Quatro poemas de Wislawa Szymborska

 

 

 

 

 

 

 

 

WISLAWA SZYMBORSKA
Tradução de Nicolau Saião


Wislawa Szymborska (Kórnik, 1923 – Cracóvia, 2012) – Escritora polaca galardoada com o Prémio Nobel em 1996. Poetisa, crítica literária e tradutora, viveu em Cracóvia, onde se formou em Filologia Polaca e Sociologia pela Universidade Jaguellonica.


A casa de um grande homem

 

Foi escrito no mármore em letras douradas:

aqui um grande homem viveu, trabalhou e morreu.

Ele colocou pessoalmente o cascalho para esses caminhos.

Este banco – não lhe toquem – esculpiu-o ele sozinho

E de pedra o fez.

E – cuidado, três etapas – vamos entrar.

Na hora certa chegou ele ao mundo.

Tudo o que tinha que passar, passou nesta casa.

Não num prédio alto,

não em metros quadrados, mobilado, mas vazio,

entre vizinhos desconhecidos,

nalgum décimo quinto andar,

onde é difícil arrastar excursões escolares.

Nesta sala ponderou,

nesta câmara dormia,

e aqui recebia convidados.

Retratos, uma poltrona, uma escrivaninha, um cachimbo, um globo, uma flauta,

um tapete surrado, um solário.

A partir daqui, trocou acenos com o seu alfaiate

e o seu sapateiro

que para ele trabalharam sob medida.

Isso não é o mesmo que fotografias em caixas,

canetas secas num copo de plástico

um guarda-roupa e um armário comprados numa loja,

uma janela, de onde se podem ver melhor as nuvens

do que as pessoas.

Feliz? Infeliz?

Isso aqui não é relevante.

Ele confiava ainda nas suas cartas,

sem pensar que seriam abertas nos seus

trajectos.

Ele mantinha ainda um diário detalhado e honesto,

sem receio de o perder durante uma

busca.

A passagem de um cometa preocupava-o mais.

A destruição do mundo estava apenas nas mãos

de Deus.

Ele conseguiu ainda não morrer no hospital,

atrás de uma tela branca, sabe-se lá qual.

Ainda havia alguém com ele que se lembrava

Das suas palavras murmuradas.

Ele participou da vida

como se fosse reutilizável:

enviou os seus livros para que fossem encadernados;

pois não iria riscar os sobrenomes dos mortos

do seu livro de endereços.

E as árvores que plantou no jardim por detrás

da casa

cresceram para ele como a Juglans Regia

e a Quercus Rubra e a Ulmus e a Larix

e a Fraxinus Excelsior.


Uma nota de agradecimento

 

Há muito que devo

áqueles que eu não amo.

O alívio em aceitar

eles estão mais próximos de outro.

Alegria por não ser

o lobo para suas ovelhas.

A minha paz esteja com eles

pois com eles eu sou livre,

e isso, o amor não pode dar,

nem sei como tirá-lo.

Eu não espero por eles

da janela à porta.

Quase tão paciente

como um mostrador solar,

eu entendo

o que o amor não entende.

Eu perdoo

o que o amor nunca teria perdoado.

Entre encontro e carta

nenhuma eternidade passa,

apenas alguns dias ou semanas.

As minhas viagens com eles dão sempre certo.

Ouvem-se concertos.

As catedrais são visitadas.

As paisagens são distintas.

E quando sete rios e montanhas

fiquem entre nós,

eles são rios e montanhas

bem conhecidos de qualquer mapa.

É graças a eles

que eu vivo em três dimensões,

num espaço não lírico e não retórico,

com um horizonte mutável, portanto real.

Eles nem sabem

quanto carregam nas suas mãos vazias.

‘Eu não lhes devo nada ‘,

teria dito o amor

neste tópico aberto.


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Eu sou um tranquilizante.

Eu sou eficaz em casa.

Eu trabalho no escritório.

Eu posso fazer exames

no banco das testemunhas.

Eu conserto copos quebrados com cuidado.

Tudo que precisas fazer é levar-me,

deixa-me derreter sob a tua língua,

engole-me apenas

com um copo de água.

Eu sei como lidar com o infortúnio,

como receber más notícias.

Posso minimizar a injustiça,

iluminar a ausência de Deus,

ou escolher o véu da viúva que combine com o seu rosto.

O que tu estás esperando

Que tenha fé na minha compaixão química.

Tu ainda és um jovem homem /mulher.

Não é tarde demais para aprender a relaxar.

Quem disse

que tens que me pegar no queixo?

Deixa-me ter o teu abismo.

Vou amortecê-lo com o sono.

Tu vais agradecer-me por te dar

quatro patas para caíres.

Vende-me a tua alma.

Não há outros compradores.

Não mais existe nenhum outro demónio.


Aniversário

 

Tanto mundo ao mesmo tempo – como ele sussurra e se agita!

Morenas e moreias e pântanos e mexilhões,

A chama, o flamingo, a solha, a pena –

Como alinhá-los todos, como colocá-los juntos?

Todos os bilhetes e grilos e rastejadores e riachos!

As faias e sanguessugas sozinhas podem levar semanas.

Chinchilas, gorilas e salsaparrilhas –

Muito obrigado, mas todo esse excesso de gentileza pode matar-nos.

Onde está o pote para esta bardana florescente, murmúrio de riachos,

Briga de torres, fuga de cobras, abundância e problemas?

Como ligar as minas de ouro e localizar a raposa,

Como lidar com o linx, bobolinks, streptococs!

Dióxido de relato: um peso leve, mas poderoso nas acções.

E os octópodes, e as centopeias?

Eu poderia olhar os preços, mas não tenho coragem:

Esses são produtos que simplesmente não posso pagar, não mereço.

Não é o pôr do sol um pouco demais para dois olhos

Que, quem sabe, não pode abrir para ver o sol nascer?

Estou apenas de passagem, é uma paragem de cinco minutos.

Não vou agarrar o que está distante: o que está perto demais, vou confundi-lo.

Ao tentar sondar o que é o sentido interno do vazio,

Vou passar por todas essas papoulas e amores-perfeitos.

Que perda quando pensas quanto esforço foi gasto

aperfeiçoando esta pétala, este pistilo, este perfume

para o aparecimento único, que é tudo o que é permitido,

tão indiferentemente preciso e tão fragilmente orgulhoso.


Tradução de nicolau saião