JOAQUIM SIMÕES
Pressentimento
(Musicado por Sérgio Souto)
O mar é uma vela branca
Deixando um rasto de calma,
A brisa sorri na espuma
Que salpica a minha alma.
A tempestade perfeita
Do sol derramando luz,
Estende na areia o leito
Em que o amor nos seduz.
Nos quintais, silenciosa,
Entre a preguiça e o calor,
Reina a sombra dos abraços
Das trepadeiras em flor.
O sino da igrejinha
Lembra ao Tempo a oração
Que pede a Deus horas certas
De haver peixe e de haver pão.
As estrelas vão surgindo
Trazendo a noite em redor,
A lua murmura: “Acorde,
À luz do meu sol menor”.
Acendendo outras estrelas
Que alargam o seu dia,
A vila refoga histórias
Bebe a dor e a alegria.
Terra e mar são infinito
À espreita dentro de mim.
Nada disto começou.
Nada disto terá fim.
Eco
Para Lúcia Helena Weiss
Música é um jeito no falar;
A canção, uma forma de o dizer;
E a voz é o berço de embalar
O sonho do que a alma quiser ser.
Ressoa o que é humano a ressoar
No silêncio profundo do viver.
Ressoa o cometa e o metal,
A cidade que voa até à lua,
Os passos na vereda tropical,
O desenho do sol na pele nua,
O deserto de neve boreal,
A chuva que se escoa pela rua…
Ressoam o desejo e a vontade,
A força e a fraqueza do poder,
O bem-querer e a ferocidade,
Tudo aquilo que é sem querer ter.
No eco da canção soa a verdade
Do silêncio que há e do que houver.
Metamorfoses
Para Nicolau Saião
Um poema é um testemunho da consciência
De si na circunstância de si vista
Da consciência de quem não se sabe mas sendo
Consciência do próprio ser
Poético Pessoa o
Disse poeticamente sem saber quem
O dizia sabendo
Nada digo eu o poema
Faz-se como eu o
Faço fazendo-me poema após
Poema
Não há mistério algum apenas
Eu crescendo metamorfoseando-me
No regaço maternal do silêncio
Pequenos horizontes
O Príncipe Valente passa
Rolando num só patim
Há três heróis mundiais
Conversando num jardim
O mercado hoje oferece
Uma nave espacial
Foguetes enxugam lágrimas
E dão luz ao arraial
No quintal da D. Rosa
Os clarins cantam ao sol
E um touro de brincadeira
Ri-se de um velho espanhol
No café falam jornais
Música licor de anis
E um peixe-voador
Vem beber ao chafariz
Dentro do pão em cidades
De grutas por explorar
Mora gente pequenina
Que vive só de sonhar
Lá do alto do seu busto
O Patrão Lopes vigia
Não se afogue alguma alma
No Tejo de cada dia
Canção da tranquilidade intranquila
(Musicado por Sérgio Souto)
A brisa traz a lua das colinas
E o sabor do sal roubado ao mar.
O coração das casas pequeninas
Entardece, fazendo o meu cantar.
Três gatos a brincar às sete vidas
Emaranham sorrisos pelo largo,
De um copo saem histórias esquecidas
Enquanto o Zé Inácio grelha um sargo.
E a noite, que enfim chega, sorrateira,
Depois de certa hora, por magia,
Faz ver o som das vagas na lareira
Onde a luz descansa até ser dia.
Os sonhos esvoaçam rumo à aurora,
Lá se escondem nas sombras do passado,
Mas nem todos me fogem e agora
Quero estar com um deles ao meu lado.