Toda a doçura toda a ironia se assemelhavam
Por um adeus de cristal e de bruma,
Os golpes profundos do ferro eram quase silêncio,
Velada se volvia a luz da espada.
Celebro a voz mesclada de cor cinza
Que hesita na distância do canto que se perdeu
Como se para além de qualquer forma pura
Tremesse um outro canto e o único absoluto.
Oh luz e negação da luz, oh lágrimas
Sorridentes mais alto que a angústia ou a esperança,
Oh cisne, lugar real na irreal água sombria,
Oh fonte, quando anoiteceu profundamente!
Parece que conheces as duas margens,
A alegria extrema e a extrema dor.
Lá, entre estas canas cinzentas na luz,
Parece ser aí que atinges o eterno.
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Yves Bonnefoy nasceu na cidade francesa de Tours em 24 de Junho de
1923 e faleceu recentemente em 1 de Julho de 2016. Era considerado
pela maioria dos seus pares como o maior poeta francês vivo.
Infelizmente, não há, que eu saiba, traduções editadas em língua
portuguesa. Há, no entanto, docentes universitários que se têm
interessado pela obra de Bonnefoy mas esse interesse não se repercute
nos leitores portugueses, em geral.
É, por essa razão, que há já vários anos, me venho dedicando à
tradução de grande parte da sua obra de que aqui dou testemunho com um
poema intitulado "À la voix de Kathleen Ferrier".
Kahleen Ferrier foi, porventura, a mais importante contralto do século
passado e grande especialista nos Lieder de Mahler.
Entre as obras de Bonnefoy, citem-se a título de exemplo: Du
mouvement et de l'immobilité de Douve (1953), Hier régnant
désert (1958), Pierre écrite (1965), L'Arrière-pays
(1972), Dans le leurre du seuil (1975), Rue Traversière
(1977), Ce qui fut sans lumière (1987), La vie errante
(1993), Les Planches courbes (2001).
Para além das obras de poesia, é autor de numerosos ensaios e de
traduções. Jean Starobinski na antologia Poèmes analisa
alguns aspectos mais pertinentes da obra de Bonnefoy, nomeadamente a
recusa de um certo solipsismo de tanta poesia actual e também o seu
afastamento da corrente surrealista à qual chegou a estar ligado. Uma
outra constante a que o crítico confere importância é a existência de
pares antitéticos vida/morte, recordação/esperança, frio
nocturno/calor de um fogo novo, denúncia do "logro" versus perspectiva
do fim. Apesar de em muitos poemas podermos discernir o papel
importantíssimo da memória, a verdade é que não há qualquer apelo a um
regresso à infância, a um certo lirismo denunciador de narcisismo.
Não poderia, pois, deixar de dar aqui o testemunho da minha homenagem
contribuindo, modestamente embora, para o conhecimento deste poeta tão
mal conhecido entre nós.
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