RUI TINOCO
quando a palavra é
escrita, o significado
não se imobiliza por
cima desse instante. fica
para sempre a oscilar
por cima do texto.
para quê, então, encher-me
de certezas?
há amores derruídos
na memória como em qualquer
um de vós: «dor»
(como será lida esta passagem
por cada leitor, e por nós próprios,
ao longo da nossa vida?)
a terrível tarefa de mapear
origens: como pequenos
umbigos, concentrados de
porvir, olhos cegos,
vazados por ordem
de um feroz imperador
da idade média. ainda agora,
hoje: olho as minhas mãos
como terras do ontem.
aos vinte anos sentei-me
num penhasco frente ao mar
para a escrita de um poema
sobre o amor rasgado
no meu peito. um penhasco
como este em eu agora vos
dirijo a palavra. hoje, sei-o bem: é
extremamente fácil não haver
significado, contemplar
o poente, o lento mergulho
do disco solar no oceano
como todas as coisas
que se dirigem
a nada.