JOSÉ PASCOAL
José Pascoal (Portugal, Torres Vedras, 1953). Poeta, publicou: Sob Este Título, Editorial Minerva, Março de 2017. Antídotos, Editorial Minerva, Março de 2018. Excertos Incertos, Editorial Minerva, Maio de 2018. Dirige o blog Gazeta de Poesia Inédita, em:
https://gazetadepoesiainedita.blogs.sapo.pt/
UM JEITO DE OMBROS
Uma luz perdida
No belo horizonte
Das tuas espáduas
Brancas, seminuas,
Conduz-me à planície
Da grande surpresa
Onde corre um fio
De melancolia
Transubstanciada
Em serenidade.
A PURA INTENÇÃO
Há palavras que vou
Doravante evitar,
Aqueloutras que servem
Para pedir desculpa,
Licença, por favor,
Palavras penitentes
Que me fazem sentir
Mais simples do que sou
E pode vir a ser
Que tudo se componha
Com a rosa-dos-ventos
E a chave-de-fendas.
OS PARENTES AFASTADOS
Somos todos parentes afastados
E consumimos água, luz e gás.
Temos sono pesado na balança
Nivelada, neurótica, noctâmbula.
Pomos todos a mão no parapeito
Antes do salto eterno sem retorno.
Vemos todos a cova no cemitério
Dos prazeres fáceis prometidos.
Ficamos com o ar triste de bovinos
Deitados num palheiro humedecido.
QUEIXUME IMPRÓPRIO
O bom desejo
Será possível
No céu sofrível
Onde me vejo?
Nenhum lampejo,
Tudo, terrível;
No que é visível
Não me revejo.
Nenhum presságio,
Sequer má ventura
Ou mau contágio:
O tempo dura
Como um naufrágio
Em lama pura.
QUARTO MINGUANTE
Quem vive à míngua,
Não fala nenhuma língua,
Limita-se a ver o nível
Da sua sede,
O número disponível
Dos bombeiros voluntários,
A factura semanal
Do que deve
Às lojas convenientes
Da atenção.
José Pascoal