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JOÃO RASTEIRO:..:::

POEMAS

 

Diacrítico

VI

.e por amor liberalizou-se o crime e o sacrifício das fêmeas em seu útero. seguiram-se dias de bárbaras festas onde os machos dançaram o êxtase das bocas. os loucos saboreiam as primaveras eivados de lua cheia. desnudos estiraram tições em fogo sobre as fêmeas para consolarem as exigências da carne. após as orgias aguardaram mais crias junto ao coração onde ocultamente a divina criação se digladia. e a seguir surgiram todos os outros seres inimigos dos filhos de deus. todos eles fecundados à sua imagem no altar do caos. a terra tinha então sido assestada pelos frutos cognitivos. os escolhidos foram amparados pelo arcanjo de marfim fluindo como rosas de feroz plenitude. que se reproduzam na noite da sua castidade e transitem nomes de inevitável perplexidade. que apazigúem os sonhos da argila. debaixo do núcleo venerável das oliveiras uma serpente glauca adormeceu de cansaço.

VII

.depois descansou-se à terceira noite na extrínseca margem das fogueiras porquanto se violenta uma geografia alquímica para todo o sempre. e guardou-se-lhes os olhos volvidos em linho e no excessivo desabrochar das águas enquanto lhes liam um poema. alienados como aquele que transmuta a coisa amada esmagando o amor silencioso do mundo. este sabe que tem uma madrugada rejuvenescida na queimadura da labareda. e que haverá que aguardar a primavera que nunca se decepará no movimento das hastes que excisam o fôlego das gargantas. árvores e pássaros brancos enxergam vigilantes rodeados de livros a condenada por quem lutariam até aos contornos da noite mais longa. expirando devagar. civitas coelestis.

VIII

.a arte mais sublime de trespassar a morte é descansar num nevoeiro a arder de sangue. e mastigar a ferocidade das abismadas paisagens com a zoologia aberta do amor. na agonia da pura inocência. olhar o gume da lâmina prateada e amá-la exalando a sua boca atulhada em espaço lírico. no ventre suculento das algas. a renúncia do torpor é apenas a entrega incólume da candura e da vulva viva porque nos incutimos erectos. o fingimento que evoca a mulher sufocada nos ganchos quando o poeta faz de homem sábio. a magnólia cheirando a incesto nas palavras faustosas. cada golpe luminoso é a acutilante pujança das orquídeas negras do nosso próprio eco. a exígua morte.

JOÃO RASTEIRO (Coimbra - Portugal, 1965). Licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos, pela Universidade de Coimbra. Poeta e ensaísta, traduziu para o português vários poemas de Harold Alvarado Tenorio, Miro Villar e Juan Carlos Garcia Hoyuelos. É sócio da Associação Portuguesa de Escritores, membro do Conselho Editorial da Revista Oficina de Poesia e do Conselho Editorial da revista brasileira Confraria do Vento. Tem poemas publicados em várias revistas e antologias em Portugal, Brasil, Colômbia, Chile, Itália e Espanha e possui poemas traduzidos para o Espanhol, Italiano, Inglês, Francês e Finlandês. Publicou os livros de poesia, A Respiração das Vértebras (Sagesse, 2001), No Centro do Arco (Palimage, 2003), Os Cílios Maternos (Palimage, 2005), O Búzio de Istambul (Palimage, 2008) e Pedro e Inês ou As madrugadas esculpidas (Apenas Livros, 2009). Obteve vários prémios, nomeadamente a Segnalazione di Merito no Concurso Internacionale de Poesia: Publio Virgilio Marone(Itália-2003), o 1º prémio no Concurso de Poesia e Conto: Cinco Povos Cinco Nações, 2004 e o 1º prémio – na categoria de autores estrangeiros - do Premio Poesia, Prosa e Arti Figurative-Il Convívio (Verzella, Itália, 2004). Em 2005 integrou a antologia: “Cânticos da Fronteira/Cánticos de la Frontera (Trilce Ediciones – Salamanca). Em 2007 integrou a antología Transnatural, um projecto multidisciplinar sobre o Jardim Botánico de Coimbra. Em 2007 foi um dos poetas participantes nos VI Encontros Internacionais de Poetas de Coimbra, F.L.U.C. - Universidade de Coimbra. Em 2008 integrou a antologia e exposição internacional de surrealismo O Reverso do Olhar. Em 2009 integrou a antologia: “Portuguesia: Minas entre os povos da mesma língua – antropologia de uma poética”, organizada pelo poeta brasileiro Wilmar Silva e que engloba poéticas de Portugal, Brasil, Cabo Verde e Guiné-Bissau. Em 2009 organizou um número especial (nº 44) da revista Colombiana Arquitrave sobre a poesia portuguesa mais recente: A Poesia Portuguesa hoje. Prepara-se para publicar um novo livro que se intitulará: Diacrítico. Vive e trabalha em Coimbra, no âmbito cultural da C.M.C. Mantém em permanente irrupção o sísmico fulgor do blogue: http://www.nocentrodoarco.blogspot.com/  E-mail: jjrasteiro@sapo.pt