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::::::::::::::::::::Pedro Proença::::
O IRRECONHECÍVEL
Soneto I
 

Jamais poderei voltar a reconhecer o arbusto enorme que nós somos, nem as sagas tentaculares que nos rodeiam, se é que alguma vez reconheci algo para além da teia das dissemelhanças amorosas com que tento restaurar os fragmentos canibalmente vividos.

Tenho-me tornado afim de nenhum fim.

Somos afinal bípedes nos enunciados mais concisos.

Caminhamos no interior de uma baleia sabendo que esta interioridade nos protege do apocalipse que já há muito aconteceu – habituamo-nos ao strip-tease do demiurgo, ou demiurga, como a um talk-show inenarrável.

Falta-nos a antiga culpa, como um caramelo que se opõe à ordem pública. A culpa far-nos-ia mais privados e dóceis, mas não sei se mais felizes.

As desculpas não redimem para lá da relativa eficácia retórica.

A vergastada vergonha do tema...

Sinto-me tímido perante a honra.

Assim amo o tremor que me abana e me expõe ao acaso, às àcidas chuvas da tal sorte.

Irreconhecível é o amor porque é nele que o absoluto se disfarça.

A singularidade da amada não se deixa ver com uma lanterna por mais que exponha à luz do dia.

Sou o que tu és no mais íntimo. E no que tens de acessório comungo a inequivoca pluralidade que se opõe à indistinção ainda mais comum.

Beijos que se incrustam num punhal para uma meiga facada.

O pai decrépito faz aos filhos o exame dos enxames de prazer, como se não abdicasse das possibilidades que resignou de uma forma excessivamente voluntária.