É
sempre com muita alegria que encontro um poeta até então meu
desconhecido, um daqueles criadores que colocou a sua vida ao serviço
das palavras. Rejubilo quando descubro a autenticidade verbal e
existencial de um Homem que, usando os recursos que tinha à sua
disposição, tentou comunicar uma visão peculiar do Universo. Não me
interessam as circunstâncias que rodearam o autor. Desejo apenas que os
poemas sejam frutos saborosos e não imitações plásticas fabricadas por
um versejador mais ou menos habilidoso; “versejadores há-os em
qualquer parte: nos bancos das tabernas e nas academias, nas leivas de
terra e nos jardins relvados, nos jogos florais e entre luxuosas
encadernações...”, como escrevi num jornal em 2005.
Dum verão vivido há uns anos,
guardo a alegria de ter encontrado um poeta. Nunca conheceu em vida o
contentamento de um livro publicado. Pertence ao grupo dos criadores de
uma Poesia Humilde (próxima do húmus, da terra), a que João David
Pinto-Correia chamou “tradicionalistas”, porque se socorrem dos
instrumentos da tradição oral, comunicando através de uma linguagem
simples, mas autêntica. Chamou-se (chama-se) Fábio Gomes e nasceu em
Aljezur a 31 de Julho de 1911, tendo falecido em Lisboa no dia 5 de
Junho de 1998. O volume que, postumamente, guarda a sua produção poética
intitula-se Flores de Outono e foi editado, em boa hora,
pela Junta de Freguesia da sua terra e lançado no passado mês de Agosto.
É um autor modesto que nos escreve: “Não olhes para o poeta
/ Para saber se versa bem / Na cara dele não se vê / O valor que a rima
tem // [...] // Às vezes escrevo com erros / Coisas que lembro da vida /
Digo à pena os meus segredos / Escritos em letra tremida” (p. 180).
Ligado à terra, exalta o valor de
quem a torna fértil, comparando o seu trabalho com o de um verdadeiro
Artista: “O artista cavador / Com as cores da natureza / Pinta
quadros de valor / Com realismo e beleza // [...] // Lindos pomares em
flor / Os trigais da cor do mel / As tintas foram suor / A enxada o seu
pincel // Com a enxada na mão / Dando vida à sua tela / Tirando da terra
o pão / Faz a sua obra mais bela” (p. 59).
Fábio Gomes exprime com
encantamento, com humor ou com mágoa, mas sempre com frontalidade, a sua
visão do mundo, seja natural ou humano. Satiriza o “Carnaval”
político, através de uma fábula em que um “chibato orgulhoso / Com a
sua pêra imponente, / Pendura os óculos nos chifres / Foi eleito
presidente!” (pp. 120 a 125). Manifesta desilusão, quando recorda os
desmandos do pós-25 de Abril: “Estalou a revolução / Por todos tão
desejada. / Eu sofri uma decepção / Vi a minha terra ocupada. // Agora
com a ocupação / Sou um zero, não à direita, / Já não faço a sementeira
/ Nem sei nada da colheita.” (pp. 194/195). Nascido numa terra de
gentes ligadas ao mar, personifica-o, para revelar os muitos dramas que
guarda: “Numa noite tão serena / Chorava de dor o mar / Será que ele
tinha pena / De tanta gente matar?...” (p. 88).
Muitos dos poemas são
autobiográficos, como costuma suceder com boa parte da poesia lírica,
apesar das máscaras do fingimento. Sentimentos, emoções e memórias
ascendem à superfície do texto, de forma aberta ou velada. Adaptando um
velho provérbio à sua experiência, Fábio Gomes afirma: “Há os que
vivem chorando / Levando a vida a cantar / Eu levo a vida cantando / Com
o coração a chorar” (p. 200). Mostra-se então uma dor de existir que
se reflecte na escrita (“O que tem a minha pena / Que de pena anda
perdida / Será porque a minha pena / Tem pena da minha vida?” (p.
15, vinda da consciência de um tempo que passa e não regressa: “O
tempo passou por mim / Sempre a correr sem parar / E eu à espera do
tempo / Não vi o tempo passar.” (p. 104).
“Dizem que perto da morte / É
só quando o Cisne canta. / Serei eu também assim / Que só agora no fim /
Abri a minha garganta!? // [...] // Se estivesse em minha mão, / Como
Cisne eu queria ser. / Mostrar a minha alegria / Cantando uma melodia /
E depois de cantar, morrer.” (p. 26). A poesia, nascida no
entardecer da vida, é para Fábio Gomes um canto de cisne – um canto de
cisne que merece ser conhecido por quantos apreciam uma poesia humilde
e, logo, autêntica. |