A Parapsicologia tornou-se, para muitos, uma área de conhecimento de
particular interesse.
Via de regra, tal interesse manifesta-se ao longo de diversas
trajetórias de vida ligadas a atividades religiosas que acabam por se
tornar insuficientes para responderem a determinadas, e particulares,
perguntas. Isso, contudo, não significa necessariamente um afastamento
da fé. Veremos logo adiante que há investigadores da fenomenologia
parapsicológica que declaram e professam sua fé abertamente. Portanto,
quando nos referimos a esse "particular interesse" significa apenas
dizer que muitas questões que permaneciam sem respostas acabam, de certa
maneira, respondidas ou, pelo menos, encaminhadas para uma resposta
favorecida pela racionalidade.
O que traz certo desconforto para muitos é a aceitação da Parapsicologia
enquanto uma área de investigação científica. Veem-na como "algo"
misturado ao místico, ao oculto, ao mágico. Na verdade, isso se deve à
sua própria origem, ligada que foi aos fenômenos espiríticos. Contudo, a
Parapsicologia nada tem de místico ou oculto. Ao contrário, nada há em
Parapsicologia que seja oculto, místico ou místico-religioso.
A grande questão, para traduzirmos em poucas palavras, é que fenômenos
parapsicológicos, de fato, são em menor número que imaginamos. Muitas
ocorrências atribuídas à paranormalidade nada têm de parapsicológico.
Sempre me refiro a um exemplo. Vejamos.
Alguém afirma que viu, por diversas vezes, um fantasma em seu quarto.
Muito bem. A pergunta que não quer calar é: o que tem a ver, pelo menos
a princípio, a visão de um fantasma com a Parapsicologia? Nada. Essa
visão pode estar associada a uma patologia. Se isso for constatado,
deve, indiscutivelmente, ser tratada por um profissional da saúde. Não
existe - e nunca existiu - tratamento parapsicológico ou qualquer forma
terapêutica parapsicológica. Basta consultarmos a História da
Parapsicologia para confirmarmos isso.
Alguns, entretanto, por desconhecimento com certeza, e talvez até má-fé,
difundem e, o que é pior, praticam "terapias parapsicológicas". Nada há
de mais insensato e inconveniente. Esse comportamento, injustificável,
macula, ainda mais, a já tão desgastada imagem da Parapsicologia.
Mas, voltando ao ponto. Para a Parapsicologia
ninguém vê fantasmas a bel prazer, fora de um estado alterado de
consciência. Em outras palavras, ninguém vê um fantasma em estado normal
de consciência. Se isso estiver ocorrendo, como disse anteriormente, o
melhor a fazer, e rapidamente, é procurar ajuda de um especialista para
averiguar e diagnosticar o problema.
O fantasma, insisto, na concepção comum dada ao termo, não existe para a
Parapsicologia. Para a Parapsicologia existem as
transfigurações, fantasmogênese etc., mas segundo a Parapsicologia, tais
produções ectoplasmáticas ocorrem de dentro para fora. Em poucas
palavras, é uma projeção inconsciente. Por isso dizemos que os fantasmas
existem sim. Mas existem nas mentes de algumas pessoas que os projetam
para o ambiente. Portanto, são projeções mentais e não seres
desencarnados que se apresentam com o objetivo de comunicar-se com os
vivos.
Essa relação da Parapsicologia com entidades desencarnadas surge em
virtude de contextos religiosos nunca constatados experimentalmente
pelos estudos parapsicológicos. Utilizar a Parapsicologia como escudo e
confirmação para tais afirmações é usá-la em defesa da fé.
Injustificavelmente.
O problema, muitas vezes, apresenta-se com dimensões dilatadas, em
virtude de muitos verem os estudos parapsicológicos como esteiras para
atingir objetivos pouco claros.
Isso se liga, também, ao início das investigações, tratadas à época como
pesquisas psíquicas, em que muitos pesquisadores ficaram convencidos de
que os fenômenos estudados deviam-se a influências de personalidades
desencarnadas e, em virtude disso, depositaram sua fé na comunicação com
os mortos e abraçaram o Espiritismo enquanto religião. Mas, isso são
opiniões e decisões pessoais.
A Parapsicologia nunca se envolveu com decisões de ordem pessoal. Ao
contrário, a Parapsicologia sempre se pautou em dar respostas naturais
aos fenômenos, com base numa metodologia rigorosa, apesar das
dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores, em virtude da natureza
particular e extraordinária desses fenômenos. Imagine-se, apenas como
exercício, o impacto que deve ter sido, num primeiro momento, uma mesa
dar respostas aparentemente inteligentes através de pancadas, sem
contato de qualquer pessoa. Contudo, diria Guimarães Rosa, o
tempo é engenhoso e muitas coisas foram explicadas. Outras, ainda,
estão para serem explicadas.
Inclusive, devemos ser cautelosos. O fato de não termos uma resposta
para determinado tipo de fenômeno, dentro do universo parapsicológico,
não implica que devamos atribui-lo ao sobrenatural. A convicção que
temos, repito, é que os espíritos que povoam esse universo paralelo e
desconhecido, se existirem, nada têm a ver com a Parapsicologia. Até o
presente momento, como já o dissemos repetidas vezes, nenhum fenômeno
estudado em laboratório apontou para participação de entidades
desencarnadas. Insisto, portanto, em dizer que o fato de não sabermos
explicar este ou aquele fenômeno não nos dá o direito de atribuí-lo ao
sobrenatural. Isso não é fazer ciência.
Temos que ter sempre em mente que a Parapsicologia não está envolvida
com crenças. Os fenômenos parapsicológicos não nos dão o direito de
acreditar ou não neles. Não são uma questão de crença.
É fato, todavia, que há parapsicólogos católicos, há parapsicólogos
espíritas assim como há parapsicólogos ateus. Da mesma forma há
profissionais de saúde católicos, budistas, evangélicos, espíritas,
ateus etc. Contudo ao tratar de um doente, esse profissional deve
valer-se do conhecimento disponível em sua área de formação. Nenhum
paciente pode ser tratado em uma UTI com base em duas orações de três em
três horas. Em Parapsicologia é o mesmo. Temos que usar os recursos da
área para orientar, observe-se, orientar, não tratar,
aqueles que enfrentam problemas de ordem parapsicológica. Essa
orientação é puramente técnica. Talvez, aqui também, um exemplo seja
esclarecedor. Vejamos: Os fenômenos, raros diga-se, das chamadas casas
assombradas. Muito bem.
Quando um parapsicólogo vai ao lugar e constata não se tratar, a
primeira vista, de fraude, ele deve orientar a família com base no
conhecimento acumulado pela Parapsicologia. Um parapsicólogo treinado
sabe enfrentar essa questão e está preparado para orientar as pessoas
envolvidas. Seria inconcebível um investigador da
área solicitar orações para espantar os maus espíritos. Para a
Parapsicologia os espíritos, demônios ou o que possa pertencer ao mundo
sobrenatural, se de fato existirem, não tem participação nesses casos.
Vejo, contudo, alguns autodenominados parapsicólogos que mandam fazer
orações e até praticam exorcismos no local. Inclusive podemos ver em
canais a cabo programas inteiros sobre tais "investigações paranormais",
que adotam insustentável prescrição. Ora, a farsa
está em estes "investigadores" se autodenominarem parapsicólogos. De
onde saiu tão atabalhoada compreensão da Parapsicologia?
Os grandes iniciadores e tratadistas, Charles Richet, René Sudre, Joseph
Banks Rhine, só para citar alguns dos mais importantes, jamais fizeram
algum tipo de associação entre sobrenatural e fenomenologia
parapsicológica. Ao contrário, nos alertam para esse erro. Cabe aqui um
aparte.
Parapsicólogo
é apenas um título de identificação para aqueles que se dedicam ao
estudo da Parapsicologia utilizando-se de uma rigorosa metodologia. Não
basta olhar para o movimento, sem contato aparente, de um objeto
qualquer e, de imediato, associá-lo a um fenômeno de telergia. Não é
assim. Esse comportamento seria, no mínimo, reprovável. Há muita
confusão nesse sentido.
A Parapsicologia não é uma profissão regulamentada no Brasil e, até onde
sei, em nenhuma parte do mundo. Apregoa-se, por vezes, que dissertações
e teses foram defendidas em universidades, tanto no Brasil, como em
outros países, em Parapsicologia. Esclareçamos, contudo, que o objeto de
estudo foi a Parapsicologia. De fato. Mas o trabalho foi apresentado ao
departamento de Psicologia, Medicina, Física etc. O diploma recebido, em
virtude do grau que confere ao pesquisador, virá como mestre ou doutor
em Psicologia, Medicina ou Física. Jamais como mestre ou doutor em
Parapsicologia. Se isso ocorrer será através de cursos livres, não
importando o grau oferecido por tais cursos. Ou seja, cursos não
oficiais.
Isso, contudo, não significa dizer que o curso seja de baixa qualidade.
Essa relação entre curso livre e baixa qualidade é delicada. E nem
sempre reflete a verdade. Pelo menos, não necessariamente.
Todavia, essa afirmação desencontrada que atribui formação específica em
Parapsicologia em instituições sejam elas universitárias ou não
universitárias, assim como institutos e centros, dá-se por anúncios
pouco claros.
Vi, há tempos, aqui em São Paulo, uma propaganda de um curso de formação
superior em Parapsicologia, dizendo que o curso estava autorizado pelo
Ministério da Educação, MEC e até exibiam orgulhosamente o Parecer de
autorização para funcionamento do curso. Ora, o que foi relatado no
Parecer, orgulhosamente exibido, é que não cabia ao MEC autorizar tal
curso, podendo, contudo, ser oferecido, se assim a instituição
o desejasse, como curso livre - mais uma vez - sem necessidade de
fiscalização por parte dos órgãos oficiais.
Assim, deve ficar claro que o MEC, através de seus órgãos consultivos,
não autorizou, nem desautorizou a oferta do curso, por uma única e
simples razão: não é de sua competência, pelo menos enquanto não existir
uma proposta curricular abrangente, autorizar ou desautorizar tais
cursos. A posição do Ministério é clara e extremamente coerente. O resto
é propaganda veiculada de maneira fora dos padrões necessários para uma
informação clara.
Devemos dizer, ainda, que não cabe à Parapsicologia, em minha opinião,
buscar profissionalizar-se com atribuições que ultrapassem os limites
estritos da pesquisa. A Parapsicologia deve lutar por um lugar ao Sol
enquanto uma área de conhecimento voltada exclusivamente para a
investigação, jamais associada a qualquer tipo de prática terapêutica,
mesmo alternativamente. A razão é simples: não há nenhuma evidência
conclusiva em que se associe diretamente paranormalidade com patologia.
Tanto Richet, o primeiro tratadista sobre a matéria, quanto Rhine, o
grande incentivador da Parapsicologia acadêmica, manifestaram a mesma
convicção.
Assim, afastar interpretações sobrenaturais, cuja base se fundamenta em
crenças injustificadas, substituindo-as por explicações fundamentadas
com base em pesquisa séria, já é trabalho árduo demais.
O desafio maior continua o mesmo desde o início das primeiras
investigações controladas. Os fenômenos parapsicológicos puros são
irrepetíveis. Não se submetem a uma investigação controlada com hora
marcada em laboratório. Uma monição, como queria
Charles Richet, ou modernamente, uma precognição, ocorrida em virtude de
uma morte, para repetir-se, o morto teria que reviver e morrer novamente
para, então, aquele que teve a percepção, tê-la mais uma vez e, assim,
sucessivamente, exaustivamente. Absurdo.
Por essa incapacidade de repetição atribui-se o fenômeno a alucinação,
fraude, erro de observação, acaso, charlatanismo etc. Isso não é novo,
como também não é nova a certeza de pessoas que ao longo de toda a
história do homem relataram fenômenos que modernamente denominamos de
parapsicológicos. Richet, em seu Tratado de Metapsíquica (1922: 26,27)
dá um exemplo de como tais ocorrências sempre foram tratadas pelos
grandes sábios.
"As alucinações, narradas por pessoas ingênuas com abundância de
pormenores, pertencem ao domínio da alienação mental, e as
representações dadas pelos médiuns não passam de velhacarias". Os
médiuns que pretendem ser dotados de propriedades sobrenaturais e alegam
ser intermediários do mundo dos mortos e o dos vivos, são ou alucinados
ou farsantes. Desde que se tomem precauções contra a credulidade e a
fraude, o erro e a impostura acabam sempre por serem descobertos.
Perante comissões de inquérito, que têm autoridade científica, nunca um
fato irrecusável de lucidez ou de movimentos de objetos sem contato pode
ser firmado. Se se eliminam os acasos, as faltas de observação, os
embustes - nada mais fica da chamada
metapsíquica [antigo nome atribuído às pesquisas pesquisas, hoje
Parapsicologia] senão imensa ilusão. À medida que as condições de
controle vão sendo mais rigorosas, os fenômenos vão sendo menos intensos
- e acabam desaparecendo, por fim. A ciência que quer ser tida na
conta de experimental e se apóia em experiências que se não podem
repetir, não é ciência. Falais de coisas extraordinárias,
inverossímeis, que põem por terra tudo o que a ciência até aqui
reconheceu como verdadeiro; porém sois incapazes de apresentar uma prova
do que afirmais, porque até o presente momento essa prova não foi
submetida a nenhuma pesquisa metódica. Não nos compete a nós provar
que o que asseverais é falso; compete a vós provar que ele é
verdadeiro. Na verdade esses fatos estranhos, mesmo que
os testemunhássemos, considerá-los-íamos como ludíbrio ou ilusão,
porque estais entre impostores e as vossas afirmações são demasiadamente
absurdas para serem consideradas como verídicas". (grifos nossos)
Esta é a postura de ontem. Infelizmente, esta é, ainda, a postura de
hoje. Contudo, as afirmações feitas em relação a uma gama variada de
fenômenos que ocorrem no âmbito da Parapsicologia nada têm de absurdas.
Richet, ainda nos faz lembrar que a História das Ciências nos alerta que
outras descobertas, no passado, também foram repelidas sob o pretexto de
estarem em contradição com a Ciência.
"A anestesia cirúrgica foi negada por Magendie. A existência dos
micróbios foi contestada durante vinte anos por todos os acadêmicos de
todas as academias. Galileu foi parar no xadrez por ter afirmado que a
Terra girava. Bouillaud declarou que o telefone não era senão
ventriloquia. Lavoisier disse que os meteoritos não caíam do céu, porque
não havia pedras no céu. A circulação do sangue só foi admitida depois
de quarenta anos de estéreis discussões. Um dos meus avoengos, P.S.
Girard, num discurso pronunciado na Academia das Ciências, em 1827,
considerava como loucura a ideia de se poder levar água, por meio de
canos, a lugares elevados das casas. (...) Poder-se-ia escrever um
volume completo sobre as paspalhices que foram ditas na ocasião de cada
descoberta e a respeito dela própria." Ora, continua Richet, "os sábios
julgam que traçam limites que a ciência futura é incapaz de romper".
Desta forma, entendemos com Richet que a ciências ao declararem que tal
ou qual fenômeno parapsicológico é impossível pelas atuais leis,
confundem de maneira desastrosa e inconsequente o que é contraditório
com a ciência com o que é novo na ciência. A Parapsicologia vive entre
dois mundos e, de ambos tem que se libertar. De um lado o mundo de uma
fé celestial. De outro, o da razão infernal. Devemos,
contudo, insistir. |