RUY VENTURA:::
A eleição, a divisão e o caminho

A eleição e as intervenções do papa Francisco têm trazido ao de cima, em certos espaços de discussão religiosa, o quanto neste momento os católicos estão divididos. A alegria geral pela sua elevação à cátedra de bispo de Roma e pelas suas palavras (cada frase/gesto seu é uma proposta de metanóia) não se espelha no interior de toda a Igreja, por mais que alguns tentem disfarçar. Não falo de uma acepção restrita da palavra "Igreja", que normalmente só se refere aos clérigos; falo dos crentes, dos chamados "leigos".

Temos, dum lado, um grupo serôdio de "ultramontanos" entrincheirados, que, muitas vezes, lembra aquele que deu origem, por interesse ou fanatismo, à Inquisição e às suas piores atrocidades. Do outro, é visível um arquipélago complexo de activistas das mais diversas causas ou de "relativistas" que tenta moldar a doutrina aos seus interesses particulares, sem olhar à mensagem de Cristo ou chegando mesmo a deturpá-la conscientemente. Há ainda uma maioria, assim creio, que tenta viver o melhor que pode a benevolência contida na mensagem evangélica, apesar das suas insuficiências, normais em seres humanos imperfeitos. Basta viajar pelos diversos blogues, por várias páginas na "internet" e por grupos de discussão no "facebook" para constatar isto mesmo.

Na minha opinião de cristão católico (ou seja, de cristão que procura a universalidade), o caminho mais digno será sempre este: diálogo incessante tendo em vista a união na diferença das várias igrejas cristãs; diálogo com as outras religiões e tradições (incluindo, por mais que não se queira, a maçonaria teísta), no respeito por aquilo em que cada um acredita, tendo em vista a construção de propostas comuns para o bem da humanidade; diálogo também com os ateus (que não comerão os católicos, de certeza...) e terão muitas palavras a dizer e imensas propostas a formular. Tal caminho não necessita de levar ao apagamento da matriz da fé e da palavra de cada um. Mas também nunca poderá impedir a correcção aberta ou a denúncia de teorias ou práticas que não respeitem a bondade, a beleza e a justiça. Será sempre esse o caminho para a paz.

A leitura do belo diálogo entre o papa Francisco e um rabino argentino apresenta uma das formas possíveis desta demanda. Está lá tudo ou quase tudo.

Infelizmente há, contudo, católicos (que, decerto, não serão cristãos nem crentes) que são como certo "santo" com língua de prata, que nunca teve problemas de consciência quando insultava o beato João XXIII, chamando-lhe "velho a cheirar a vacas". Cheira-me que, murmurando, brindarão Jorge Mario Bergoglio com mimos deste cariz...
Será sempre bom repetir: temos de sair da indiferença, rejeitar o fechamento e a hostilidade, deixar para trás a tolerância e construir uma relação entre religiões, entre seres humanos, baseada na benevolência.

RUY VENTURA

RUY VENTURA (Portalegre, 1973) .
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