Um outro ponto que gostaria de focar aqui prende-se com o que chamei «o direito básico do individuo à sua própria culpa”—um aspecto témico que remete, volto a dizer, para a tragédia grega.
E se atrás falámos de Freud seja-me permitido que o evoque aqui a propósito de uma injustiça por ele cometida ao designar um dos seus clássicos “complexos”—aquele que envolve o desejo erótico do filho varão pela mãe acompanhado da pulsão pela vontade de assassinar o seu paterno rival.
A verdade é que, compreendendo-se perfeitamente a ideia de Freud ao designar o mecanismo psíquico em causa por “complexo de Édipo”; a verdade, dizia é que não é, em bom rigor exacto, imputar a Édipo culpas muito mais atinentes à responsabilidade das circunstâncias, i.e., da Némesis do que ao próprio Édipo. Do ponto de vista da premeditação, condição essencial para a imputação da acusação de incesto/parricídio, Édipo é inocente. Não o é—coisa, aliás, muito própria do pensar trágico grego—do «pecado» da hybris que o leva, de algum modo, indirecta ou secundariamente à fornicação incestuosa e ao parricídio. O «resto» … o «resto», porém, não passa de capricho das circunstâncias ou, na visão grega, da Némesis, não passa de efeito chamemos-lhe colateral da hybris.
Seja como for, há muito já que defendo que existe uma linha contínua entre o tabu original, a emergência da hybris e da Némesis onde intervém já a ideia de um vínculo entre o indivíduo e os seus actos (entre o individuo e a propriedade/responsabilidade da respectiva acticidade, ainda que nesse vínculo, nesse círculo estabelecido entre o indivíduo e as consequências do seu papel na transformação do real, possam intrometer-se factores externos, como vimos no “caso” de Édipo. Em bom rigor o direito do indivíduo, não já objecto como na questão do tabu nem (chamemos-lhe:) “subjecto” ou “objeito” no “caso da tragédia grega mas como potencial verdadeiro e legítimo sujeito dos respectivos actos como das responsabilidades ou culpas deles decorrentes.
É verdade que há Adão e que há Eva. Tal como eu vejo o motivário adâmico, com efeito, ele opera na Bíblia como uma reminiscência da lógica da ruptura imprevidente do tabu imposto pelo Criador que, assim, neste quadro, lhes nega o direito a fazerem escolhas morais autónomas, achando-se ambos reduzidos ao papel especular e ancilar das que lhes pretendem ser impostas pelo Criador.
Há um lado francamente pré-humanista neste ponto do mitário bíblico. Uma estudiosa feminista francesa sublinha em (3) ”As Mulheres da Bíblia” este paradigma basicamente instrumental da condição humana muito claramente expressa no motivo de Adão e Eva quando interpreta e explica a dependência total do homem e da mulher, da condição humana, numa palavra do seguinte modo (4): [Iavé […] expulsou-os do Paraíso com o seu quinhão de misérias. Porque, dizia Iavé, para consigo, se aqueles dois, um dia destes experimentam a árvore da vida depois de terem provado a árvore bicolor, serão verdadeiramente meus iguais—e já não a minha imagem (sublinhado meu)—e não os poderei segurar…
Iavé recusa, assim, na origem, conceder à condição humana a propriedade dos seus actos e à la longue o reconhecimento do papel do humano na transformação do real—algo que, porém, o caso de Abimeleque um motivo com algumas possíveis analogias com o tema edípico, nega um pouco, reconheçamo-lo. Remetendo paraInterpelado por Deus um texto de Ilona N. Rashkow (5): interpelado por Deus que lhe diz: “Look! You are a dead man because of the woman you took She’s a man’s wife.”, ao contrário de Édipo, Abimeleque contidamente embora rebela-se e contesta o próprio Deus : Senhor! Proponde-vos vós punir um homem justo? Pois não me afirmou ele ser seu irmão? E não o confirmou ela mesma? É meu irmão—atestou. Foi, pois, de coração e mãos integralmente puros que agi!” (6)
Mesmo considerando, como escreve Rashkow (e cito) que Genesis 20.3-7 é geralmente visto como um sonho consistindo num conciliábulo entre Abimeleque e Deus é, do meu ponto de vista, extremamente relevante observar o modo como implicitamente o acusado reclama o direito à sua própria culpa não se coibindo de argumentar com o seu Deus e pôr em questão o fundamento dos actos e deliberações deste. Há, em meu entender, pois, aqui um corte entre a vontade de Deus e a do próprio homem que assim, reivindica a responsabilidade da sua intervenção material há realidade.
Estou mesmo em crer que o celebérrimo «motivo» de Adão e Eva, se visto de uma perspectiva chamemos-lhe ‘alternativa’ ao entendimento ortodoxo pode, ao contrário doa leitura que este impõe aos fiéis uma espécie de consagração da Insubordinação senão mesmo sublevação prometeica.
Segundo a perspectiva cristã corrente entre os católicos como acentua Jacqueline Kelen a Deus incomoda a insolência do mítico “par fundador” ao reclamarem a autonomia também moral e, por conseguinte, o aqui tantas vezes referido direito do individuo à propriedade dos seus actos e respectiva inerente responsabilidade algo que Deus entende ser privilégio seu—tal como o fogo para as deidades prometeicas.
Está aqui, potencialmente, em germe o direito do humano intervir e construir a sua própria História—uma História cuja determinação escape (e daí o desconforto e a irritação divinas expressas por Kelen) ao controlo estrito do próprio Deus.
Como tantas vezes tenho relevado, a civilização ocidental poderia muito bem ter encontrado no que de potencialmente e humanizador e, portanto, genuinamente humanista—e esta questão do direito dos indivíduos á determinação dos seus modos de intervenção na (e, sobretudo, transformação autónoma da) realidade que o mesmo é dizer da História.
Tudo isto para regressando á Obra de Hitchcock notar o modo como iniciando muitos dos seus belos filmes num registo de «pecado original» (como alguém disse: todos carregamos connosco uma culpa que nos transcende e, por isso, ao sermos apontados como culpados, tao implicita quanto instintiva e naturalmente, reagimos aceitando a priori essa mesma “culpa” que, num acto fundador se nos colou ao corpo como ao espírito.
Num certo sentido e sem parecer fazê-lo , a obra do realizador de “Shadow of a Doubt” desmonta com genial eloquência cinematográfica este tipo de mecanismo antropológica e cultu(r)almente familiar ao património conceptivo e cosmovisional judaico-cristão de um modo realmente admirável: dando a muitos (antes do resgate de que foi alvo por parte de homens inteligentes e eles próprios cultu(r)almente importantíssimos como Truffaut, Molinaro ou Chabrol nos incontornáveis “Cahiers”) a ilusão de construir meras “estórias” de suspense.
Quer, com efeito, por exemplo(s) Richard Hannay quer esse magnifico Roger O. Thornhill (“O for nothing”) de “North By Northwest” acusados inocentes, carregando nas suas eu atrever-me-ia a dizer: meio “joyceanas” (“Ulysses”) meio kafkianas (“Der Prozess”, desde logo) odisseias pessoais, acabam inocentados e restituídos à inocência que marca as suas vidas e os seus actos.
O homem ou a mulher (recordemos “The Paradine Case”) saem, pois, (anti) heróis que, de um modo ou de outro, são no mundo mental judaico-cristão) dos filmes do Mestre como fautores e senhores finais a sua própria circunstância, i.e. livres do peso do condicionalismo/determinismo/opressão por parte dessas outras circunstâncias exógenas que o mundo lhes quer à viva força impor, tal como «noutro (não) tempo» forcejou por sair um tal Abimeleque e disso não se tendo apercebido em toda a extensão das coisas, sairiam, anatemizados para todo o sempre embora, Adão e Eva .
Carlos António de Carvalho Machado Acabado
Carnaxide em 01.11.2021
NOTAS
- Se me dão licença evoco aqui um episódio ocorrido comigo nos meus juvenis tempos de Letras marcados por um faltismo mais ou menos crónico agravado pela circunstância de, ao contrário do que sucedia ali mesmo defronte de nós em Direito, em Letras não se marcarem faltas—benesse de que eu fiz tão largo uso que por pouco não me custou o tão falado «canudo». Um dia, por capricho de um namoro estudantil, fui finalmente, depois de algumas semanas de descuidado interregno, assistir a uma aula de Literatura Americana. Surpreendido com a minha inesperada e, por isso, insólita presença, interpelou-me o professor: “O senhor é meu aluno?” “Sou, sou, sim senhor professor! Não tenho vindo algumas vezes porque me apareceu um explicando de inglês e comecei a dar aulas que por vezes coincidem com as minhas da Faculdade”. “Está bem mas sabe que matéria temos estado a dar? Herman Melville! Que interpretação faz o senhor de «Moby Dick»”? Ter-se-á iniciado aí a minha carreira chamemos-lhe leiturante (que é um misto de (reconheço-o honestamente!) (sobre) interpretação e desejo projectivo de escritor falhado) o que, na circunstância (e eu devo dizer que penso francamente assim ainda hoje…) me levou a afirmar que, na minha visão… leiturante do clássico de Melville, este me surgia como uma críptica alegoria e habilmente codificada condenação da intolerância (hoje diríamos: a cegueira) fundamentalista do puritanismo dos pilgrims que colonizaram a América, sendo que Ahab podia muito bem representar o próprio “Deus” que, movido por um ódio irreprimível ao “pecado” e a tudo quanto não fosse estrito ditame seu (a baleia branca configurava, neste quadro, a absoluta e pura liberdade, o arbítrio moral do indivíduo, exigidos, afinal, um pouco—ou um muito?—não assumidamente embora, por Adão e Eva, os, do meu ponto de vista pessoal, incompreendidos e violentados Prometeus judaico-cristãos), sendo que (como Arthur Miller viria a denunciar noutro clássico da literatura norte-americana, “The Crucible”) o descontrolado impulso purificador do fundamentalismo puritano, tendo começado como uma “operação de cega fidelidade e limpeza moral, viria a desembocar numa catástrofe e na total destruição incluindo a do próprio Deus , i.e. Ahab himself… Parafraseando Pirandello: cada peça de ficção, no fundo, nada mais será do que um romance, novela ou conto “á procura de um autor” que só pode ser aquilo a que vulgarmente chamamos o «leitor».
E a coisa ficou por ali com o professor perplexo e incapaz de contestar a minha visão do clássico melvilleano a limitar-se a um resmungado: “É um ponto-de-vista como qualquer outro! Pode entrar e sentar-se!”
- Tenciono dedicar à fabulosa e francamente kafkiana alegoria antinazi de Lang (esse brilhante “M…” que aqui refiro um pouco “en passant”) Lang curiosamente casado com Thea von Harbou, filiada no partido de Hitler; tenciono, dizia, dedicara a esse verdadeiro monumento cinematográfico que é o citado “M…” algumas reflexões específicas onde a questão da inocência e da culpa 8do direito de cada um de nós não apenas á propriedade integral dos nossos actos como, sobretudo, o nosso legítimo direito à culpa—expressão máxima da nossa liberdade enquanto seres autónomos capazes de intervir livremente na definição do curso da realidade e concretamente do papel que nos cabe na construção responsável (ou não mas sempre livre…) da nossa própria história como da História, em sentido lato.
- Cf. Jacqueline Kelen,” As Mulheres da Bíblia”, trad. port. de Artur Lopes Cardoso. Ed. Âncora Março 2001
- Op. cit. Pp. 17 E 18
- Cf Ilona N. Rashcow “Abimelech’s Interpretation of a Dream and the Dream of Interpretatio in “Literature and Psychoanalysis (Proceedings of the English International Conference on Literature and Psychoanalysis London July 1991 edited by Francisco Pereira published by Instituto Superior de Psicologia Aplicada Lisbon.
- No original: “Lord, will you slay even a righteous nation? Did he not say to me ‘She is my sister’? She even she said: ‘He is my brother.’ In the innocence of my heart and in the purity of my hands i did this.»
Para concluir uma nota um pouco antecipatória: Como teremos ocasião de voltar a abordar o tema quando nos focarmos no filme de Lang também Hitchcock se debruçou sobre a denúncia do nazismo, no caso de Hitchcock, desde logo em obras concebidas expressamente com o propósito de intervir na guerra da propaganda (““Bon Voyage” e “Aventure Malgache”, por exemplo) mas de forma muito mais fina em filmes onde o tema e subtilmente abordado, a começar por este “Shadow of a Doubt” onde consta um diálogo entre Charlie-tio e Charlie-sobrinha no ponto onde esta já inteiramente persuadida da culpa do tio, o invectiva sobre as vítimas da cupidez do “Merry Widow Murderer”: “São seres humanos!” Ao que Charlie-tio obtempera com o cinismo que o caracteriza: “Are they Charlie?…”
Aliás, temos também “Lifeboat”, a “Corda” e “Strangers on A Train”.
(**) Cf. Loc. Cit. Pp 17 e 18.
(***) Cf. “Abimelech’s Interpretation of a Dream and the Dream of Interpretation” in “Literature and Psychoanalysis” 1991
Carnaxide em 25. 10.2021