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GABRIELA ROCHA MARTINS
Tempo de pedra
- tempo de pedra em
tempo de folha


uma folha no chão
o outono chegou
o outono não chega nem parte
o outono é
repete.se todos os anos dentro do tempo
repete.se nas folhas vividas no tempo
há tão pouco tempo no tempo de uma folha
há tanto tempo no tempo do tempo
há tempo nas folhas do vento?

tantas perguntas e ele sem saber
tentou a marcha atrás não entrava
o carro consistia o seu último contratempo
já lá ia o tempo em que o carro havia sido uma necessidade
como o andar a pé
há tanto tempo que não se misturava na multidão

havia deixado de andar de comboio
nesse tempo não era senhor de pensar em tempo
havia tanto tempo que não pensava

eram folhas dentro de uma pedra
secas
as folhas e a pedra estavam há tanto tempo secas
no jardim do outono
haviam crescido juntas
haviam sido beijadas juntas
juntas haviam envelhecido no tempo

de folhas castanhas secas
de azuis torcidas
enroladas em forma de concha na pedra
na pedra em forma de concha
enroladas
haviam envelhecido ao sol
as folhas e a pedra haviam.se no limite do tempo
o tempo das folhas azuis castanhas amarelas verdes
o tempo da pedra branca onde se havia

escondido

sentou.se na pedra sacudiu as folhas
com os pés bárbaros
uma a uma
as folhas azuis castanhas amarelas
desfizeram.se sob os seus pés
havia chegado ao tempo em que havia sido

tempo de pedra em tempo de folha
chegou ao outono

[con]fundiu.se no tempo
- ao ritmo dos movimentos cíclicos



esqueceu.se de si

passou a ser uma cadeira
um ficheiro
uma janela
uma memória
sem memória
não gostou
sentiu.se um papel esquecido no chão
um resto
uma repetição
viu.se longe e perto como o vento
a dançar com as folhas das árvores do quintal
passou a ser a poalha húmida do dia
aberta através das paredes da casa
começou a mover os braços
o tronco
as pernas
todo o corpo
ao ritmo dos movimentos cíclicos
das estações

achou.se à esquerda
no cerco das feridas
das cicatrizes
das perdas
dos traços

sentiu um vazio amargo
quando da boca lhe escorreu a sensação de vazio

-ouves o ruído a voz o nada?

ouço o sangue latejar na cabeça
as unhas cravadas no teclado

dói.me o não saber dançar

- transgressor de mim

escrevo com a necessidade urgente de transgredir de
ultrapassar.me para além do razoável
transgrido todas as normas consciente da transgressão
não há ventos que me estabeleçam limites
nem eu os aceito
nenhuma árvore se agita
não há cheiros
não há norte
não há pontos cardiais neste meu delírio
há apenas palavras que apodrecem no chão porque trabalhadas demais
tudo se resume ao lugar comum das horas que passam
os frutos que se comem
a água que se bebe ou se
derrama na calma de um verão anunciado
o meu mundo passou a resumir.se à asa
de uma borboleta
apenas uma asa
obliterei a segunda porque assumi.la
seria criar um outro e
hoje quero.me só na confusão de mim
uma asa é uma pessoa
duas asas são duas pessoas que se perdem e
acham numa distância equivalente ao gostar
o amor subjaz no labirinto possível de um animal sozinho que encontra outro animal sozinho
os dois animais sozinhos estabelecem entre
si uma viagem que os conduz
inevitavelmente
para a morte
dos instintos
dos desejos

as borboletas repousam nos círculos abertos pela
água que escorre lenta pela minha face
esquerda
sou um rio rarefeito na corrente
a direita sulcada de veios e
areias queda.se no equilíbrio da borboleta de uma só asa rio.me deste mundo insano feito
dos teus cabelos
dos teus olhos
do teu corpo
do teu esperma
das borboletas que geram poemas na areia
apago.os como um pedaço de asa
pisados pelo animal que me resta
sou por inerência o transgressor de mim
retomo.me nas árvores que volto a agitar e
guardo.me nas palavras que beijam o sentido proibido

gabriela rocha martins (Maria Gabriela Rocha de Gouveia Martins) nasceu em Faro, no inverno de 1948. Foi representante no Algarve da Fundação Natália Correia; é membro da Sociedade de Língua Portuguesa; sócia da Associação de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas; sócia fundadora ( como Escritora ) da Associação de Jornalistas e Escritores do Algarve (AJEA) e presidente da direcção do Prémio Litterarius, Racal Clube .

Habilitações Académicas – formação na área do Direito (Universidade Clássica de Lisboa ) e em Ciências da Documentação ( nas áreas de Bibliotecas e Centros de Documentação ).

Publicações

Ensaio – obra vária; Comunicações em Congressos, Conferências e Encontros, nacionais e internacionais; Correspondente redactorial do Jornal “Letras e Letras”; Artigos em Revistas; Crónicas em Jornais; Poesia – premiada em vários concursos nacionais.

Em 2005 e 2008, integrou as Antologias da II e da III Bienais de Poesia de Silves

Encontra.se, igualmente, representada na I Antologia de Poetas Lusófonos, Ed. Folheto, Edições & Design, 2008.

Obra Editada:

“Inquietação” – poesia e conto. Editorial Minerva, 2006

“Poiesis” , Vol. XIV – poesia. Editorial Minerva, 2006

“Poiesis” – Vol. XV – poesia . Editorial Minerva, 2007

.delete.me. – poesia .Folheto, Edições & Design, 2008

Revista Litterarius – poesia e conto . Imagem Local, 2007
Revista Oficina da Poesia ( no prelo )

Representada no poema “O Estado do Mundo”, criado no ciberespaço, 2003.
Representada, como membro efectivo, em http://poetasdelmundo.com, Europa, Portugal.
Representada em http://harmoniadomundo.net, Poesia.
Páginas Web
http://cantochao.blogspot.com – canto.chão
http://teh-last-dance.blogspot.com – the last dance
http://ksar-ash-sharajibe.blogspot.com – ksar ash.sharajibe 2

SILVES, CAPITAL DA PALAVRA ARDENTE