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JOÃO RASTEIRO:..

O órfico discurso do Natal

  Mas para quê perturbar a poeira
                                            numa taça de folhas de rosa

                                                          T. S. Eliot

Ele entranha-se pelas paisagens do sol

pelos olhos das aves em que adejamos o incomensurável,

aconchega-se às nossas vísceras mais íntimas

e pressentimos que podemos ser criaturas de Dezembro,

criaturas dos dias de não se ser esquecido

criaturas fervilhando lava pelos dedos

em circunstâncias estranhas,

também nós concebidos e destruídos sem porquê

por essa  sitiada substância

de que é erigida a adusta boca das quimeras.

 

Ele mergulha pelos corpos da terra

pelas frestas dos oceanos em que expurgamos a cegueira,

acerca-se inevitavelmente do nosso funesto alento

e intuímos ser os guardiões dos salmos da bem-aventurança,

guardiões que vigiam as infâncias no Inverno

guardiões fascinados pela loucura do mundo

em noite de tamanha abundância,

vínculos em que espargimos e aduzimos a púrpura

numa criança indefesa

de que se constrói uma humanidade que não há.

 

Ele submerge pelo avesso dos corações

pela estreita extensão das vozes sem tempo nem vento,

encosta-se no reflexo dos sonhos intemporais

e de forma desumana reinventa o natalício choro e riso

para que não se suspenda a esperança

e vergamo-nos trespassados no órfico cântico do poeta:

«não cortem o cordão que liga o corpo à criança do sonho!»                                                                                      

Triplov, 21 de dezembro de 2011

João Rasteiro (Ameal - Coimbra, 1965), poeta e ensaísta, traduziu para o português vários poemas de Harold Alvarado Tenorio, Miro Villar, Juan Carlos Garcia Hoyuelos e Juan Armando Rojas Joo. É Licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Universidade de Coimbra. Trabalha actualmente na “Casa da Escrita” – Câmara Municipal Coimbra. É sócio da Associação Portuguesa de Escritores e membro dos Conselhos Editoriais das revistas Oficina de Poesia e Confraria do Vento (Brasil). Possui vários poemas publicados em várias revistas e antologias em Portugal, Brasil, Itália, Finlândia, Colômbia, Chile e Espanha e possui vários poemas traduzidos para o Espanhol, Italiano, Inglês, Francês e Finlandês. Obteve vários prémios, nomeadamente a “Segnalazione di Merito” do Concurso Internacional Publio Virgilio Marone, Castiglione de Sicilia, Itália, 2003, o 1º Prémio no Concurso de Poesia Cinco Povos Cinco Nações, 2004, o 1º prémio – na categoria de autores estrangeiros – do Premio Poesia, Prosa e Arti Figurative-Il Convívio (Verzella, Itália, 2004) e o Prémio Literário Manuel António Pina (Câmara da Guarda/Assírio & Alvim, 2010). Publicou os seguintes livros: A Respiração das Vértebras, 2001, No Centro do Arco, 2003, Os Cílios Maternos, 2005, O Búzio de Istambul, 2008, Pedro e Inês ou As madrugadas esculpidas, 2009, Diacrítico, 2010, A Divina Pestilência, 2011, Elegias, 2011 e Tríptico da Súplica (Brasil). Em 2005 integrou a antologia: “Cânticos da Fronteira/Cánticos de la Frontera (Trilce Ediciones – Salamanca). Em 2007 integrou a antologiaTransnatural”, um projecto multidisciplinar sobre o Jardim Botânico de Coimbra. Em 2008 integrou a antologia e exposição internacional de surrealismo O Reverso do Olhar. Em 2009 integrou a antologia: “Portuguesia: Minas entre os povos da mesma língua – antropologia de uma poética”, organizada pelo poeta brasileiro Wilmar Silva e que engloba poéticas de Portugal, Brasil, Cabo Verde e Guiné-Bissau. Em 2009 integrou o livro de ensaios “O que é a poesia?”, organizado pelo brasileiro Edson Cruz. Em 2010 integrou a antologia Poesia do Mundo VI, resultante dos VI Encontros Internacionais de Poetas de Coimbra organizados pelo Grupo de Estudos Anglo-Americanos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Em 2011 integrou o livro “Três Poetas Portugueses” (Brasil), organizado pelo poeta brasileiro Álvaro Alves de Faria Em 2009, organizou para a revista ARQUITRAVE da Colômbia, uma antologia de poesia portuguesa, intitulada “A Poesia Portuguesa Hoje”. Mantém em permanente irrupção o sísmico fulgor do blogue:
 http://www.nocentrodoarco.blogspot.com/

E-mail: rasteiro.j@gmail.com