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Pedro Proença......

DO AMOR E MUITO MAIS OU O ASSENHORAMENTO DOS SONETOS SEGUNDO SONIANTONIA & SANDRALEXANDRA - Index

HETEROPSICOGRAFIA PREFACIAL
à Rosa Davida

Estas poetisas são umas fingidoras: heteropsicografam-se e agrafam-se nos fingimentos incompletos com que dividem e partilham alegrias e dores que são alheiamente suas no como se vão completando – não sei até que ponto sentimos algo, ou se só esbracejamos sentimentos que vieram ter connosco porque nos deu atrevimento para poetar nos dias em que musas reciprocantes nos deram excitações assim para isto.

Mas se no que minguadamente ou abundantemente escrevinhamos é o quanto nos lêmos, com alguma justificada perplexidade, quer no que parece ser legível, quer nas desfloradas entrelinhas, também o é quanto nos outros nos lemos, ou eles, através do nós, fantasmáticamente nos lêem – e esse é um equívoco, já que a leitura é feroz reconhecimento de uma coisa que em potência fervilha no que habituadamente designamos por alma, embora também seja o reconhecimento de um irreconhecivel que parece estar no ar no quanto mundanamente é radical dissimulação. São os pudores das dores e o Amor como negação que temos por mais assegurado. E assim é: o mundo treme debaixo dos firmamentos.

Bem nos podemos entreter com amostras sentimentalonas de razão quanto a tão irrazoável coisa! O que nos leva a ser adverbiais de modo, tão enroladas no querer dizer coisas atrapalhantes, tão directas no acessório, tão perdulárias por excesso de ornamento! – nada parece saír com certidão nas multiplas tentativas a que aqui nos atiramos. Falta-nos a secura dos clássicos e o horror moderno à adjectivação. Também a natura diverge logo na origem, e assim a imitamos na divergência de si mesma, a cada enunciado se escaldando.

Este livro é programaticamente um assenhoramento dos sonetos do Shakespeare, que aqui é traído, ignorado e mal-tratado e outras coisas impróprias. São estes versos postos em boca de mulher, o que não é de estranhar, pois não falta travestismo aos muitos aquis e acolás que se implicam nas feituras e exibições de seus labores. Trata-se de uma apropriação muito cega, e juramos a pés juntas que não sabemos se sobrou sequer um (des)troço que seja fiel a um texto que nunca é original – fidelidades a sentidos estanques são devoção de caniche a megera.

Aquilo a que miserávelmente chamamos literatura pede-nos de joelhos paixões assolapadas que a levem festivamente aos nossos corpos. E nós respondemos particularizando a linguagem, no que é particularizável, tornando ainda mais pessoais os pronomes – o tradutor é um intermediário singularizador, como a mãe que prepara a papa a seu modo. Somos, nesta entrega, umas misticas tão materialistas que só podemos acusar a linguagem de estar a fugir ao corpo de onde nunca poderá escapar senão no grande escapanço da morte.

E assim todolos autores se fazem nossas – amadas mais do que amigas – perdoem-nos os exacerbamentos metafóricos e a vontade, tão grega, de andar a desdizer mal dá azo a isso – é uma inquietude canibal, na qual pomos, sorrateiramente, o máximo dos máximos de delicadeza.

Sítios do Autor

http://www.sandraysonia.blogspot.com/ 
http://juliorato.blogspot.com/ 
http://www.pierredelalande.blogspot.com/
http://www.tantricgangster.blogspot.com/
http://www.budonga.blogspot.com/
http://www.renatoornato.blogspot.com/
PEDRO PROENÇA. Nascido por Angola (Lubango) pouco depois de rebentar a guerra (1962), veio para Lisboa em meados do ano seguinte, isso não impedindo porém que posteriormente jornalistas lhe tenham descoberto «nostalgias» de Áfricas. Fez-se rapaz e homem por Lisboa, meteu-se nas artes e tem andado em galantes exposições um pouco por todo o mundo, com incidência particular no que lhe é mais próximo. O verdadeiro curriculum oficial mostra muita coisa acumulada com alguma glória e devota palha. Tem ilustrado livros para criancinhas e não só, não porque lhe tenha dado ganas para isso, mas porque amigos editores lhe imploraram. Também publicou uma estória entre as muitas de sua lavra (THE GREAT TANTRIC GANGSTER, Fenda, em edição que, por estranhos motivos, foi retirada de circulação), um livro muito experimental de ensaios (A ARTE AO MICROSCÓPIO, também da Fenda) e um grosso livro de poemas comentados com imagens (O HOMEM BATATA, editado pelo Parque das Nações). Compõe, mediocramente, musica no seu computador, e é um yogui quase consumado.
 

Pedro Proença. Born Lubango, Angola, 1962. With an exhibition in the Roma e Pavia Gallery in Oporto, at the end of the 80's he begins, a cycle of installations which have continued until today, and make up a work in progress. These works, which use such poor materials as indian ink drawings on paper, are structured according to previous architectures or constructions which emphasise the multiplication of the dynamic planes of framing. In this decade he has exhibited paintings which complement these installations, aiming at serialising the "plurality of the subject", and permanently responding to questions in the artistic field (current ones or uncurrent ones), to which he cannot remain passive. As it is known that he is also engaged in a literary activity which is beginning to be published, his works should be seen as a coming-and-going within this controversial space which confronts images with words, either as "allegorical appearances" or as "narrative possibilities".