RUY BELO
PEREGRINO E HÓSPEDE SOBRE A TERRA
 

Meu único país é sempre onde estou bem

é onde pago o bem com sofrimento

é onde num momento tudo tenho

O meu país agora são os mesmos campos verdes que no outono
vi tristes e desolados

e onde nem me pedem passaporte

pois neles nasci e morro a cada instante

que a paz não é palavra para mim

O malmequer a erva o pessegueiro em flor asseguram
o mínimo de dor indispensável

a quem na felicidade que tivesse

veria uma reforma e um insulto

A vida recomeça e o sol brilha

a tudo isto chamam primavera

mas nada disto cabe numa só palavra

abstracta quando tudo é tão concreto e vário

O meu país são todos os amigos

que conquisto e que perco a cada instante

Os meus amigos são os mais recentes

os dos demais países os que mal conheço e

tenho de abandonar porque me vou embora
pois eu nunca estou bem aonde estou

nem mesmo estou sequer aonde estou

Eu não sou muito grande nasci numa aldeia

mas o país que tinha já de si pequeno

fizeram-no pequeno para mim

os donos das pessoas e das terras

os vendilhões das almas no templo do mundo
Sou donde estou e só sou português

por ter em portugal olhado a luz pela primeira vez

 
Ruy Belo, País Possível; Editorial Presença, p 51, 2ª edição, Julho 1998