VI
.e por amor
liberalizou-se o crime e o sacrifício das fêmeas em seu útero.
seguiram-se dias de bárbaras festas onde os machos dançaram o êxtase das
bocas. os loucos saboreiam as primaveras eivados de lua cheia. desnudos
estiraram tições em fogo sobre as fêmeas para consolarem as exigências
da carne. após as orgias aguardaram mais crias junto ao coração onde
ocultamente a divina criação se digladia. e a seguir surgiram todos os
outros seres inimigos dos filhos de deus. todos eles fecundados à sua
imagem no altar do caos. a terra tinha então sido assestada pelos frutos
cognitivos. os escolhidos foram amparados pelo arcanjo de marfim fluindo
como rosas de feroz plenitude. que se reproduzam na noite da sua
castidade e transitem nomes de inevitável perplexidade. que apazigúem os
sonhos da argila. debaixo do núcleo venerável das oliveiras uma serpente
glauca adormeceu de cansaço.
VII
.depois descansou-se à
terceira noite na extrínseca margem das fogueiras porquanto se violenta
uma geografia alquímica para todo o sempre. e guardou-se-lhes os olhos
volvidos em linho e no excessivo desabrochar das águas enquanto lhes
liam um poema. alienados como aquele que transmuta a coisa amada
esmagando o amor silencioso do mundo. este sabe que tem uma madrugada
rejuvenescida na queimadura da labareda. e que haverá que aguardar a
primavera que nunca se decepará no movimento das hastes que excisam o
fôlego das gargantas. árvores e pássaros brancos enxergam vigilantes
rodeados de livros a condenada por quem lutariam até aos contornos da
noite mais longa. expirando devagar. civitas coelestis.
VIII
.a arte mais sublime de
trespassar a morte é descansar num nevoeiro a arder de sangue. e
mastigar a ferocidade das abismadas paisagens com a zoologia aberta do
amor. na agonia da pura inocência. olhar o gume da lâmina prateada e
amá-la exalando a sua boca atulhada em espaço lírico. no ventre
suculento das algas. a renúncia do torpor é apenas a entrega incólume da
candura e da vulva viva porque nos incutimos erectos. o fingimento que
evoca a mulher sufocada nos ganchos quando o poeta faz de homem sábio. a
magnólia cheirando a incesto nas palavras faustosas. cada golpe luminoso
é a acutilante pujança das orquídeas negras do nosso próprio eco. a
exígua morte. |
JOÃO
RASTEIRO
(Coimbra - Portugal, 1965). Licenciado em Estudos
Portugueses e Lusófonos, pela Universidade de Coimbra. Poeta e ensaísta,
traduziu para o português vários poemas de Harold Alvarado Tenorio, Miro
Villar e Juan Carlos Garcia Hoyuelos. É sócio da Associação
Portuguesa de Escritores, membro do Conselho Editorial da
Revista Oficina de Poesia e do
Conselho Editorial da revista brasileira Confraria do Vento.
Tem poemas publicados em várias revistas e antologias em Portugal,
Brasil, Colômbia, Chile, Itália e Espanha e possui poemas traduzidos
para o Espanhol, Italiano, Inglês, Francês e Finlandês. Publicou os
livros de poesia, A Respiração das Vértebras (Sagesse, 2001),
No Centro do Arco (Palimage, 2003), Os Cílios
Maternos (Palimage, 2005), O Búzio de Istambul (Palimage,
2008) e Pedro e Inês ou As madrugadas esculpidas (Apenas Livros,
2009). Obteve vários prémios, nomeadamente a Segnalazione di Merito no
Concurso Internacionale de Poesia: Publio Virgilio Marone(Itália-2003),
o 1º prémio no Concurso de Poesia e Conto: Cinco Povos Cinco Nações,
2004 e o 1º prémio – na categoria
de autores estrangeiros - do Premio Poesia, Prosa e Arti
Figurative-Il Convívio (Verzella, Itália, 2004).
Em 2005 integrou a antologia: “Cânticos da Fronteira/Cánticos de
la Frontera (Trilce
Ediciones – Salamanca). Em
2007 integrou
a antología Transnatural,
um
projecto
multidisciplinar sobre o Jardim
Botánico de Coimbra.
Em 2007 foi um dos poetas
participantes nos VI Encontros Internacionais de
Poetas de Coimbra,
F.L.U.C. - Universidade de Coimbra. Em 2008 integrou a
antologia e exposição internacional de surrealismo O Reverso do
Olhar. Em 2009
integrou a antologia: “Portuguesia: Minas entre os povos
da mesma língua – antropologia de uma poética”, organizada pelo
poeta brasileiro Wilmar Silva e que engloba poéticas de Portugal,
Brasil, Cabo Verde e Guiné-Bissau. Em
2009 organizou
um número especial (nº
44) da revista Colombiana Arquitrave sobre a
poesia
portuguesa mais
recente:
A Poesia
Portuguesa hoje.
Prepara-se para publicar um novo livro que se intitulará: Diacrítico.
Vive e trabalha em Coimbra, no âmbito cultural da C.M.C. Mantém em
permanente irrupção o sísmico fulgor do blogue:
http://www.nocentrodoarco.blogspot.com/ E-mail: jjrasteiro@sapo.pt |