A morte perpassa em toda a
obra de João Vário, e bem assim na obra de Timóteo Tio Tiofe e também na
de G.T.Didial, senão de uma forma directa, pelo menos de forma
indirecta.
Onde isso é mais visível é
em Exemplo Geral (vol. 1 de Exemplos).
João Vário foi acusado por
alguns dos seus pares de escrever uma poesia que nada tinha a ver com
Cabo Verde mas sim com a cultura ocidental, bem evidente nas muitas
referências a obras literárias e não só, de autores europeus e até
americanos. O próprio João Vário o afirma, concordando.
Ele próprio dá, no
prefácio a O Primeiro e o Segundo Livros de Notcha, a pretexto de
justificar um novo pseudónimo, já que à data de publicação só era
conhecido o de João Vário, razão para essa crença: Até agora tenho
publicado em volumes, sob o pseudónimo de João Vário, uma poesia que
nada tem que ver com os problemas específicos de Cabo Verde. Era natural
que, homem destas terras, um dia me voltasse para os seus problemas, as
suas aspirações, e que tentasse dizê-las em poesia. Tal aventura começou
em 1961, em Coimbra. Como se trata de uma linguagem de algum modo
diferente ou, pelo menos, de uma tentativa de exploração poética
diferente da que persigo em Exemplos, estimei que devia
utilizar um outro pseudónimo.[…]
Ora eu não estou
totalmente de acordo com esta perspectiva, embora a compreenda. Basta
reler Exemplo Geral. A morte aparece aí e não por acaso: não se
trata de simples reflexão filosófica sobre a morte. Trata-se, antes
pelo contrário, e a meu ver, de um eco do seu contacto com a morte. Ele
viu, ainda criança, morrerem os seus três irmãos mais novos, dois na
mesma semana. Ele viu morrer gente com fome na sua terra de Cabo Verde.
Ele chegou a falar com um velho que tinha assistido a, pelo menos, uma
das grandes fomes, uma em que teria chegado a haver casos de
antropofagia.
Como se pode, pois,
afirmar que estas reflexões sobre a morte nada têm a ver com Cabo Verde?
Poder-se-á, quando muito, dizer que isso não está integrado na
problemática de um país colonizado. Essa perspectiva guardou-a Vário
para o seu alter ego Timóteo Tio Tiofe.
Há, no entanto, uma
dialéctica entre a morte e a vida, tal como no seu mestre
Salvatore Quasimodo. Relembre-se que a obra deste poeta italiano abre
com um poema que me parece paradigmático quanto a essa dialéctica:
Ognuno sta solo sul cuor della terra
trafitto da un raggio di sole:
ed è súbito sera. (Ed è súbito sera, p. 23)
Este raggio di sole tem o seu equivalente em
Porque alegrarmo-nos na nossa obra
É a parte que nos cabe,
Pois quem nos fará voltar
Para ver o que será depois de nós? (Ex. Geral,
p. 15)
De qualquer modo, acreditamos que o tom de Vário é
mais pessimista do que o de Quasimodo. Ainda assim, a dúvida alterna-se
com alguma esperança.
Assim:
Mas como saber, Salvatore,
Se isto, se aquilo, ou se ambas
As coisas serão igualmente boas
E não aumentam sem blasfémia
Nossa insólita tendência para a morte?
Ou ainda numa resistência à morte (p.19):
Homem, onde teu maduro espaço, teu lírico corpo?
Lentamente, Lázaro emerge das trevas.
O espírito vela sob a espessura da vocação
Que levanta.
A p.20 acrescenta:
Finalmente, o amor não basta.
[…]
([…]Porque morrer é perder a impunidade)
É verdade que, como diz
Vítor Matos e Sá na contracapa do E. Geral, […] E porque é também de
amor essa medida, é ela que permite a João Vário reconciliar (na
ambivalência temporal do último verso desta obra) a antecipação
do futuro do amor no reconhecimento actual da sua consumação: “E então
consta que amámos”. Mas também é verdade que Vítor Matos e Sá
faleceu prematuramente (infelizmente para todos nós, que muito o
estimávamos) e não pôde seguir a evolução da poesia de João Vário.
Ter-se-ia dado conta de como o pessimismo de Vário se vai pouco a pouco
engrossando, deixando cada vez menos espaço para a morte como salvação
ou catarse.
Assim, em Exemplo
Coevo, (p. 411) o último dos Exemplos que nos deixou ainda em
vida, diz-nos, de uma forma que não deixa dúvidas sobre a sua falta de
confiança na humanidade, estes versos:
[…]
É outono e é novembro, o mês da boa eloquência,
e, como já não temos nenhuma ilusão sobre os
homens, […]
Há na poesia de Salvatore
Quasimodo palavras que se repetem com uma frequência significativa,
alusivas a trevas, a morte, a escuridão, a noite, mas ao lado
aparece-nos muitas vezes a palavra luz, uma palavra que decorre não só
da luminosidade da sua Sicília mas também da esperança num mundo melhor,
sobretudo nos poemas escritos após o fim da segunda guerra mundial.
Veja-se a este título o
poema Ai fratelli Cervi, alla loro Itália (Il Falso e Vero
Verde):
[…]
Ma io scrivo ancora parole d’amore,
e anche questa è una lettera d’amore
alla mia terra […] (Il Falso e Vero Verde, p.
205)
ou (Erato e Apòllion):
Ma dal profondo tuo sangue,
nel giusto tempo umano,
rinasciremo senza dolore. (Erato e Apòllion,
p. 112)
Dificilmente
encontraremos momentos jubilosos na poesia de Vário, como encontramos em
Quasimodo. Por outro lado, há na poesia de Quasimodo uma contenção que
não encontramos em Vário. A poesia de Vário aproxima-se mais do seu
outro mestre, Saint--John Perse, pelo tom magestático (a que, por vezes,
não falta alguma pompa) servido por um verso normalmente longo.
Isso não impede Salvatore
Quasimodo de denunciar com grande tristeza (mais tristeza do que raiva):
[…] O cara, […] / quanto sangue nei fiumi della terra. (Giorno
dopo giorno, p. 155) ou de um modo mais explícito: […] La vita /
[…] non è piú / che un gioco del sangue dove la morte / è in fiore.
(Giorno dopo giorno, p. 148).
Em Exemplo Relativo
(Antuérpia, 1968) (o autor caracteriza esta obra como investigações
feitas com utensílios fornecidos pela memória: as cidades, as mulheres,
um certo Ocidente) a morte aparece, por um lado, ligado à discórdia
e ao medo, e por outro lado a condicionar o nosso olhar sobre o outro:
[…]E, junto da via
férrea, os homens do país
miravam-nos como se
fôssemos nós
e não eles os mortos
desta terra,
[…]
Será que a morte nos
ensinou
a olhar para o homem
com pavoroso êxtase? (p. 49)
[…]
Ah por certo
aprendemos com a morte
a olhar para o homem
com pavoroso êxtase. (p. 59)
Mais adiante, Vário alude
por quatro vezes a Bruegel o Velho, o célebre pintor do não menos
célebre quadro O Triunfo da Morte e fá-lo deste modo (p. 67 e
68):
E a noite desce sobre
Europa, altera-a,
e, entre o comboio e o
muro de Simonsstraat,
ficamos presos sobre o
asfalto, a essa imagem de Bruegel,
com a neve, o granizo,
a chuva ou o escuro
espalhados, como
vítimas, pela Flandres.
[…]
E presos ficamos sobre
o asfalto,
reflectindo sobre
Bruegel,
[…]
Estamos, pois, aqui,
entre Europa e a noite,
Bruegel e Flandres
[…]
buscando nosso débito
e crédito em todas estas coisas.
É sabido como Bruegel
teve de se ausentar de Antuérpia, onde residiu cerca de dez anos, para
Bruxelas, no sentido de escapar à caça às bruxas que a Inquisição ia
levando a cabo. Eram conhecidas as suas relações com humanistas e por
isso Bruegel pôs-se a recato, como fizeram outros. Citar Bruegel era,
pois, normal para Vário, já que ambos viveram em Antuérpia e ambos
denunciaram os torcionários, pois que quer antes do século XVI, quer
depois e até hoje nunca deixaram de existir.
Em Exemplo Dúbio
(Coimbra, 1975), obra em que o autor se debruça sobre a predestinação,
encontramos este desabafo a p. 98:
Ah inutilidade,
inutilidade,
quanto tempo ainda
estarás à nossa
cabeceira?
[…]
Por certo, não há
maior desdita
que a de aceitar a
desdita
como coisa nossa, e
óbvia.
Mostram-nos estes versos
um princípio (?) de desencanto que as obras posteriores confirmarão.
E mais adiante (p. 100):
Sentimos os receios
chegar com os anos,
a velhice pede um
preço à sinceridade
[…]
a analogia instala-se
tal musgo triste em nossos pasmos
[…]
E, de resto, quanto
tempo ainda poderemos
negociar com o
destino? Quanto tempo?
A p. 105 e 106, Vário
acrescenta algo que nos parece pertinente:
Citar esse cemitério
impede
tanta mirra de ser
útil
à nossa maturidade.
Concluindo: falamos
de esquecimento, mas
trata-se
de um estado intenso,
de vida e morte em
courelas de verbo seco,
entre bíblias e
bíblias, como uma arcaica santificação.
De facto, o poeta fala
continuamente da morte, esse esquecimento irreversível, e na página
seguinte recusa a aceitação acrítica das verdades absolutas (p.106):
À nossa boca, cheia
desse grão,
repugna a crença e o
axioma.
Quase no final do canto
segundo (p. 108) regista-se este verso Nada é óbvio se não viemos
para morrer, isto é, tudo se justifica e torna óbvio se viemos para
morrer. João Vário admite, por conseguinte, que há uma predestinação.
Cada um de nós está condenado a morrer e não é entendível na
poesia de Vário qualquer alternativa salvífica.
É verdade que o poeta
fala ainda de Lázaro (e falar de Lázaro é falar do milagre da
ressurreição), mas não nos iludamos. Essa ressurreição tem carácter
efémero, é apenas um adiamento da morte.
Passando a Exemplo
Próprio (Antuérpia, 1980), onde o autor discorre sobre a cidadania,
há uma observação sobre a velhice e a memória (p. 148 / 149):
(E sentimos que vamos
envelhecendo
na maneira como
escolhemos os protectores
e esta ansiedade com
que aguardamos
as notícias da família
e esta preguiça de
escutar outros oráculos
que os que habitam há
muito tempo a mansão devoluta
e nos falam da
infância e dos óbitos.[…] )
À frente, João Vário
continua a falar do envelhecimento e da morte (aqui simbolizada pelas
Parcas) e é preciso dizer que o faz quando tem apenas 32 anos, como se
pode ver por um dos versos (p. 162 / 163):
Decerto ouvimos as
preocupações que chegam com a alva,
trazendo os livros que
esquecêramos
sobre a boca das
Parcas, tal nos acompanham
ao longo dos séculos,
através do escândalo
e dos ázimos rituais,
quais suturas irreversíveis
do grão de que
enchemos a boca das Parcas,
porque estamos sós e
lassos do infinito
e trinta e dois anos
são decorridos
e nenhuma lua é boa ou
propícia
e envelhecemos ao lado
dos nossos mortos
com a sua impenitência
e a tutela de seus segredos
porque esta é a
estação do tributo.
Curiosamente, de tempos a
tempos surge uma nota de confiança na humanidade, como se pode ver a p.
164:
Ah solidão, solidão,
não é porque conheces
de cor
todas as linhas do
nosso corpo
que nos farás
renunciar à esperança!
Mas logo três páginas
adiante Vário retoma o tom pessimista para dizer:
Os bens da tua vida
são talvez esse caos,
melhor e mais que a
morte,
mais e melhor que a
perpetuidade.
Que farás se esse
imenso sussurro
que enche as tuas
orelhas
se interpõe entre a
tua morte e a morte?
No final do canto segundo
deixa-nos mais esta reflexão (p. 170):
[…] o que levamos para
o túmulo eventualmente,
[…]
aqui o deixamos para
nós e para os outros,
nesta hora em que a
morte
não é o que de melhor
temos para esbanjar […]
A p. 181, o poeta
menospreza a morte de um modo muito firme; talvez a palavra mais
correcta não seja menosprezo, mas sim desprezo:
[…] não é a morte
que decide da nossa
vida, mas a imortalidade.
Este balancear entre a
salvação e a derrota parece-me uma característica do poeta quando ele
rondava os quarenta anos.
Em Exemplo Precário,
J. Vário aborda o poder. Utilizando as suas próprias palavras retiradas
do prefácio (p. 191): trata-se neste caso duma meditação sobre o
poder. Melhor diria: é quase uma reflexão sobre os “desvios
totalitários” do exercício do poder. Neste mesmo prefácio, algumas
linhas abaixo, faz esta afirmação: o rancor é ainda uma armadilha e o
homem deste século não é a medida de todas as coisas.
Ora falar dos“desvios
totalitários” não é andar muito longe da morte. O poder é uma forma
de resistir à morte, de a tentar adiar, mas a ironia é que ele (o poder)
acaba por se identificar com ela porque os “desvios totalitários”
são a negação da própria vida.
A p. 208 escreve este
verso, como se fora um ferrete: Ensino de malícias é o poder.
Em Exemplo Maior
(Antuérpia, 1980) refere no prefácio: O presente livro de EXEMPLOS
tenta lembrar que a vida é também uma forma de jazer entre pausas. A
desgraça, a carência ou a felicidade nada têm de surpreendente. O que
espanta é que se instalem com intermitências: mão de deus ou milagrosa
incongruência da natureza? Pode ser esta a despesa maior quando
estabelecemos as contas da perplexidade.
Em Exemple Restreint
(Antuérpia, 1989), obra dedicada à memória do pai a cujo funeral não
pôde assistir por se encontrar no exílio, faz novas reflexões sobre a
morte. Ao pai se refere deste modo (p. 303): Qui donc portera le
deuil du père? / Ah, c’est un dur métier que l’exil e este segundo
verso é citado de Nazim Hikmet.
Adiante (p. 307)
acrescenta:
Oui, éloignés du pays
natal
nous n’avons pas vu le
catafalque du père.
Cependant, les six
pieds de terre que nous n’avons pas
regardés ni touchés
sont là sous nos
souliers
et la poussière à nous
se dissout peu à peu
dans ces six mesures
de terre
this faint connection between criminality and calamity
(verso de Pound)
comme nous aurions
porté le catafalque lui-même,
regardant une seule fois son bois
pour ce qui est en nous
de
plus grand échappe à la dissolution.
[…]
Vário não teve
alternativa. Só a visão da madeira da urna, tornada registo na memória,
se poderia opor ao sentimento de dissolução que a morte sempre arrasta
consigo. E a João Vário, já habituado ao contacto com a morte, lhe foi
roubada esta oportunidade de aceitar o que alguém disse: Il ne faut
pas / que le deuil trouble la vie des hommes. (p. 308, versos
finais do Canto Primeiro).
Já no Canto Segundo (p.
314) citando T. S. Eliot:
[…]
If all time is eternally present
all
time is unredeemable
and
we do not hope to return again
reitera a ideia de que o
caminho para a morte é um caminho sem regresso.
Um pouco mais adiante (p.
326), Vário faz uma citação de Eliot muito significativa:
We
die with the dying:
see, they depart, and we go with them.
We
are born with dead:
see, they return, and bring us with them.
Em Exemple
Irréversible (Antuérpia, 1989), livro que reflecte a aproximação dos
40 anos, o que significa que foi escrito antes de 1977, o autor a p. 347
dirá:
Ah, oui, encore trente,
quarante ans, peut-être,
et la vie, d’abord
lumière, ensuite lin ou froment,
graine, feu, cendre
jusqu’à l’adieu, meilleur cru,
se resserrera sur ce
champ, ce rosier
perdu sans doute à
jamais, à jamais recultivé
[…]
Dopo tutto tendeno al
caos.
O poeta sabe que lhe resta
um tempo limitado de vida (cerca de 30 anos, sabemo-lo hoje) e que
depois tudo será cinza, tudo tenderá para o caos na citação de
Ungaretti.
O livro 9 de Exemplos
chama-se Exemplo Coevo e aborda os grandes acontecimentos
ocorridos no ano de 1937, ano de nascimento do autor. Também aqui se
fala e se reflecte sobre a morte, encarada colectivamente, se assim se
pode dizer. Não nos esqueçamos que a guerra de Espanha está a terminar
mas ainda há focos de resistência na Catalunha e a II Guerra Mundial vem
a caminho e eclodirá dois anos depois.
Logo no início do Canto
I, o poeta escreve (p. 389/390):
Ah Europa, Europa,
não fomos testemunhas
das tuas lutas intestinas,
porém, medimos hoje a
extensão das tuas dores,
das feridas e pensos do
teu corpo,
[…]
E logo a seguir surgem
duas grandes e pertinentes interrogações:
(Matar será também
essa forma
de auscultar a
intemporalidade?)
[…]
Pois que se assiste a
grandes criações
-soluções para a vida
e para a morte-,
era para a morte ou
para a vida
que o homem se erguia
sobre seus dois
escassos pés? […]
De facto, a morte assenta
agora numa loucura colectiva que leva o poeta a duvidar da capacidade do
homem para se entender com o outro.
Daí que observe a p. 411:
[…] e, como já não
temos nenhuma ilusão sobre os homens, […]
Mesmo quando se trata de
uma morte individual como a de Bessie Smith, não deixa de
denunciar o comportamento colectivo de uma sociedade doente que está por
trás dessa morte. Veja-se o que diz a p.405 citando o seu outro
pseudónimo Timóteo Tio Tiofe:
“Because that year, Bessie Smith, whose title of Empress of Blues
was
no exaggeration at all, died after having been refused admission
to a
white Southern hospital following an automobile accident”,
[…]
Sentimos que é com raiva
que o poeta alude ao tristemente célebre grito Viva la Muerte
dado em Salamanca na presença do reitor da Universidade, D. Miguel de
Unamuno, que terá, ao que consta, protestado (p. 435):
E, enquanto gritavam
Viva la Muerte,
perguntávamo-nos,
observando
esses cadáveres pelas
ruas de Espanha:
“Amamos ou ama a terra
por nós?”
Tal o ardor se
repercutia
como sino atónito pela
incomodidade
e a sobranceria de
todos os males ouvia
e eram selos do
obséquio
e espevitavam o domínio
e o exílio. […]
Apesar de tudo isso, do
crime e da vingança, dos torcionários do dia a dia, João Vário
inclina-se para o perdão (p. 440):
Sabe-se que os homens
são fracos, volúveis,
que esta terra é
pequena e molesta,
e o bem e o mal apenas
são esse tédio das euménides,
porque, em verdade, os
justos não se revoltam,
as musas são
imperturbáveis
e não pode haver
Sodomas e Gomorras indefinidamente,
porque o homem olha e é
Deus que se faz estátua. […]
Mas a pergunta mantém a
sua actualidade:
era para a morte ou
para a vida
que o homem se erguia
sobre seus dois
escassos pés? […]
É uma interrogação
dramática para um homem de ciência (um neurocientista de renome
internacional) esta, de questionar a validade da hominização e, no
entanto, tudo nos leva a pensar que Vário acreditava, não na humanidade,
o homem tomado em abstracto, mas sim naqueles homens que deram provas de
bom senso, de generosidade, de coragem e de
inteligência (qualidades humanas que entende serem, por esta ordem,
as mais importantes, como o afirma no prefácio de E. Coevo), e que o
levavam a não desesperar e a lutar por um mundo melhor, como, de facto,
fez, enquanto as forças lho permitiram. |