Oscar González-Quevedo reconhecidamente um dos mais
destacados parapsicólogos em atividade no Brasil vem desde sempre
defendendo que é dever da ciência explicar os milagres e,
particularmente, caberia à Parapsicologia tão difícil tarefa.
Apesar de meu profundo respeito pelo homem e
parapsicólogo sou obrigado a discordar.
Falar-se em milagres já não é tarefa simples.
Comprovar-se cientificamente um milagre parece-me tarefa insana.
Vejamos.
O que entendemos por milagre? Por definição, milagre
é um feito extraordinário que desafia a compreensão por parte de todo
conhecimento científico. Ora, essa é a condição primeira para que um
fato seja declarado milagre. Em outras palavras, o milagre seria uma
intervenção direta de Deus no mundo natural como prova de sua
existência. Nas palavras de Quevedo o milagre seria a "assinatura de
Deus".
Diante disso, a menos que queiramos buscar outras
formas de compreensão, não há meios disponíveis para explicar um milagre
cientificamente. Como explicar, se de fato ocorreu, a ressurreição de
Lázaro, após quatro dias de sua morte?
Neste artigo gostaria de reportar-me a alguns
programas televisivos, levados ao ar por algumas denominações
religiosas, que afirmam estarem (de)monstrando o poder de Deus através
de curas consideradas, pelos dirigentes de tais programas, como
milagrosas. Isso sem apontar especificamente para este ou aquele
programa ou para esta ou aquela congregação de fé.
Pois bem. Vi, como muitos que nada de melhor tinham a
fazer, (minha avó diria "com meus próprios olhos") diversas 'pessoas de
fé', assim se autodefiniram, darem seu testemunho diante de milhares e
milhares de telespectadores sobre suas curas "milagrosas" e,
consequentemente imediatas, que envolviam as mais variadas e sugestivas
patologias.
Dor na coluna foi um dos
"milagres", pelo menos aceito enquanto tal pelo dirigente do culto, que
mais aconteceu. Pigarros, com as mais variadas e indeterminadas
procedências, vieram logo em seguida. Dores, de múltiplas tonalidades,
nos braços, pernas e cabeça, também não deixaram de ser "milagrosamente"
curadas. Também, não posso furtar-me, alguns cânceres foram eliminados
milagrosamente e, não posso duvidar, raios X, idôneos, segundo os
portadores, estavam à disposição daqueles que duvidassem. Enfim, são
tantas as peripécias que gostaria de fazer aqui um aparte.
A cura de dores na coluna
e pigarros variados estariam dentro desse contexto de obra maravilhosa,
de grande perfeição, que poderia ser atribuída a Deus?
A resposta, segundo os
congregados, é sim.
Diante disso, sou
conduzido a refletir - e diante dessa reflexão - surge a pergunta que
não quer calar: O que levaria Deus a curar dores na coluna
(provavelmente por posturas incorretas) e pigarros dos mais variados e
não ter um olhar solidário, pelo menos aparentemente, para aqueles que
padecem em UTIs, muitos com dores horríveis etc., etc., etc.? Inclusive,
fico estupefato de ver tantos e tantos milagres em igrejas e pouco,
pouquíssimos, a bem da verdade nenhum, milagre em UTIs.
Para essa pergunta, que
tenho evitado há anos, a resposta é, foi e será, sempre, a mesma:
ninguém pode explicar os desígnios de Deus - ou alguma variação próxima.
E pronto. Fecha-se a questão com a mesma certeza do que pode ocorrer a
uma plantação de morangos caso um trator passe por cima.
Mas, a coisa é mais grave
(será possível?). Àqueles que recebem tais "milagres" começam, via de
regra, a mando de quem coordena os trabalhos, a exercitarem-se frente às
câmeras. Promovem verdadeiras maratonas pelo altar, seguidas de saltos
ornamentais e tudo o mais. É o tipo de milagre que deveria ser
classificado como milagre ecumênico seguido de demonstrações
acrobáticas. É, ecumênico sim, não importa a religião professada pelo
crente/participante. Mesmo porque a maioria, senão a totalidade das
igrejas, não dá a menor importância para a procedência religiosa dos que
ali estão. O mais importante é você e, naturalmente, embora não tão
importante, como insistem em dizer, a tua contribuição mensal para
ajudar a obra de Deus. Lógico, dispensável lembrarmos que muitos não
contribuem. Mas... muitos contribuem.
Neste ponto gostaria de
estender-me, mas não quero parecer deselegante. Além de ter consciência
de que não estou suficientemente envolvido com a fé para compreender
essas sacramentais maravilhas televisivas e suas consequentes
arrecadações. Inclusive não consigo, por mais que tente, compreender a
relação entre contribuição e milagre. A fala corrente nesses admiráveis
programas é que "quanto mais você contribuir com a obra de Deus mais
abençoado você será". "Nenhum centavo empregado na obra de Deus (igreja)
é desperdiçado". "Tudo você receberá de volta e em dobro". É,
maravilhosamente, uma relação direta. Dá cá, toma lá.
De toda maneira nesses
locais sagrados não vale a orientação ignore a tua esquerda o que faz a
tua direita. (Mt 6,3). São, digamos... mais abertos. Nesses espaços
sagrados nada há o que esconder. Todos assinam suas contribuições na
frente de todos. Todos sabem, ou podem saber, o quanto você está
ofertando. Tudo fica às claras. Embora chulo o ditado, matou a cobra,
mostra o pau.
Mas, como tudo pode
piorar, aprendi com um desses programas religiosos, verdadeiros mestres
do ensino sobrenatural, que existem demônios especialistas - é isso
mesmo - demônios especialistas. Em quê? Por exemplo, em destruir
casamentos. Isso mesmo. Fiquei estupefato. E aqui também só um milagre
pode livrá-lo deles. Até uma senhora deu seu sincero testemunho.
Segundo ela, largou os filhos, o marido, a família e caiu na farra por
vários anos. Tudo por ter sido tentada por um demônio especialista. Que
horror! Sua salvação ocorreu quando, ainda segundo ela, foi tocada por
Jesus Cristo (o milagre do toque). Aí tudo voltou ao normal. Reassumiu
os filhos, a família, o casamento e tudo o que tinha direito. Lógico que
o marido contribuiu ao longo desses anos de afastamento para criar os
filhos, alimentá-los, instruí-los, orientá-los para a vida, etc. etc.
etc. E fez tudo sozinho, segundo ele. Ainda, segundo o abnegado e
próspero marido, comprou casa, carro e montou uma empresa que estava
indo muito bem. Incrível. Não quero em nenhum momento ligar os dois
pontos da história. Isso seria uma visão maldosa. Afinal, ninguém sabe o
que Deus reserva para cada um de nós. O grande mérito dos seres humanos,
criados para servir a Deus, é aceitar com humildade "sua cruz".
Da mesma forma devemos
aceitar:
1. que homens nasceram
predestinados a mandar e, outros, a obedecer;
2. que membros religiosos
destacados (padres, pastores, ministros, missionários, pais de santo,
babalorixás, etc.) receberam um chamamento especial de Deus para nos
orientar ao longo da vida. Aqui um aparte. Numa sociedade incrédula como
a nossa causa-me um enorme estranhamento aceitar-se isso. Aqui, a
princípio, vejo duas possibilidades para tal aceitação: 1. pela fé (e
haja fé). 2. pela ignorância.
3. que não há crise que
te impeça de contribuir com a igreja;
4. que mesmo aquele que
matou uma família inteira - pai, mãe, filhos - se tocado por Deus - será
perdoado. Aqui um novo aparte. Enumerei esta máxima quase por impulso. A
razão me impede de compreendê-la. De toda maneira, fica registrado o que
ouvi (com todas as variações, por várias vezes).
E, ainda, para não nos
estendermos,
5. que tudo o que você
contribuir com a igreja, aqui na Terra, você verá triplicado no Céu (o
melhor aqui é nada dizer).
É assim. Há "milagres" de
todos os tipos. Quem sabe, para as próximas gerações, haverá o Milagre
da Razão. Só Deus sabe. |