João Vário é um dos
pseudónimos de João Manuel Varela, nascido no Mindelo em 07/06/37,
neuro-cientista de renome internacional, regressado em 98 a Cabo Verde
após 43 anos de diáspora (Antuérpia). Outros pseudónimos: Timóteo Tio
Tiofe e G. T. Didial.
Foi o estudante mais
brilhante da Faculdade de Medicina de Coimbra onde chegou em 1956. Viria
a terminar a licenciatura em Lisboa com uma tese que obteve 20 valores.
Em 1961 organiza com L.
Serrano e R. Mendes o caderno de poesia Êxodo. Aí aparecem já
excertos de Exemplo Geral (1966). A este seguir-se-iam E.
Relativo, E. Dúbio, E. Próprio, E. Precário,
E. Maior, E. Restreint, E. Irréversible e E. Coevo.
Em 2000, reuniu-os em Exemplos - Livros 1-9.
Simultaneamente, João
Varela, agora com o pseudónimo Timóteo Tio Tiofe, fazia editar O
Primeiro Livro de Notcha (1975). Posteriormente, são reunidos O
Primeiro e o Segundo Livro de Notcha (2001?).
Sob o pseudónimo G.T.
Didial publicou o romance O Estado Impenitente da Fragilidade
(Praia, 1989) e Contos
de Macaronésia (Mindelo, 2 vols. 1992 e 1999).
Exemplos: é
certamente a sua obra mais importante. Dela, disse Osvaldo Silvestre: […]
um todo textual francamente monumental, uma obra de grande
envergadura […], ímpar,
quer entre as literaturas de língua portuguesa, quer, mais
particularmente, entre as literaturas africanas de língua portuguesa. Um
dos grandes escritores contemporâneos de língua portuguesa.
Exemplo Geral, é
uma reflexão sobre a morte como frisou o saudoso Vítor Matos e Sá nestas
palavras: ela [a morte]
nos comunica, porém, a difícil grandeza de um espanto perante a morte
(alheia e própria) que se devolve sobre a vida inteira […]
com impiedosa lucidez, desesperada ironia e certa ternura triste,
confiando apenas à vocação “poética” das palavras […]
a conjuração ritual da morte.
Em Exemplo Relativo,
o autor afirma que estes exemplos não são forçosamente autobiográficos e
em relação a este diz: investigações feitas com utensílios fornecidos
pela memória: as cidades, as mulheres, um certo Ocidente. Há, no
entanto, observações autobiográficas
como seja a fuga à mobilização para a guerra colonial.
Em Exemplo Próprio,
Vário reflecte sobre a cidadania, esclarecendo no prefácio a sua arte
poética: A minha poesia é, em larga medida, narrativa, é evidente.
Mas será erro supor que ela é autobiográfica. […] Mais adiante,
observa: Não ignoramos que a verdade é um deus decrépito: / viemos
não para depor mas para interrogar.
Em Exemplo Precário,
aborda o poder. Diz o autor: o presente texto propõe uma
interpretação: trata-se neste caso duma meditação sobre o poder. Melhor
diria: é quase uma reflexão sobre os “desvios totalitários” do exercício
do poder. […] Ensino de malícias é o poder dirá.
Em Exemplo Maior, o
autor adianta estas palavras que iluminam o texto poético: O presente
livro de Exemplos tenta lembrar que a vida é também uma forma de
jazer entre pausas. A desgraça, a carência ou a felicidade nada têm de
surpreendente. O que espanta é que se instalem com intermitências: mão
de deus ou milagrosa incongruência da natureza? […]. E a
propósito da solidariedade: […] Em verdade, / convivemos mal com a
reciprocidade. […]
Exemple Restreint
(1989), dedicado à memória do pai, é a reflexão do exilado que perdeu o
pai e não pôde estar presente nas cerimónias fúnebres; outra vez, uma
dolorosa e comovente meditação sobre a morte. Exemplo: Qui donc
portera le deuil du père? / Ah, c’est un dur métier que l’exil. […]
Oui, éloignés du pays natal / nous n’avons pas vu le catafalque du
père. / Cependant, les six pieds de terre que nous n’avons pas /
regardés ni touchés / sont là sous nos souliers / et la poussière à nous
se dissout peu à peu / dans ces six mesures de terre.
Em Exemplo Coevo,
Vário justifica assim a obra: O presente livro pretende meditar
[…] sobre os acontecimentos ocorridos no ano do nascimento do autor,
daí o título Exemplo Coevo, para levantar uma questão
desconcertante ou faceciosa: terão de alguma maneira influenciado o seu
destino?
Por aqui perpassam os bons
e os maus acontecimentos desse ano de 37, as grandes obras científicas e
artísticas mas também a guerra de Espanha com um milhão de mortos.
Exemplos é
uma poesia fortemente narrativa, de respiração barroca, estando qualquer
destas obras carregada de intertextualidades com imensas citações da
Bíblia, Dante, Homero, Platão, Virgílio, Horacio, Goethe, Pound,
T.S.Eliot, Ungaretti, Quasimodo, St. John Perse e outros.
O Primeiro e o
Segundo Livros de Notcha, de T. T. Tiofe: Ele próprio dá a
justificação para este novo pseudónimo: Até agora tenho publicado
[…] sob o pseudónimo de João Vário, uma poesia que nada tem que ver
com os problemas específicos de Cabo Verde. Era natural que, homem
destas terras, um dia me voltasse para os seus problemas, as suas
aspirações, e que tentasse dizê-las em poesia. […] Como se trata
de uma linguagem de algum modo diferente […] da que persigo em
Exemplos, estimei que devia utilizar um outro pseudónimo.[…]
A construção destas duas
obras representa um esforço no sentido de evitar a repetição de uma
linguagem poética estereotipada que fizera época. Por isso, recorre à
prosa enxertada no corpo dos versos […].
Esta entrosagem da poesia
com a prosa, alternando-se, confere às obras um ritmo que constitui um
eco da dinâmica de um país que era uma colónia e deixou de o ser.
Diz
Tiofe que estas duas obras não são ainda poesia épica mas há uma
atmosfera que as aproxima dela, quer pelo seu carácter narrativo quer
pela presença de um certo tipo de heróis importantes para a
caracterização da história e da fundação de um país novo.
O Estado Impenitente
da Fragilidade: romance único de Didial, inspira-se no episódio
bíblico Abraão/Isaac. Como seria possível que Deus desse uma ordem para
matar um inocente, que um pai matasse o filho, que as relações entre pai
e filho não ficassem envenenadas para sempre desencadeando a revolta e a
vingança por parte deste? Será que todos os crimes têm perdão? Tal
temática transporta-a Didial para Cabo Verde onde durante algumas das
grandes fomes chegou a haver casos de antropofagia.
O perdão é, pois, a grande
interrogação, com que aqui se defronta o autor. Exilo-me realmente
para esquecer, para não matar. Porém, quanto tempo ainda poderei
ter mão em mim, impedir-me de o matar? […]. Acontece-me também
perder horas ou dias inteiros imaginando o remorso.
[…] dirá o personagem principal.
Livro onde a morte (e o
suicídio), o ódio, o amor e o sexo se confrontam com o perdão.
Carreira científica:
doutoramento e agregação na Universidade de Antuérpia; destaque para a
descoberta de um síndroma anatomoclínico, agora conhecido por
Síndroma de Varela.
Visitei-o a 1 de Fevereiro. Está doente e já não o
via há 43 anos. Abracei-o comovidamente e pensei: por que não são
reeditadas as suas obras, quase todas esgotadas? Francisco J.Viegas
sugeriu o seu nome para o Prémio Camões. Seria um
acto de inteira justiça. |