AMBROSIA
José Geraldo Neres (poema)
Floriano Martins (imagens)

sentir o ritmo

e mergulhar no cântico das águas

o grito

revela o paladar-líquido do orvalho-carne

moldura debruçada num cálice de música e palavras

I

na barranca

pintura de medo

perfume de lua

 

com tranças de árvore

teço um balanço

e bailo nas estrelas

a ciranda dos sonhos

II

com vestes estelares

dragões na cintura

as faces da lua

no peregrino dorso

 

n’aquarela

gritos

dilaceram

girassóis

 

III

 

o sexo grita

as dores do arco-íris

espasmo secular

gotas insanas

 

relevo sem tramas

IV

 

nas lágrimas

a face misturada

lava outras faces

o mar selvagem

se curva

escultura nua

crua de segredos

 

V

 

um punhal

onírico

tatua na

película

do

     corpo

dezessete pedras

 

giram o castelo

nas

      sandálias da lua

VI

 

o corpo suado

moldura d’água

bebe natureza

um aquário soluça

 

seu corpo deserto

 

VII

 

delírio prateado

protesto calado de uma gueixa

orquídea em máscara de orvalho

sentencia despedidas

 

(temporal de saquê)

VIII

 

cativos

em sonhos verdes

amaru e sade

em versos

 

cálix    corpo

cálido              convexo

 

guirlanda mítica

cantiga tênue

madrugada

nua

 

IX

 

procura o corpo dentro de si

em atos de selvageria

rasgam-se

 

sussurros

 

no oitavo dia semanal

a madrugada extasiada

banha-se no néctar uterino

da mãe-terra

X

 

fantasmas se entregam à noite

o dia beija

a face da madrugada

 

XI

 

os seus pecados

cavo pela metade

sem qualquer esforço

as sobras dos seus atos

deixo para o julgamento

da sua amada

 

isso

 

se ainda lhe restou alguma

XII

 

riacho da lua guerreira

peixe e fogo

na moldura

 

o dia no ventre

do centauro negro

flecha umedecida

na aurora boreal

 

XIII

 

cântico na órbita-azul

verbo de tambores

e silêncios

 

água na caça

de um sagitário

e labirintos

 

grito as melodias

do Vesúvio

 

esfinge semeia

o nono girassol

no relógio lunar

XIV

 

Âmago

ser libertino

mescla-se com líquido

em manhoso êxtase

o deleite compassa o desatino

tatuo um poema no seu dorso

manifesto silente de mistérios

a madrugada estimula tramas

estrelas brincam no espelho d’alma

orvalho

o paladar do amanhecer

são versos em papiro imaculado

 

XV

 

roçar arco-íris

com dedos cristalinos

sussurrar palavras extintas

no dicionário da floresta carnal

punhal aveludado

bálsamo em cicatriz azul

ingênuo instante

poema bilíngüe

modela nuvens de algodão

XVI

 

estrela marinha

aquário de vento

gota tecelã

suspensa

 

(olhos-tempestade)

 

o seio lunar

contorna o orvalho

 

pedra de fogo

lateja na aquarela-ventre

gênesis

 

XVII

 

no leito

silhueta

sol de lábios místicos

 

na porta

o som chama-me a bailar

 

reina-mulher

cavalga e alimenta

 

tatua seu mapa

neste peregrino

 

na barca-desejo

o suor da noite

 

sem estratégia

sem medo-amanhã

me entrego

ô caçadora!

 

Avalon

se desenha na seiva

navego

 

XVIII

 

mordo a noite

e os espelhos de luz     –     mulher

retalhos

de palavras carnívoras

no tempo de sombras

corpo

labirinto de meus olhos

a música do seu ventre

revela as portas da morte

abraço essa melodia

a seiva de uma estrela

e sinto a canção do silêncio

percorrer pelo corpo

 

um beijo

recebe a primeira gota de orvalho

 

me alimento do seu sorriso

oferta de sangue

Arte: Floriano Martins - Poema: José Geraldo Neres
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