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::::::::::::::::::::Pedro Proença::::
O IRRECONHECÍVEL
Soneto II
 

A criança é ingenuamente (ou genuinamente) epicurista?

A inocência retorce-nos mas nem por isso nos simplifica – só amplifica.

Feitos de barro gostamos de ser barrados no mesmo sentido em que barramos as torradas – somos manteiga destinada a sacrificio.

Só é divina a vida que se vai fazendo profanada.

Mais do que escorraçados escarra-nos a Fortuna. A Fortuna desampara-nos de todos os confortos para nos devolver à riqueza que é o corpo na sua rigorosa carnalidade pouco franciscana.

É mais fácil passar sem a verdade do que sem a confiança, embora se possa e até deva perder esta para a renovar de um modo insensato. Voltamos a iludir-nos como se nascessemos de novo.

A beleza procura a sua injúria, já que esta é a prova de uma inveja. A estética do feio é um momento refutativo em que o belo é cultivado numa surpreendente forma de pudor.

Ao «Feio» não é alheia nem a prostituição nem o sublime – embora pareçam polos opostos estes conjugam-se num experiência de entrega e intensidade, por mais «falsos» ou «verdadeiros» que possam parecer ser. A prostituição é a aparência mercantil e necessária do sublime.

A sagacidade, mais que um dote, é uma arma.

As equações amorosas são imperfeitas – nenhuma situação nos resolve de acordo com a plenitude que promete... a não ser que esta seja uma plenitude do sofrimento.

A reciprocidade desiquilibrada entre os amantes faz surgir uma sensação grotesca de ingratidão – o que não deixa de ter graça.

O tigre coxo incita à compaixão porque há nele a possibilidade de maximizar a potência.

Tentas recolher-te na sombra porque esta dá a sensação de que há uma elasticidade das substâncias.

A abundância tornou-se uma atribulação na gestão do sujeito – numa sociedade pequena e fechada poderiamos contentar-nos com os nossos limites porque desconheciamos a capacidade de variação. A vertigem da variedade subjectiva é uma permissa que deveria ser sociológica. Embora ainda sejamos inábeis para gerir tal abundância.