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José Roberto Baptista

Milagres em desfile

Oscar González-Quevedo reconhecidamente um dos mais destacados parapsicólogos em atividade no Brasil vem desde sempre defendendo que é dever da ciência explicar os milagres e, particularmente, caberia à Parapsicologia tão difícil tarefa.

Apesar de meu profundo respeito pelo homem e parapsicólogo sou obrigado a discordar.

Falar-se em milagres já não é tarefa simples. Comprovar-se cientificamente um milagre parece-me tarefa insana. Vejamos.

O que entendemos por milagre? Por definição, milagre é um feito extraordinário que desafia a compreensão por parte de todo conhecimento científico. Ora, essa é a condição primeira para que um fato seja declarado milagre. Em outras palavras, o milagre seria uma intervenção direta de Deus no mundo natural como prova de sua existência. Nas palavras de Quevedo o milagre seria a "assinatura de Deus".

Diante disso, a menos que queiramos buscar outras formas de compreensão, não há meios disponíveis para explicar um milagre cientificamente. Como explicar, se de fato ocorreu, a ressurreição de Lázaro, após quatro dias de sua morte?

Neste artigo gostaria de reportar-me a alguns programas televisivos, levados ao ar por algumas denominações religiosas, que afirmam estarem (de)monstrando o poder de Deus através de curas consideradas, pelos dirigentes de tais programas, como milagrosas. Isso sem apontar especificamente para este ou aquele programa ou para esta ou aquela congregação de fé.

Pois bem. Vi, como muitos que nada de melhor tinham a fazer, (minha avó diria "com meus próprios olhos") diversas 'pessoas de fé', assim se autodefiniram, darem seu testemunho diante de milhares e milhares de telespectadores sobre suas curas "milagrosas" e, consequentemente imediatas, que envolviam as mais variadas e sugestivas patologias.

Dor na coluna foi um dos "milagres", pelo menos aceito enquanto tal pelo dirigente do culto, que mais aconteceu. Pigarros, com as mais variadas e indeterminadas procedências, vieram logo em seguida. Dores, de múltiplas tonalidades, nos braços, pernas e cabeça, também não deixaram de ser "milagrosamente" curadas. Também, não posso furtar-me, alguns cânceres foram eliminados milagrosamente e, não posso duvidar, raios X, idôneos, segundo os portadores, estavam à disposição daqueles que duvidassem. Enfim, são tantas as peripécias que gostaria de fazer aqui um aparte.

A cura de dores na coluna e pigarros variados estariam dentro desse contexto de obra maravilhosa, de grande perfeição, que poderia ser atribuída a Deus?

A resposta, segundo os congregados, é sim.

Diante disso, sou conduzido a refletir - e diante dessa reflexão - surge a pergunta que não quer calar: O que levaria Deus a curar dores na coluna (provavelmente por posturas incorretas) e pigarros dos mais variados e não ter um olhar solidário, pelo menos aparentemente, para aqueles que padecem em UTIs, muitos com dores horríveis etc., etc., etc.? Inclusive, fico estupefato de ver tantos e tantos milagres em igrejas e pouco, pouquíssimos, a bem da verdade nenhum, milagre em UTIs.

Para essa pergunta, que tenho evitado há anos, a resposta é, foi e será, sempre, a mesma: ninguém pode explicar os desígnios de Deus - ou alguma variação próxima. E pronto. Fecha-se a questão com a mesma certeza do que pode ocorrer a uma plantação de morangos caso um trator passe por cima.

Mas, a coisa é mais grave (será possível?). Àqueles que recebem tais "milagres" começam, via de regra, a mando de quem coordena os trabalhos, a exercitarem-se frente às câmeras. Promovem verdadeiras maratonas pelo altar, seguidas de saltos ornamentais e tudo o mais. É o tipo de milagre que deveria ser classificado como milagre ecumênico seguido de demonstrações acrobáticas. É, ecumênico sim, não importa a religião professada pelo crente/participante. Mesmo porque a maioria, senão a totalidade das igrejas, não dá a menor importância para a procedência religiosa dos que ali estão. O mais importante é você e, naturalmente, embora não tão importante, como insistem em dizer, a tua contribuição mensal para ajudar a obra de Deus. Lógico, dispensável lembrarmos que muitos não contribuem. Mas... muitos contribuem.

Neste ponto gostaria de estender-me, mas não quero parecer deselegante. Além de ter consciência de que não estou suficientemente envolvido com a fé para compreender essas sacramentais maravilhas televisivas e suas consequentes arrecadações. Inclusive não consigo, por mais que tente, compreender a relação entre contribuição e milagre. A fala corrente nesses admiráveis programas é que "quanto mais você contribuir com a obra de Deus mais abençoado você será". "Nenhum centavo empregado na obra de Deus (igreja) é desperdiçado". "Tudo você receberá de volta e em dobro". É, maravilhosamente, uma relação direta. Dá cá, toma lá.

De toda maneira nesses locais sagrados não vale a orientação ignore a tua esquerda o que faz a tua direita. (Mt 6,3). São, digamos... mais abertos. Nesses espaços sagrados nada há o que esconder. Todos assinam suas contribuições na frente de todos. Todos sabem, ou podem saber, o quanto você está ofertando. Tudo fica às claras. Embora chulo o ditado, matou a cobra, mostra o pau.

Mas, como tudo pode piorar, aprendi com um desses programas religiosos, verdadeiros mestres do ensino sobrenatural, que existem demônios especialistas - é isso mesmo - demônios especialistas. Em quê? Por exemplo, em destruir casamentos. Isso mesmo. Fiquei estupefato. E aqui também só um milagre pode livrá-lo deles.  Até uma senhora deu seu sincero testemunho. Segundo ela, largou os filhos, o marido, a família e caiu na farra por vários anos. Tudo por ter sido tentada por um demônio especialista. Que horror! Sua salvação ocorreu quando, ainda segundo ela, foi tocada por Jesus Cristo (o milagre do toque). Aí tudo voltou ao normal. Reassumiu os filhos, a família, o casamento e tudo o que tinha direito. Lógico que o marido contribuiu ao longo desses anos de afastamento para criar os filhos, alimentá-los, instruí-los, orientá-los para a vida, etc. etc. etc. E fez tudo sozinho, segundo ele. Ainda, segundo o abnegado e próspero marido, comprou casa, carro e montou uma empresa que estava indo muito bem. Incrível. Não quero em nenhum momento ligar os dois pontos da história. Isso seria uma visão maldosa. Afinal, ninguém sabe o que Deus reserva para cada um de nós. O grande mérito dos seres humanos, criados para servir a Deus, é aceitar com humildade "sua cruz".

Da mesma forma devemos aceitar:

1. que homens nasceram predestinados a mandar e, outros, a obedecer;

2. que membros religiosos destacados (padres, pastores, ministros, missionários, pais de santo, babalorixás, etc.) receberam um chamamento especial de Deus para nos orientar ao longo da vida. Aqui um aparte. Numa sociedade incrédula como a nossa causa-me um enorme estranhamento aceitar-se isso. Aqui, a princípio, vejo duas possibilidades para tal aceitação: 1. pela fé (e haja fé). 2. pela ignorância.

3. que não há crise que te impeça de contribuir com a igreja;

4. que mesmo aquele que matou uma família inteira - pai, mãe, filhos - se tocado por Deus - será perdoado. Aqui um novo aparte. Enumerei esta máxima quase por impulso. A razão me impede de compreendê-la. De toda maneira, fica registrado o que ouvi (com todas as variações, por várias vezes).

E, ainda, para não nos estendermos,

5. que tudo o que você contribuir com a igreja, aqui na Terra, você verá triplicado no Céu (o melhor aqui é nada dizer).

É assim. Há "milagres" de todos os tipos. Quem sabe, para as próximas gerações, haverá o Milagre da Razão. Só Deus sabe.

 

José Roberto Baptista é editor da ARTE-LIVROS Editora. Foi professor universitário e Diretor-Acadêmico de tradicionais instituições de ensino superior em São Paulo. É estudioso da fenomenologia parapsicológica e autor, entre outros, do livro Introdução ao Estudo da Parapsicologia (Arké, 2007), além de já ter escrito vários artigos sobre o tema. Dirigiu o IEP-SP - Instituto de Estudos Psicobiofísicos de São Paulo voltado, exclusivamente, ao estudo e ao ensino da Parapsicologia.