Sob as árvores
Mas lá ficaram eles ainda em seu sossego
Estendidos, desabotoados, gratos, sob as árvores
Seamus Heaney
Uma árvore para ter
a raiz dos ventres incandescentes
um ninho de rizomas ocultos
um sopro inicial habitado
de magnólias cegas de pele.
Uma árvore de aguçados dentes
que devora as pedras e a memória
a inocência estranguladora
onde se respira a luz o branco
um atalho secreto de narcisos
um olfacto polido dilatado
nos braços das cassiopeias
nos favos das lascas nuas
entre o espaço e a respiração.
Uma árvore desnudada de aves
sobre a melancolia das açucenas
ou um eco sem contornos
na raiva incolor da borracheira
porque na carne fissurada da terra
entre a folhagem e o fogo
a argila se transmuda.
Um corpo mineral dentro
do ciclo das estações coaguladas
sempre a adoração da árvore
a vergar folhas abertas no voo.
Um corpo rompendo as membranas
da própria árvore contra o cansaço
com o sangue escorrendo às raízes
o fio da água sob as virilhas
na pedra nocturna das cidades
a árvore de Judas seduz a fera
Na volátil seiva das árvores
desço às silenciosas cicatrizes da fala
simulando a ressurreição da morte.
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