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RUY VENTURA:::
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Pequenos indícios |
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Resolvi nesta crónica não sair do pequeno território
em que costumo mover-me. Às vezes, para compreendermos o mundo, basta
atentarmos em quanto nos rodeia e percebermos até que ponto acontecimentos
insignificantes são sintomas do que se passa e indícios do que poderá vir
a passar-se na sociedade.
Há poucos dias, uma horda nocturna de
adolescentes e jovens adultos atormentou as ruas do meu bairro.
Aproveitando a "licença" concedida por uma "festa" que
nada tem que ver com a cultura do nosso país, resolveram vandalizar as
paredes de várias habitações com pinturas e inscrições obscenas, partir
janelas de um estabelecimento comercial, danificar uma central eléctrica e
destruir mais alguma propriedade pública, de todos. Apesar do barulho
animalesco, do posto das forças de segurança, a duzentos metros, não veio
qualquer reacção. Nas mesmas ruas, segundo me contaram, vai sendo hábito
aparecerem em pleno dia carros com pneus esfaqueados e pintura riscada.
Sem que as autoridades façam algo para evitar tal situação. Há até quem
afirme que os agentes já declararam saber quem pratica tais actos: os
mesmos que até têm assaltado algumas vivendas, mas que não é possível
responsabilizar sem haver flagrante. Mas desse flagrante se foge, não
patrulhando as ruas como deve ser, surgindo nos locais do crime, mesmo que
sejam a duzentos metros, meia hora ou três quartos de hora depois. Zelo só
existe na autuação de automóveis mal estacionados, desde que não estejam
na rua da esquadra, porque aí o espaço sobre os passeios pertence aos
veículos dos próprios membros da agremiação.
No meu local de
trabalho, ouço que três membros de uma comunidade que persiste na sua
auto-discriminação resolveram invadir as instalações para sovarem algumas
crianças com cor de pele diferente. Nas imediações, vejo donos de
estabelecimentos comerciais quase falidos a transportarem os seus filhos -
pasmemo-nos - em automóveis topo de gama. Finjo que estou distraído e ouço
palavrões contra uma figura que se tem justamente notabilizado na luta
contra a fome no nosso país. Dizem, alto e do alto da sua justiça, que
ninguém tem o direito de sugerir que devemos prescindir dos lautos lanches
na pastelaria, das mariscadas ao fim de semana, das férias em países
estrangeiros, da frequência de bares e de discotecas, da assistência a
concertos de música pop ou pimba cujos bilhetes custam o valor dos
alimentos consumidos durante uma semana por uma família normal.
Apuro o ouvido na rua e oiço a revolta dos meus concidadãos, apelando
(talvez sem saberem) ao despedimento de funcionários públicos e ao
encerramento de serviços, de que, depois, terão saudades, organizando
manifestações para que voltem a abrir. Ligo o computador e leio alguns
textos, plenos de ira e de insanidade, que se publicam na internet. Há
quem apele à morte de todos os políticos - desejando, decerto
inconscientemente, o regresso de regimes autocráticos, ditatoriais e
tirânicos, em que um único político chega para tudo dominar, decerto com
menor despesa (Salazar por essas e por outras tem sido considerado um "santo
ditador").
Chego a casa, abro um livro de José Ortega y
Gasset. Leio: "É indiferente se [o homem massificado] se mascara de
reaccionário ou de revolucionário: activa ou passivamente, dando umas ou
outras voltas, o seu estado de ânimo consistirá, decisivamente, em ignorar
toda a obrigação e em sentir-se, sem que suspeite das razões, detentor de
ilimitados direitos." Continuo: "as massas crêem que têm o
direito de impor e de dar vigor de lei às suas conversas de café".
Não páro: "[...] a alma vulgar, sabendo-se vulgar, tem a ousadia de
afirmar o direito à vulgaridade e impõe-no em qualquer lado. [...] Quem
não seja como os outros, corre o risco de ser eliminado."
Segundo o escritor espanhol, estas e outras características do "homem
massificado" deram origem, nas primeiras décadas do século XX, aos
horrores do fascismo, do nazismo e do comunismo. Pergunto-me, com alguma
angústia, a que abismo nos levarão agora.
Ruy Ventura
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RUY
VENTURA (Portalegre, 1973) .
Mais dados em:
www.ruyventura.blogspot.com |
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