Poetas azuis

PAULO BRITO E ABREU
Portugal


NOVA FALA DE SHAKESPEARE ENQUANTO CRIANÇA

 

( avoco, para a Musa minha, o Ás de Paus )

«Ser génio quer dizer reproduzir-se igual a si próprio.» José de Almada Negreiros

A Beleza eu idolatro,

Dela eu sou aficionado,

Na Beleza nos adamos,

Mas no auto, e no teatro,

Baralha as cartas o Fado,

E somos nós que as jogamos.

 

Por enquanto sou donzel,

Numa noite de Verão

E idealista no idílio,

Será grande o meu papel,

É meu aparte, e oração,

Ovídio, Plauto e Virgílio.

 

O meu verso é Tasso e terso,

Minha endecha, o albatroz,

O meu trigo, o entremez,

Pois no palco do Universo,

Será grada a minha voz,

Será grande a minha vez.

 

Nossa trama é tal e qual

Como os loucos ao luar,

Como a lis e como o lai,

Que eu sou livre e liberal,

Eu não quero laborar

No açougue de meu Pai.

 

E se em salmo, apologeta,

Eu só quero ser Poeta,

Serei meigo e o mistério,

Serei sal e o saltério,

Contra o mal e o medonho,

Numa representação,

Será tudo como o sonho

Duma noite São João.

 

Que Luz, 23/ 07/ 2018
AD AUGUSTA PER ANGUSTA


HOMENAGEM À MULHER

 

( invoco, para a Musa minha, o 3 de Copas Arcano )
às Mães e às mulheres do meu País

 

Mulher nua

polpa de romã

que vem qual Lua

e me afaga no corpo da manhã…

Dourada estrela

que os meus sonhos ilumina

e é como vela

a marear pela campina…

Ou nessa roça

suave rapariga

que é qual verde, verde moça

– nos lábios da terra, no louro da espiga…

Alfim Mãe que na dádiva de leite

rasga o peito em sépalas fulgindo

e no imo da Noite à luz do azeite

é qual néctar verde folha

– marinha que nos molha

num barco lindo, lindo……

Quisera, mulher-Mãe

( ah! como quisera! )

que tu fosses reaver

em Belém

a perpétua Primavera

Mas ora que os teus dias

se aproximam do fim

e no meigo tetracordo

essa Vénus te abandona

Recordo, sim, recordo

uma dália, um jardim

o Messias cantando

no colo da Madona

 

Lisboa, 17 / 03 / 1995
AVE MARIA, GRATIA PLENA
( in «LOAS À LUA», SOL XXI, 1996 )


A CRUZ E A ROSA

 

( avoco, para a Musa minha, o 6 de Paus como Arcano )

Se todos forem rudes, e a Rosa, em castigo,

Não tiver um Amigo, não beijar a benesse,

Ergue os olhos ao Pai, que o Paulo é contigo,

Ergue os olhos à missa, e lá será a messe.

 

E quando, ó Rosa minha, tu quando sentires

Que a noite é solitária, e o lábaro, um lamento,

Ergue os olhos ao Céu, ergue os olhos à Íris,

E firme ficarei, ficarei no Firmamento.

 

IGNE NATURA RENOVATUR INTEGRA.


AO GÉNIO DE MIGUEL TORGA

 

( invoco, para a Musa minha, o Ás de Ouros )

Há Poetas azuis que são da rama.

Castanheiros e setas, são do cepo.

Sagrados por Apolo, deitam chama.

São nas faldas do solo, o Paracleto.

 

Este Orfeu foi revel. Sua palavra

Foi dar, à pedra chã, toda a grainha,

Qual videira com fel, que não é escrava

Do Pão, do Pão da vida, em ladainha.

 

Vate seco de raivas, nunca langue,

No mundo foi saraiva. A vida é plena

Quando, rocha na Dor e não exangue,

Nunca outorga o Pastor a sua pena.

 

Por isso foste a seta. E danças seiva

E foi tua gineta patriarca…

No tronco do carvalho foste a leiva;

Quiçá, que nos orvalha, foste a barca.

 

E desceste, qual falo de Cibele,

Ao seio que não calo, à flava Ceres…

Foste azul e plebeu, também Miguel:

Já podes ir ao Céu, se assim quiseres.

 

Lisboa, 02/ 03 / 1995
SPES MESSIS IN SEMINE


VENERAÇÃO

 

inspirado em Baudelaire e em Mário de Sá-Carneiro
( invoco, para a Musa minha, o 3 de Ouros Arcano )

Ergo-me em pânico do meu próprio mal,

Em vão esmago as flores com que não me murcharam,

Parto-me a mim próprio, estilhaço-me em cristal,

Embebedo-me em círios e Lua que roubaram……

Os castiçais da igreja, atiro-os contra mim,

Poluo embarcações desvirgadas pela aurora,

Circuncido-me pederasta nas auréolas de marfim

E, pântano de mim mesmo, parto pelo mar fora

Onde expludo em confusões e raivas de sons brancos……..


O meu cadáver, reencontrado, será posto no altar,

Seduzido pelas beatas, venerado pelos Santos,

Possesso de mim próprio onde me irei imaginar

Desvirgado por uma virgem e rezado pelos cantos………..

 

Lisboa, 12/ 07/ 1979
LABORARE EST ORARE


PRIMAVERA PASCAL

( invoco, para a Musa minha, o 10 de Copas Arcano )

Só da Luz, quero a luz e muita Luz,

Que ela é Pão, que ela é prémio prò dolente,

Ela é Nova, ela é noiva, eu digo sus!!!

Coragem para o pobre e o doente.

 

Só da Luz. Só d’ Amor, em farta Vinha,

O Sol agora vem, e é bem-vindo…

Ai cânticos e frol duma andorinha!!!

O dia é Primavera, eu digo lindo!!!

 

Só da Luz, minha leda, e só do Vate.

Vem d’amora, de poma e vem de véu,

Vem comigo, a lidar o bom combate:

Eu n’asa dos teus olhos, vejo o Céu.

 

EVANGELII GAUDIUM


OITAVO ENCONTRO TRIPLOV
Convento de São Domingos, Lisboa, 25.05.2019