KIRIRI : POEMABRIL / COM QUE ENTÃO LIBERTOS..., POR JORGE DE SENA Fotos: Walkyria 10-04-2005 www.triplov.org |
Com que então libertos, hein? Falemos de política, discutamos política, escrevamos de política, vivamos quotidianamente o regressa da política à posse de cada um, essa coisa de cada um tratada como propriedade do paizinho, Tenhamos sempre presente que, em política, os paizinhos tendem sempre a durar quase cinquenta anos pelo menos. E aprendamos que, em política, a arte maior é a de exigir a lua não para tê-la ou ficar num fúria por não tê-la, mas como ponto de partida para ganhar-se, do compromisso, uma boa lâmpada de sala, que ilumine a todos. Com o país dividido quase meio século entre os donos da verdade e do poder, para um lado, os réprobos para o outro só porque não aceitavam que não houvesse liberdade, e o povo todo no meio abandonado à sua solidão silenciosa, sem poder falar nem poder ouvir mais que discursos de salamaleque, há que aprender, re-aprender a falar política e a ouvir política. Não apenas pelo prazer tão grande de poder falar livremente e poder ouvir em liberdade o que os outros nos dizem, mas para o trabalho mais duro e mais difícil de - parece incrível - refazer Portugal sem que se dissipe ou se perca uma parcela só da energia represa há tanto tempo. Porque é belo e magnífico o entusiasmo e é sinal esplêndido de estar viva uma nação inteira. Mas a vida não é só correria e gritos de entusiasmo, é também o desafio terrível do ter-se de repente nas mãos os destinos de uma pátria e de um povo, suspensos sobre o abismo em que se afundam os povos e as nações que deixaram fugir a hora miraculosa que uma revolução lhes marcou. Há que caminhar com cuidado, como quem leva ao colo uma criança: uma pátria que renasce é como uma criança dormindo, para quem preparamos tudo, sonhamos tudo, fazemos tudo, até que ela possa em segurança ensaiar os primeiros passos. De todo o coração, gritemos o nosso júbilo, aclamemos gratos os que o fizeram possível. Mas, com toda a inteligência que se deve exigir do amadurecimento doloroso da liberdade tão longamente esperada e desejada, trabalhemos cautelosamente, politicamente, para conduzir a porto de salvamento esta pátria por entre a floresta de armas e de interesses medonhos que, de todos os cantos do mundo, nos espreitam e a ela. 02/05/1974 |
JORGE DE SENA in: 40 Anos de Servidão, Morais, 1979 |