Muitos autores, sejam eles parapsicólogos, ou não, têm se reportado à Parapsicologia de uma forma que, no nosso entendimento, merece uma reflexão.
A primeira questão que salta aos olhos é aquela que envolve a fraude nas pesquisas, ora atribuída ao dotado, ora atribuída ao experimentador, ou a ambos, indiscriminadamente, fato que, por si só, já desautoriza qualquer resultado apresentado, mesmo que o experimentador seja uma autoridade reconhecida.
Contudo, devemos assumir que a fraude é, de fato, uma preocupação legítima que deve ser evitada por qualquer investigador dos fenômenos parapsicológicos. Diga-se, ainda, não só na Parapsicologia, mas em toda e qualquer investigação, independentemente da área de conhecimento. Essa questão, como diria Nélson Rodrigues – é o óbvio ululante.
Uma outra problemática, também presente na pauta dos críticos, é a tentativa de invalidar as pesquisas realizadas no passado, sob a alegação de que os meios disponíveis para as investigações, no início (e o estigma continua em nossos dias) eram insuficientes, para a comprovação dos fatos e ocorrências estudados, dentro dos parâmetros ditados pela ciência.
Tais posições, contudo, apesar de se apresentarem escudadas por uma autoridade acima do bem e do mal, sua solidez desmancha-se no ar quando nos reportamos ao próprio lugar criticado. Inclusive é de bom tom revisitarmos o passado, antes de nos referirmos a ele, pois é uma maneira de evitarmos ensinar a rezar, por imprudência, ao próprio vigário.
Assim, não podemos nos esquecer, ou fazer de conta que nos passou despercebido - como numa viagem de carro em que vemos os buracos da estrada, mas esquecemos de observar a beleza da paisagem - que foram os primeiros investigadores, envolvidos com as pesquisas psíquicas, também os primeiros a levantar a questão da fraude e, conseqüentemente, da necessidade de construção de instrumentos de medida para auxiliar nas investigações sobre os fenômenos. Basta, para isso, recordarmos William Crookes. Ora, o diabo não reza pedindo ajuda a Deus.
Portanto, desconsiderar-se ou até mesmo tentar invalidar as pesquisas realizadas no passado sob a alegação de que os meios de investigação disponíveis eram insuficientes para uma boa avaliação é o mesmo que desconsiderar a afirmação feita por Pitágoras de Samos (séc. VI a.C) de que “O quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos”, sob o mesmo argumento. E mais, é atribuir valores perversos a todos os ilustres homens que, no passado, debruçaram-se sobre a fenomenologia, hoje chamada de parapsicológica, como sendo um bando de patifes e charlatães. Afinal, salvo um desastroso e incorrigível engano, não me parece muito diferente dizer-se, modernamente, sob a luz das mais recentes pesquisas, que - aqueles que vivem experiências paranormais não são, necessariamente, pessoas desajustadas – daquilo que Charles Richet, ainda no começo do século passado, afirmava: “Recuso-me absolutamente a considerar os médiuns como doentes.”(1)
Da mesma forma, nossa memória não pode encurtar-se quando vemos descobertas, inegavelmente de grande valor para o conhecimento humano, como a realizada pelo neurologista suíço Dr. Olaf Blanke, do Hospital Universitário de Genebra, quando durante exames em uma paciente epilética, observou que a estimulação de determinadas áreas do cérebro, mais especificamente o giro angular direito, parte do cérebro localizada no lobo parietal, provocava na paciente a sensação de abandonar o próprio corpo, como se estivesse saindo livremente pelo ambiente. Portanto, graças à perícia, habilidade e, por que não dizer, sensibilidade de Blanke e sua equipe, o segredo da “bilocação” começa a ser desvendado.
Contudo, no nosso entendimento, não podemos encarar tal fato isoladamente.
Quero dizer com isso que já na metade do século passado, escrevia Sudre, referindo-se aos pacientes que produziam algum tipo de fenômeno metapsíquico: “Um traumatismo, um choque moral, as mudanças fisiológicas da puberdade e a menopausa podem provocar ou favorecê-la (a faculdade metapsíquica). Euzapia Palladino teve o parietal afundado com a idade de um ano; aos oito viu seu pai estrangulado por ladrões” (2). Portanto, basta um pouco de boa vontade para entendermos que questões que hoje a mais moderna tecnologia nos auxilia a entender, não invalidam hipóteses de trabalho do passado, mesmo que não tenham sido comprovadas por falta, à sua época, de instrumentos tecnológicos auxiliares. Afinal, nunca é demais lembrarmos de que os fenômenos preexistem à sua formulação e comprovação científicas. Inclusive, tais comportamentos, que atribuem à tecnologia a única forma possível para a confirmação de hipóteses de trabalho, via de regra, ligam-se, não a uma visão puramente tecnicista, mas a um ranço cientificista que atribui, embora falsa tal atribuição, a idéia de que a ciência é a única explicação da realidade e, portanto, trata-se de um conhecimento “infalível”, desconsiderando, portanto, que em ciência, as verdades são sempre provisórias e que há muito de construção nos modelos científicos. Isso não significa, sob nenhum aspecto, em recusa do método científico. Seria uma interpretação distante do que se está dizendo. Contudo, não podemos abraçar o todo, sem pensarmos nas partes que o constituem. Isto por que o ideal de cientificidade, baseado na experimentação e matematização, não acolhe as aspirações das ciências humanas, uma vez que o componente qualitativo não pode ser reduzido à quantidade e, mais que isso, no campo específico da Parapsicologia, grande parte da fenomenologia, sabidamente, resiste ao controle experimental. Mas, tal resistência, não pode ser vista como uma forma de se afastar a possibilidade de estudo dos fenômenos parapsicológicos. O método deve atender ao objeto específico. “Daí que as ciências devem ser sistemas abertos ao questionamento de toda realidade, de todo e qualquer fenômeno, não estacionando ao nível das conclusões apriorísticas que as hipotrofiam.”(3). Caso contrário, nos arriscamos a tentar medir a febre com o auxílio de uma fita métrica.
Além disso, em Parapsicologia, a natureza artificial dos experimentos controlados em laboratório podem falsear os resultados. A motivação dos sujeitos também é variável, e as instruções do experimentador podem ser interpretadas de maneiras diferentes. Da mesma forma, a repetição do fenômeno altera os efeitos, pois nunca uma repetição se fará sem modificações, já que, para o homem, enquanto ser consciente e afetivo, a situação sempre será vivida de maneiras diferentes.(4)”
Estas razões, quando desconsideradas, de certa forma contribuem para a extravagante afirmação de fraude nos experimentos parapsicológicos. Em primeiro lugar, cabe dizer que fraude em parapsicologia não é truque de prestidigitação. Já se perdeu no tempo a origem dessa atabalhoada afirmação. Se os mágicos conseguem produzir fenômenos semelhantes através de sua mágica, isso não pode ser argumento para se afirmar que os fenômenos parapsicológicos são truques, portanto, não existem. Menos, ainda, nos autoriza a dizer que todos os dotados são fraudadores, portanto, não podem ser atribuídas qualidades de dotados às pessoas que fraudam. Ora, a possibilidade de fraude, por parte do dotado, existe. É inegável. Contudo, a fraude em parapsicologia está longe de ser um truque. O truque, quando identificado, reduz a experimentação a zero. Numa palavra, a experimentação é desconsiderada. Truque, nesse sentido, é má-fé. Contudo, não é essa a maneira de compreender a fraude em Parapsicologia. Fraude, em Parapsicologia, não significa má-fé. Encaminhar a questão dessa forma só denota falta de conhecimento. A fraude em Parapsicologia, que inclusive interessa ao pesquisador, dá-se em nível inconsciente. É um fenômeno dentro de outro fenômeno. Truque, não é fenômeno. É truque. Por mais que seus efeitos sejam parecidos, são coisas diferentes. Nenhum fenômeno parapsicológico é identificado pela sua aparência. Ele exige exame, acompanhamento e estudo para ser identificado enquanto tal. As falsas folhagens que ornamentam muitas fachadas são, muitas vezes, confundidas com as naturais. Isso não nos autoriza concluir que todas as folhagens são falsas e nem diminuem o verdadeiro valor das folhagens naturais. Portanto, quando um determinado truque é colocado como fenômeno, e desmascarado, perde de ambos os lados. De um lado, por que deixa de ter a beleza e o encantamento do truque. De outro, por que, ao se apresentar enquanto fenômeno parapsicológico, não suporta uma verificação controlada por um experimentador experiente. Perde, portanto, dos dois lados.
Estas questões, quando enfrentadas de forma coerente, equilibrada, é que distinguem a verdadeira crítica, como dissemos, necessária, por que ajuda na construção do conhecimento - do simples achismo - das opiniões distantes que assumem a fragrância exigida pela festa do dia.
Desta forma, atribuir-se falhas devidas à incompetência dos investigadores, alegações de erros metodológicos e até mesmo a simples e descabida afirmação de que os fenômenos não existem e - ponto final - tornam-se posições descabidas, desavisadas, que apenas denotam falta de conhecimento do objeto criticado. Talvez fosse importante, e necessário, visitar-se, antes de mais nada, as pessoas e seus respectivos currículos, e até mesmo, termos a humildade de os compararmos com os nossos próprios, antes de qualquer tentativa de invalidar um conhecimento que vem se construindo graças à dedicação de muitos. Dai a César o que é de César.
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